quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

INTENÇÕES DE VOTO


Sondagem do ISCTE/ICS para o Expresso e a SIC, divulgada hoje.

Além das intenções de voto por partido, o estudo contempla variantes como com quem deve o PS negociar. Sem surpresa — face à ausência de maioria absoluta —, 38% do eleitorado PS prefere que o Partido negoceie com o PSD.

Não é novidade para quem tem amigos que sempre votaram PS. À mais pequena indicação de que o Partido possa vir a tentar repetir a geringonça (escrevo esta palavra pela primeira vez em seis anos), grande parte do eleitorado PS tomará uma de duas opções: ou fica em casa, abstendo-se de votar, ou vota PSD. A realidade é esta e não vale a pena dourar a pílula.

O país não pode ficar refém da teimosia de minorias iluminadas. As próximas eleições são mais importantes do que todas as anteriores.

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quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

NÚMEROS ELOQUENTES

 

É só comparar. Clique na imagem.

FUTUROS CLÁSSICOS?


Hoje na Sábado

Nem sempre acontece, mas o ano que agora termina foi pródigo na edição de livros que podem vir a tornar-se clássicos. Estamos a falar de poesia, ficção, biografia e História. Do que li gostaria de destacar oito títulos.

Um deles é Poemas, reunião da poesia completa de António Franco Alexandre, oportunidade para nos deixarmos absorver pelo estranhamento desta poesia sem predecessores em língua portuguesa: «Vamos a ver se dois incêndios se juntam, / se a folha do corpo fica a arder. / Os dentes que riem, saberão morder?» Outro é o primeiro volume de uma trilogia sobre a América contemporânea, Encruzilhadas, de Jonathan Franzen. A família Hildebrandt pode não ter glamour, mas só um escritor com o fôlego de Franzen podia dar-nos um épico desta natureza. Noutro registo, Maggie O’Farrell demonstra que Shakespeare é um personagem em aberto, servindo-se da morte precoce do filho do bardo para escrever Hamnet, romance centrado na vida de Anne Hathaway. Mas também Paul Auster, que resgata a vida e obra de Stephen Crane, um gigante da literatura norte-americana do século XIX, na monumental biografia a que deu o título de Um Homem em Chamas. Por falar em biografias, não podemos ignorar a de Philip Roth escrita por Blake Bailey, desassombrado registo de uma época e seus temas-fétiche. Ainda no domínio da compreensão do outro, a História dos Povos Árabes de Albert Hourani, historiador britânico de origem libanesa, finalmente traduzida e actualizada, é indispensável para entender o mundo árabe. Entretanto, numa altura em que foi tudo escrito sobre disfunções (sexuais e outras), a holandesa Marieke Lucas Rijneveld consegue surpreender-nos com O Desassossego da Noite. Por último mas não em último, Trilogia de Jon Fosse, volume que colige três novelas, traduzidas directamente do norueguês por Liliete Martins, que respeita a peculiar pontuação (ou falta dela) do autor. Rompendo mais uma vez com os modelos convencionais, Fosse não abdica de construir uma linguagem própria.

António Franco Alexandre, Poemas / Assírio & Alvim

Jonathan Franzen, Encruzilhadas / Dom Quixote

Maggie O’Farrell, Hamnet / Relógio d’Água

Paul Auster, Um Homem em Chamas / Asa

Blake Bailey, Philip Roth / Dom Quixote

Albert Hourani, História dos Povos Árabes / Book Builders

Marieke Lucas Rijneveld, O Desassossego da Noite / Dom Quixote

Jon Fosse, Trilogia / Cavalo de Ferro

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terça-feira, 28 de dezembro de 2021

GRABATO DIAS EM ANTOLOGIA


Pedro Mexia conseguiu a proeza de organizar, para a Tinta da China, uma antologia de poemas de João Pedro Grabato Dias, coisa que até aqui ninguém tinha conseguido, alegadamente por reticências dos herdeiros.

Para quem não sabe: João Pedro Grabato Dias é o principal pseudónimo literário de António Augusto de Melo Lucena e Quadros (1933-1994), personalidade irreverente da vida cultural moçambicana.

Nascido em Viseu, foi para Lourenço Marques em 1964, tendo vivido em Moçambique até 1984. Além de pintor sob o nome civil — António Quadros —, com obra espalhada por colecções exigentes e museus de referência, o António fez tudo: encenou peças para o teatro universitário, escreveu canções para Zeca Afonso (então professor em Moçambique), deu aulas na Universidade, co-editou com Rui Knopfli os cadernos de poesia Caliban, fascinou Sena com as Qvybyrycas de Frey Ioannes Garabatus (outro pseudónimo seu), convenceu Samora Machel da existência de um guerrilheiro-poeta chamado Mutimati Barnabé João (outra vez ele), mais o que aqui se não diz por ser de natureza privada.

Agora, quem nunca leu «o Grabato», tem as Odes Didácticas para o fazer.

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segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

APENAS UM CONVIDADO


Não é a primeira vez que Cristina Carvalho se ocupa de personalidades da cultura escandinava. Desta vez o eleito foi August Strindberg, que todos conhecemos como dramaturgo, porventura o mais importante da Suécia.

Sucede que Strindberg (1849-1912) também foi romancista, contista, diarista, ensaísta, pintor, fotógrafo, alquimista, activista político do movimento operário, polemista assíduo sobre as questões que moldaram o seu tempo, teosofia incluída.

Strindberg defendeu o direito das mulheres a votarem embora as considerasse seres inferiores. Misógino assumido, casou três vezes. Não gostava do rei, nem de militares, nem da Igreja, nem de capitalistas, nem de judeus. Também não gostava de Ibsen. E invejava Selma Lagerlöf. 

Cristina Carvalho calibra bem todas estas harmónicas no romance biográfico Strindberg — Neste Mundo Fui Apenas Um Convidado. Vale a pena ler para perceber melhor este proto-anarquista pouco simpático de que a Suécia (e com razão) tanto se orgulha.

Numa acção concertada entre o Instituto Camões e a embaixada de Portugal em Estocolmo, o livro foi apresentado no Strindbergsmuseet — aka Museu Strindberg — no passado dia 9, pelo seu director Erik Höök.

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domingo, 26 de dezembro de 2021

RUY CINATTI


UM POEMA POR SEMANA — Para este domingo escolhi Reisebilder de Ruy Cinatti (1915-1986), poeta que não teve nunca a divulgação merecida.

Nascido em Londres, onde seu avô materno exercia o cargo de cônsul-geral de Portugal, Ruy Cinatti formou-se em agronomia (Lisboa) e antropologia social e cultural (doutoramento em Oxford). Aos 19 anos, o pai expulsou-o de casa.

Com Tomaz Kim e José Blanc de Portugal fundou em 1940 os Cadernos de Poesia, estreando-se em livro no ano seguinte, com Nós Não Somos Deste Mundo. Trabalhou dois anos na Pan-American como meteorologista, partindo em 1944 para Timor como secretário do governador-geral. Mais tarde seria o responsável máximo dos Serviços de Agricultura de Timor, ingressando no quadro da Junta de Investigações do Ultramar.

Viveu em Timor entre 1944 e 1966, mas viajou intensamente pelo extremo-Oriente, Europa, Estados Unidos e México, proferindo conferências e participando de seminários científicos. Antes de deixar Timor, fez juramento de sangue com dois liurais timorenses.

Deixou uma obra poética muito extensa, estando editados em volume único — mais de 1.400 páginas — todos os livros que publicou em vida.

Monárquico, católico, conservador, ficou profundamente abalado com a ocupação de Timor. Além de poesia, publicou o conto Ossobó (1936), diários de viagem às colónias portuguesas, excepto Moçambique, bem como monografias botânicas e antropológicas.

Morreu em Outubro de 1986, em Lisboa, estando sepultado no Cemitério dos Ingleses.

O poema desta semana pertence a Paisagens Timorenses Com Vultos (1974). A imagem foi obtida a partir do primeiro volume de Obra Poética, organizado por Luis Manuel Gaspar e publicado pela Assírio & Alvim em 2016.

[Antes deste, foram publicados poemas de Rui Knopfli, Luiza Neto Jorge, Mário Cesariny, Natália Correia, Jorge de Sena, Glória de Sant’Anna, Mário de Sá-Carneiro, Sophia de Mello Breyner Andresen, Herberto Helder, Florbela Espanca, António Gedeão, Fiama Hasse Pais Brandão, Reinaldo Ferreira, Judith Teixeira, Armando Silva Carvalho, Irene Lisboa, António Botto, Ana Hatherly, Alberto de Lacerda, Merícia de Lemos, Vasco Graça Moura, Fernanda de Castro, José Gomes Ferreira, Natércia Freire, Gomes Leal, Salette Tavares, Camilo Pessanha, Edith Arvelos, Cesário Verde, António José Forte, Francisco Bugalho, Leonor de Almeida, Carlos de Oliveira, Fernando Assis Pacheco, José Blanc de Portugal, Luís Miguel Nava, António Maria Lisboa, Eugénio de Andrade, José Carlos Ary dos Santos e António Manuel Couto Viana.]

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quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

JOAN DIDION 1934-2021


Vítima da doença de Parkinson, morreu hoje Joan Didion, uma das personalidades mais destacadas do New Journalism e da contracultura da costa Oeste norte-americana. Tinha 87 anos.

Membro da Academia Americana de Artes e Letras, jornalista, crítica cultural e escritora, Joan Didion tinha tanta influência em Hollywood como em Manhattan, uma proeza alcançada por muito poucos. 

Várias vezes premiada, autora de cinco romances e dois volumes de memórias — O Ano do Pensamento Mágico, sobre a morte do marido, foi adaptado ao teatro por Vanessa Redgrave; e Noites Azuis, sobre a morte da filha. Ambos traduzidos em Portugal —, além de roteiros para filmes de sucesso e catorze colectâneas dos artigos que escreveu para a New York Review of Books e outras publicações, Didion recebeu doutoramentos honoris causa por Harvard e Yale, mas também a Medalha Nacional das Artes.

Quem quiser saber mais pode ver na Netflix o documentário Joan Didion: The Center Will Not Hold (2017), feito por Griffin Dunne, seu sobrinho. Ou então ler The Last Love Song: A Biography of Joan Didion, a biografia publicada por Tracy Daugherty em 2015.

Na imagem, Didion nos anos 1970. Clique.

ACIMA DAS NOSSAS POSSES?


Entrevistado pelo Expresso, Henrique Gouveia e Melo declinou, em modo ambíguo, a lengalenga da maioria PSD/CDS que nos governou entre 2011 e 2015.

Vejamos: «distribuir a riqueza inexistente, que não produzimos...» corresponde a dizer que vivemos acima das nossas possibilidades.

Mas qual riqueza? Actualização do Indexante dos Apoios Sociais, do Rendimento Social de Inserção, do salário mínimo, das pensões, dos vencimentos dos funcionários públicos?

Para começo de carreira política é um passo em falso do vice-almirante submarinista. O país precisa de muita coisa, mas não do passismo reciclado.

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terça-feira, 21 de dezembro de 2021

BRUXELAS SEGURA TAP


Ao fim de um ano de análise do processo, Margrethe Vestager, comissária da Concorrência, autorizou todas as ajudas que o Estado português suportou e vai suportar com a TAP.

Os mais de três mil milhões de euros distribuem-se pelos 462 milhões do ano em curso, os 107,1 milhões no âmbito dos apoios Covid, e os 2,55 mil milhões a haver.

Como contrapartida, a companhia terá de abdicar de dezoito slots / reduzir a frota / formalizar os despedimentos previstos no plano de reestruturação / separar-se da Portugália / mas também desinvestir na Cateringpor, na Groundforce e na manutenção efectuada no Brasil.

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segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

HABITUEM-SE


Por contraponto aos 2,5% de devolução do IRS que a Câmara de Lisboa praticava anualmente (aos residentes no concelho), Carlos Moedas prometeu o dobro. Ou seja, 5%. 

Mas o que hoje fez aprovar foi a devolução de 3%. Ora três não são cinco.

Como vai ser com os prometidos transportes gratuitos para maiores de 65 e menores de 23 anos? Vão ser reservados a paraplégicos?

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domingo, 19 de dezembro de 2021

ABSOLUTA, COM CERTEZA


Falando num encontro promovido ontem pela Juventude Socialista, António Costa foi claro: não chega ganhar as eleições, é preciso saber em que condições elas são ganhas. Essa é a escolha fundamental.

Discurso directo — «Por isso, a forma de termos maioria é sermos nós a maioria. Para isso, temos mesmo de mobilizar os portugueses. Não podemos andar em eleições de dois em dois anos e não podemos andar a governar porque nos fazem o favor de nos viabilizarem o Orçamento durante dois anos

Continua a não ser pronunciada a formulação-tabu (maioria absoluta), mas ela tem de ser posta em cima da mesa. Se tiver de depender de terceiros, sejam eles quais forem, o PS deve abster-se de formar Governo.

Quem vota, tem de votar naquilo em que acredita. Dito de outro modo: quem vota no PCP (na CDU, vá) e no BE por convicção ideológica, deve continuar a fazê-lo. Isso não está em causa. Mas os empatas anti-PS devem perceber que o regresso da Direita ao poder está nas mãos deles. Não se pode votar para empatar nem estar permanentemente a contar com o ovo no cu da galinha.

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ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA


UM POEMA POR SEMANA — Para este domingo escolhi Muito Urgente de António Manuel Couto Viana (1923-2010), o poeta que a democracia obliterou.

Nascido em Viana do Castelo, veio viver para Lisboa em 1946, tendo-se estreado em livro com O Avestruz Lírico (1948), primeiro de mais de cem títulos de uma vasta bibliografia. A sua proximidade com instituições do Estado Novo fez com que, após 1974, tivesse sido praticamente silenciado. Exceptuando Joaquim Manuel Magalhães, que sobre ele escreveu um denso ensaio incluído em Rima Pobre (1999), a recepção crítica dos livros que publicou em democracia foi residual. Sobretudo a partir de Café de Subúrbio (1991), assumiu sem reservas a identidade homossexual.

Por ter herdado da avó o Teatro Sá de Miranda, de Viana do Castelo, esteve desde sempre ligado ao teatro — mas também à ópera: Teatro Nacional de São Carlos, Círculo Portuense de Ópera, etc. —, como director, encenador, tradutor, actor e figurinista. Contudo, é como poeta que a posteridade o fixa.

Membro da Academia das Ciências de Lisboa, conselheiro de leitura da Fundação Calouste Gulbenkian, director de revistas literárias como Graal, Távola Redonda e outras, viveu dois anos (1986-88) em Macau. Várias vezes premiado e condecorado, foi feito Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique em 1995.

Além de poesia, escreveu teatro, contos, ensaios, memórias, literatura para a infância e gastronomia. Entre outros, traduziu Sófocles, Molière e Neruda. Por seu turno, livros seus estão traduzidos em Espanha, França, Alemanha, Rússia, Inglaterra e China.

Editada pela Imprensa Nacional, a poesia que publicou até 2001 encontra-se coligida nos dois volumes de 60 Anos de Poesia (2004). Deixou inédito um livro de memórias, provável continuação dos três que publicou em vida. Morreu na Casa do Artista, em Lisboa.

O poema desta semana pertence a Relatório Secreto (1963). A imagem foi obtida a partir do 2.º volume da Terceira Série de Líricas Portuguesas, a mítica antologia organizada por Jorge de Sena.

[Antes deste, foram publicados poemas de Rui Knopfli, Luiza Neto Jorge, Mário Cesariny, Natália Correia, Jorge de Sena, Glória de Sant’Anna, Mário de Sá-Carneiro, Sophia de Mello Breyner Andresen, Herberto Helder, Florbela Espanca, António Gedeão, Fiama Hasse Pais Brandão, Reinaldo Ferreira, Judith Teixeira, Armando Silva Carvalho, Irene Lisboa, António Botto, Ana Hatherly, Alberto de Lacerda, Merícia de Lemos, Vasco Graça Moura, Fernanda de Castro, José Gomes Ferreira, Natércia Freire, Gomes Leal, Salette Tavares, Camilo Pessanha, Edith Arvelos, Cesário Verde, António José Forte, Francisco Bugalho, Leonor de Almeida, Carlos de Oliveira, Fernando Assis Pacheco, José Blanc de Portugal, Luís Miguel Nava, António Maria Lisboa, Eugénio de Andrade e José Carlos Ary dos Santos.]

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sábado, 18 de dezembro de 2021

EVE BABITZ 1943-2021


Vítima de doença de Huntington, morreu ontem Eve Babitz, artista visual e cronista-mor de Hollywood. Quem alguma vez leu a New York Review of Books, Rolling Stone, The Village Voice ou a Vogue norte-americana, para citar apenas quatro das muitas publicações onde colaborava, lembra-se da prosa vibrante e sarcástica desta mulher que tratava por tu todos os grandes do showbiz, de Elizabeth Taylor a Madona e Jim Morrison, mas também escritores como Joseph Heller, Joan Didion e Bret Easton Ellis, ou a fotógrafa Annie Leibovitz.

Alguns dos livros que publicou, sobretudo os de ensaio e as memórias, dão testemunho de uma voz singular. Obras como Eve’s Hollywood (1974), Slow Days, Fast Company (1977), Sex and Rage (1979), Black Swans (1993), Two by Two (1999) ou I Used to Be Charming (2019) estão traduzidas em várias línguas. Para descreverem com propriedade a cena cultural de Los Angeles dos anos 1960 e 1970, os historiadores do futuro não as poderão ignorar. 

Foi também autora das capas de álbuns dos Buffalo Springfield e outras bandas.

Afilhada de Igor Stravinsky, de quem os pais eram íntimos, Eve tornou-se famosa aos vinte anos, quando Julian Wasser a fotografou nua a jogar xadrez com Marcel Duchamp. Infelizmente, aos 54, ficou com grande parte do corpo queimado: o cigarro que fumava (enquanto conduzia) pegou fogo à saia de nylon.

Em 2019, Lili Anolik publicou uma biografia de Eve, Hollywood’s Eve: Eve Babitz and the Secret History of L.A., demonstrando que Eve não era apenas a rainha do Troubadour.

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sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

EM QUE PAÍS VIVEMOS?

Factos agora conhecidos:

 — Sete militares da GNR de Odemira foram acusados pelo Ministério Público de torturar imigrantes. Os actos de tortura envolveram gás pimenta e foram filmados pelos torturadores.

— Tudo se passou em 2019, sendo comandante-geral da GNR o tenente-general Botelho Miguel, nomeado diretor nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras após o bárbaro assassinato do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk nas instalações daquele serviço no Aeroporto de Lisboa.

Tudo isto envergonha o país. Alguém quer saber?

PRÉMIO PESSOA 2021


Jurista especializado em Direito europeu, administrador da Fundação Oceano Azul, alto funcionário das Nações Unidas entre 1995 e 2002 (entre outros cargos, foi representante de Portugal à Assembleia Geral da Convenção do Direito do Mar e coordenador da Comissão Estratégica dos Oceanos), antigo consultor da Presidência da República para os assuntos do mar, etc., Tiago Pitta e Cunha, 54 anos, é o laureado deste ano com o Prémio Pessoa.

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COSTA VS RIO


A vida como ela é. Sondagem Aximage divulgada hoje pelo Diário de Notícias, TSF e Jornal de Notícias.

Clique na infografia do JN.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

ROGÉRIO SAMORA 1958-2021


Cinco meses após a paragem cardiorrespiratória que sofreu em Julho, e o manteve em coma, morreu hoje o actor Rogério Samora, um dos mais destacados da sua geração. Tinha 63 anos.

Nos últimos quarenta anos, Rogério Samora fez teatro, cinema e televisão. Entre outros, trabalhou com Filipe La Féria, Carlos Avillez, Fernanda Lapa, Luís Miguel Cintra, Solveig Nordlund, Manoel de Oliveira, Fonseca e Costa, António-Pedro Vasconcelos, Fernando Lopes, João Mário Grilo, Luís Filipe Rocha, Manuel Mozos, Joaquim Leitão, Miguel Gomes e João Botelho.

No ano passado posou nu para a fotógrafa Margarida Dias, autora de um calendário cuja venda se destina a apoiar o Banco Alimentar Contra a Fome.

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segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

LEONOR XAVIER 1943-2021


Hoje é um dia muito triste: soube-se que Leonor Xavier morreu ontem no IPO de Lisboa. Passaram oito anos sobre o dia em que juntou três dezenas de amigos na sua casa de Verão, em Vila Nova do Coito, para nos dizer a todos, com serenidade, que tinha um cancro e seria submetida dali a dias a uma intervenção cirúrgica.

Jornalista, escritora, mulher ecuménica entre as mulheres ecuménicas e nossa grande amiga, a Leonor foi admirável a vários títulos. Culta, dotada de um senso de humor imbatível, grande hostess, progressista no melhor sentido da palavra, pouca gente na vida cultural portuguesa tinha uma cabeça tão arejada como a sua. 

Oriunda dos círculos mais exclusivos do Estado Novo, licenciada em filologia românica pela Faculdade de Letras de Lisboa, casou com o fiscalista Alberto Xavier, professor da Faculdade de Direito de Lisboa e secretário de Estado do Planeamento no último Governo de Marcelo Caetano. Depois do 25 de Abril, o casal partiu com os filhos para o Brasil onde, depois de uma passagem por São Paulo, se mudaram para o Rio de Janeiro: Alberto Xavier foi dar aulas na Pontífica Universidade Católica e Leonor tornou-se correspondente do Diário de Notícias e colaboradora da revista Manchete

A convite de Soares, Leonor regressou a Portugal em 1987, ano em que conheceu Raul Solnado, com quem manteve durante quinze anos uma união de facto. Em Lisboa, continuando a colaborar no DN, foi redactora da revista Máxima e ocasional colaboradora de muitas outras publicações. Em 1996 foi uma das fundadoras do núcleo português do movimento cristão Nós Somos Igreja, tendo, ainda há dois meses, assinalado os 25 anos da sua actividade no nosso país.

Da obra de Leonor Xavier constam as biografias de Maria Barroso (1995) e Solnado (2003), seis colectâneas de ensaios, crónicas e entrevistas, três romances, dois diários informais — um deles, Passageiro Clandestino, de 2014, sobre o cancro — e o excepcional Casas Contadas (2009), autobiografia dos anos brasileiros. Em data, Há Laranjeiras em Atenas (2019) é o livro mais recente.

O velório decorrerá a partir das cinco da tarde de hoje na Capela do Rato, sendo a missa de amanhã (10:00) celebrada pelo cardeal José Tolentino Mendonça, vindo do Vaticano para o efeito.

Até sempre, Leonor.

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domingo, 12 de dezembro de 2021

ARY DOS SANTOS


UM POEMA POR SEMANA — Para este domingo escolhi Soneto Presente de José Carlos Ary dos Santos (1936-1984), o homossexual politicamente incorrecto que embaraçava o PCP.

Nascido em Lisboa no seio de uma família da alta burguesia com origens aristocráticas, abandonou a casa de família na adolescência. Ainda não tinha dezasseis anos quando se estreou em livro (Asas, 1952), embora a obra canónica comece apenas onze anos mais tarde, ao publicar A Liturgia do Sangue (1963).

Como muitos outros poetas, fez da publicidade a sua profissão. O facto de ter sido um letrista profícuo — escreveu cerca de mil canções — e famoso, e de ter vencido quatro edições do Festival da Canção da RTP, colocou-o à margem da Academia. Contudo, de Amália a Simone, poemas seus são cantados por quase toda a gente que conta na música portuguesa. Morreu de cirrose semanas depois de completar 46 anos.

O poema desta semana pertence a Resumo (1972), edição do autor a partir da qual foi obtida a imagem do poema.

[Antes deste, foram publicados poemas de Rui Knopfli, Luiza Neto Jorge, Mário Cesariny, Natália Correia, Jorge de Sena, Glória de Sant’Anna, Mário de Sá-Carneiro, Sophia de Mello Breyner Andresen, Herberto Helder, Florbela Espanca, António Gedeão, Fiama Hasse Pais Brandão, Reinaldo Ferreira, Judith Teixeira, Armando Silva Carvalho, Irene Lisboa, António Botto, Ana Hatherly, Alberto de Lacerda, Merícia de Lemos, Vasco Graça Moura, Fernanda de Castro, José Gomes Ferreira, Natércia Freire, Gomes Leal, Salette Tavares, Camilo Pessanha, Edith Arvelos, Cesário Verde, António José Forte, Francisco Bugalho, Leonor de Almeida, Carlos de Oliveira, Fernando Assis Pacheco, José Blanc de Portugal, Luís Miguel Nava, António Maria Lisboa e Eugénio de Andrade.]

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quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

BIBLIOTECA FLORBELA ESPANCA



Instantâneos da minha conversa com Patrícia Fernandes, na Biblioteca Florbela Espanca, de Matosinhos, esta tarde, no âmbito da 16.ª edição da Festa da Poesia.

Muito bem preparada, Patrícia Fernandes conduziu com sagesse uma conversa que durou cerca de uma hora. A sessão terminou com a leitura, por Isaque Ferreira e João Rios, de catorze poemas meus, muito bem escolhidos e melhor ditos.

Em suma: sala cheia, profissionalismo, empatia. Luís Coimbra, responsável pela logística, está de parabéns.

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MATOSINHOS 2021


É hoje. Clique na imagem.

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

FESTA DA POESIA DE MATOSINHOS


Amanhã, quarta-feira, dia 8, participarei com muito gosto na 16.ª edição da Festa da Poesia de Matosinhos, que decorre na Biblioteca Florbela Espanca, e este ano é dedicada a Ana Luisa Amaral, grande poeta e minha amiga.

A quem me pergunta o que vou exactamente fazer, deixo o recorte do programa.

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domingo, 5 de dezembro de 2021

FEITO

 


Hoje mesmo: Parlamento dissolvido, eleições convocadas. Clique na imagem.

EUGÉNIO DE ANDRADE


UM POEMA POR SEMANA — Para este domingo escolhi Green God de Eugénio de Andrade (1923-2005), poeta que levou ao limite a elipse do confessionalismo.

Natural da Póvoa de Atalaia, no Fundão, passou a infância e a adolescência entre Castelo Branco, Coimbra e Lisboa, radicando-se no Porto em Dezembro de 1950, cidade onde viveu até morrer e faria dele cidadão honorário.

Estreou-se em livro ainda com o nome civil, José Fontinhas. A edição de Narciso (1939), o livro inaugural, foi paga por António Botto. Ao publicar Adolescente (1942) adopta o pseudónimo que o celebraria. Mais tarde renegaria toda a obra anterior a 1948.

Homossexual notório, a obra e a intervenção cívica elidem essa identidade.

Por iniciativa da Câmara do Porto foi criada em 1991 a Fundação Eugénio de Andrade (extinta em 2011), em cujas instalações o poeta passou a residir.

Poeta popular —  no sentido em que o foram Florbela Espanca, António Gedeão e Ary dos Santos —, nem por isso deixou de receber o reconhecimento formal da Academia.

Largamente traduzido e antologiado, traduziu ele próprio as Lettres Portugaises de Mariana Alcoforado (a freira de Beja), bem como, entre outros, Lorca, Ritsos e Borges. Também publicou prosa — Os Afluentes do Silêncio, de 1969, é um dos títulos centrais da obra —, incluindo literatura para a infância. Em 1999 deu à estampa uma Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa, que nas suas sucessivas edições vai de Roi Fernandez de Santiago, poeta do século XIII, a Ruy Belo (1933-1978). 

No século XX, nenhum poeta gozou como ele de tantas celebrações institucionais. Depois de receber todos os prémios que havia para receber, foi laureado com o Prémio Camões em 2001. Foi ainda condecorado: Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada em 1982, Grã-Cruz da Ordem do Mérito em 1989.

O poema desta semana pertence à obra que o consagrou, As Mãos e os Frutos (1948). A imagem foi obtida a partir de Poesia, volume da obra poética completa publicado em 2000 pela Fundação Eugénio de Andrade.

[Antes deste, foram publicados poemas de Rui Knopfli, Luiza Neto Jorge, Mário Cesariny, Natália Correia, Jorge de Sena, Glória de Sant’Anna, Mário de Sá-Carneiro, Sophia de Mello Breyner Andresen, Herberto Helder, Florbela Espanca, António Gedeão, Fiama Hasse Pais Brandão, Reinaldo Ferreira, Judith Teixeira, Armando Silva Carvalho, Irene Lisboa, António Botto, Ana Hatherly, Alberto de Lacerda, Merícia de Lemos, Vasco Graça Moura, Fernanda de Castro, José Gomes Ferreira, Natércia Freire, Gomes Leal, Salette Tavares, Camilo Pessanha, Edith Arvelos, Cesário Verde, António José Forte, Francisco Bugalho, Leonor de Almeida, Carlos de Oliveira, Fernando Assis Pacheco, José Blanc de Portugal, Luís Miguel Nava e António Maria Lisboa.]

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quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

MATOSINHOS


É já para a semana. A minha intervenção, na rubrica Vozes, terá lugar às 15:45 do próximo dia 8. Clique na imagem.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

ESCOLHAS


Hoje na Sábado.

Temos o Natal à porta, época tradicionalmente associada à partilha de livros. A rentrée trouxe novidades para todos os gostos. Há muito por onde escolher — a prosa completa de Sophia, o 26.º e último romance de Le Carré, ficções de Don DeLillo, João Paulo Borges Coelho, Viet Thanh Nguyen, Claudio Magris e António Ferro, o thriller com que David Lagercrantz inicia uma nova saga, a biografia que Paul Auster dedicou a Stephen Crane, a poesia reunida de Adília Lopes, o clássico de Vassili Grossman sobre a ocupação de Stalinegrado e, por último mas não em último, a novela gráfica que Martin Ernstsen fez a partir da obra-prima de Knut Hamsun.

Juntar num único volume toda a prosa de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) ajuda-nos a avaliar a dimensão de uma autora que a posteridade fixou como um dos poetas centrais do século XX português. É o que sucede com Prosa, volume organizado por Carlos Mendes de Sousa, que assina uma desenvolvida introdução. Aqui estão os contos — desde logo os magníficos Contos Exemplares, mas também os que escreveu para a infância —, além do ensaio sobre o nu na antiguidade clássica. Em suma, uma edição que fazia falta, posfaciada pela filha, Maria Andresen de Sousa Tavares. Publicou a Assírio & Alvim.

Silverview, o livro póstumo de John le Carré (1931-2020), não desilude os fiéis. Posfaciado pelo filho Nick Cornwell, que garante não ter alterado uma vírgula do manuscrito encontrado, prolonga o virtuosismo de uma obra ímpar. No lugar de George Smiley temos agora Proctor, mas o jogo de espelhos mantém-se. O essencial da intriga é narrado em flashback, quando Deborah e Edward, os anfitriões da mansão conhecida por Silverview, estavam no activo. Magnífico, como sempre. Publicou a Dom Quixote.

A violência e os bastidores do futebol universitário norte-americano são o tema de Linha Final, um dos mais antigos romances de Don DeLillo (n. 1936). Narrado por Gary Harkness, capitão de equipa, a narrativa segue à risca o jargão do balneário, ao mesmo tempo que transforma cada jogo numa batalha campal. Quem gosta de bola e conhece a sua lógica interna acompanhará com gosto as descrições “fotográficas”. Escrito no auge da Guerra Fria, não é inocente que o futebol sirva de metáfora ao frágil equilíbrio nuclear entre a Nato e o Pacto de Varsóvia (vide capítulo 29). Admirável. Publicou a Relógio d’Água.

Nasceu no Porto aquele que é um dos mais significativos autores moçambicanos. Refiro-me a João Paulo Borges Coelho (n. 1955), radicado naquele país desde criança, onde acabou por adoptar a respectiva nacionalidade. Ali se formou e construiu uma obra ficcional sólida, paralela à de historiador. Quem ler Museu da Revolução não se surpreenderá com a heterodoxia com que põe em pauta a sociedade moçambicana: «O Moçambique que encontrou não era muito diferente do Moçambique que deixara…» Meridiana clareza: violência, rigidez ideológica dos anos pós-independência, guerra civil, domínio de partido único, precariedade da economia, etc. Tudo em português de lei. Outra coisa não seria de esperar de quem escreveu As Visitas do Doutor Valdez. Publicou a Caminho.

Os fãs de policiais nórdicos conhecem David Lagercrantz (n. 1962) sobretudo por, após a morte de Stieg Larsson, ter sido o autor do prolongamento de Millennium. Mas Lagercrantz, com obra publicada desde 1997, acaba de publicar Obscuritas, primeiro livro da série Rekke & Vargas. O tiro de partida do plot é dado pelo assassinato, em 2003, de um árbitro de futebol afegão refugiado em Estocolmo. Curiosamente, o personagem Hans Rekke parece uma versão escandivana e pós-moderna de Sherlock Holmes. Publicou a Porto Editora.

Stephen Crane, gigante da literatura norte-americana do século XIX, tinha apenas 28 anos quando morreu e, talvez por isso, não goze do reconhecimento de alguns dos seus pares. Razão acrescida para ler Um Homem em Chamas, a monumental biografia que Paul Auster (n. 1947) lhe dedica. Quase novecentas páginas para “homologar” uma reputação, com destaque para a exegese da obra. Dito de outro modo, mais hermenêutica, menos acidentes biográficos. Seja como for, resgata Crane do relativo silenciamento a que foi votado. Além de notas e iconografia, o volume inclui índice onomástico. Publicou a Asa.

Os portugueses conhecem o vietnamita Viet Thanh Nguyen (n. 1971) desde o primeiro livro, laureado com o Pulitzer de Ficção 2016. Mudando a acção para Paris, mas mantendo o narrador original, O Comprometido prolonga esse livro de estreia, pondo o acento tónico em questões de identidade e género. Não esquecer que a França antecedeu os Estados Unidos na ocupação da Indochina. Radicado nos Estados Unidos desde a queda de Saigão, o autor não esquece as humilhações sofridas pelo seu povo. De certo modo, um ajuste de contas pós-colonial. E Nguyen faz isso muito bem. Publicou a Elsinore.

A partir de pretextos fortuitos, cada um à sua maneira, os cinco protagonistas de Tempo Curvo em Krems, de Claudio Magris (n. 1939), fazem o balanço do passado: o escritor, o industrial, o professor de música, o homem de passagem, o sobrevivente do império dos Habsburgo, o patriota triestino. Nada distingue ficção e realidade. Magris vintage, nestes cinco contos isentos de ênfase que se lêem de um fôlego. Publicou a Quetzal.

Por ter delineado uma política cultural tolerada por Salazar, o modernista António Ferro (1895-1956) passou à História como ideólogo do Estado Novo. O que nem todos sabem é que o editor da revista Orfeu foi um ficcionista prolífico, como demonstrado pelas quase setecentas páginas de Ficção, volume que colige os seus contos e novelas. Organizado por Hugo Xavier, com portfolio iconográfico e introdução de Luis Leal, ilustra a especial atenção que Ferro dava às personagens femininas. Uma edição primorosa. Publicou a E-Primatur.

Um grosso volume de capa dura e mais de mil páginas, Dobra, reúne a poesia completa de Adília Lopes (n. 1960), ou seja, todos os livros publicados a partir de 1985 e ainda inéditos. Lida com reticências durante alguns anos, Adília — que começou por ser um epifenómeno mediático — foi gradualmente impondo um tom, sendo hoje reconhecida a sua singularidade na poesia portuguesa contemporânea. Títulos como O Poeta de Pondichéry (1986), Maria Cristina Martins (1992), Florbela Espanca espanca (1999) e A mulher-a-dias (2002), para citar os quatro que prefiro, tornaram-se parte do cânone. Publicou a Assírio & Alvim.

Com Stalinegrado, Vassili Grossman (1905-1964) fixou a mais sangrenta batalha da Segunda Guerra Mundial. Entretanto, se leu Vida e Destino, vai perceber que se trata de um díptico. Stalinegrado é a prequela do livro que imortalizou Grossman, o engenheiro que se encontrava na cidade como correspondente de guerra, e desse modo pôde legar ao futuro o testemunho da barbárie, a resistência de um povo determinado em pôr fim ao cerco nazi. Como sublinha Nina Guerra, esta «combinação da reportagem, da ficção e da análise política, social e psicológica […] cria um quadro verídico, credível.» Acompanhando o quotidiano da família Chapochnikova (a matriarca, Aleksandra, recusa deixar a cidade) temos a noção do horror. Mais tarde, Grossman, cansado de ser Kulak, tornou-se dissidente do regime soviético, mas em 1952 ainda acreditava na Mãe Rússia. Publicou a Dom Quixote.

O norueguês Knut Hamsun, Nobel da Literatura em 1920, tornou-se famoso por causa de Fome. Agora, como tem acontecido a tantas obras de ressonância planetária, esse romance de carácter autobiográfico foi vertido em novela gráfica. Quem o fez foi Martin Ernstsen (n. 1982), premiado por este trabalho. Os “puristas” dirão que a banda desenhada não transmite com nitidez o fluxo de consciência, mas trata-se de um álbum apelativo, traduzido directamente do norueguês por Liliete Martins. Publicou a Cavalo de Ferro.

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domingo, 28 de novembro de 2021

ANTÓNIO MARIA LISBOA


UM POEMA POR SEMANA — Para este domingo escolhi Poema de António Maria Lisboa (1928-1953), autor do principal manifesto do surrealismo português, Erro Próprio, publicado em 1949.

Natural de Lisboa, morreu aos 25 anos vítima de tuberculose. Homossexual em busca do andrógino ideal, pretendia o fim da distinção homem/mulher.

Segundo Cesariny, a destruição feita por familiares de parte da obra (manuscritos inéditos) constitui uma perda irreparável para a história da poesia surrealista portuguesa. Antes de morrer, passou largas temporadas em Paris, cidade onde se iniciou nas ciências do Ocultismo.

O poema desta semana pertence a Ossóptico (1952). A imagem foi obtida a partir de Poesia (1995), volume da obra poética completa organizado por Mário Cesariny para a Assírio & Alvim.

[Antes deste, foram publicados poemas de Rui Knopfli, Luiza Neto Jorge, Mário Cesariny, Natália Correia, Jorge de Sena, Glória de Sant’Anna, Mário de Sá-Carneiro, Sophia de Mello Breyner Andresen, Herberto Helder, Florbela Espanca, António Gedeão, Fiama Hasse Pais Brandão, Reinaldo Ferreira, Judith Teixeira, Armando Silva Carvalho, Irene Lisboa, António Botto, Ana Hatherly, Alberto de Lacerda, Merícia de Lemos, Vasco Graça Moura, Fernanda de Castro, José Gomes Ferreira, Natércia Freire, Gomes Leal, Salette Tavares, Camilo Pessanha, Edith Arvelos, Cesário Verde, António José Forte, Francisco Bugalho, Leonor de Almeida, Carlos de Oliveira, Fernando Assis Pacheco, José Blanc de Portugal e Luís Miguel Nava.]

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sábado, 27 de novembro de 2021

RIO VENCE DE NOVO

Rui Rio venceu as directas do PSD apesar do baronato, dos capos, do circuito da carne assada, do Expresso, do Observador e dos comentadores do costume. A derrota de Paulo Rangel, como antes a de Luís Montenegro, representa uma clara rejeição do passismo por parte dos militantes do partido.

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

OMICRON

Por causa da nova variante sul-africana da Covid — B.1.1.529, vulgo Omicron —, a UE prepara-se para interditar voos de e para vários países da África Austral, tais como a África do Sul, a Namíbia, o Botswana, o reino de Essuatíni (a antiga Suazilândia), Moçambique, o Zimbabwe, a Zâmbia e o Lesoto.

domingo, 21 de novembro de 2021

LUÍS MIGUEL NAVA


Com um poema em prosa, retomo hoje a publicação de um poema por domingo, interrompida em 26 de Setembro.

Para hoje escolhi Matadouro de Luís Miguel Nava (1957-1995), poeta barbaramente assassinado aos 37 anos.

Natural de Viseu, Nava foi poeta e ensaísta. Atravessou a cena literária como uma estrela cadente e deixou uma obra breve mas impressiva. Começou a escrever em criança, mais precisamente aos oito anos (facto que coincidiu com o divórcio dos pais), e ainda não tinha dezasseis quando publicou o primeiro livro, O Perdão da Puberdade (1974), assinado Luís Miguel Perry Nava, título omisso da bibliografia canónica, que começa em 1979, com Películas.

Em 1975, durante alguns meses, foi casado com a poeta Rosa Oliveira. Homossexual assumido, docente na Faculdade de Letras de Lisboa, partiu em 1983 para Oxford como leitor de português. Mais tarde foi tradutor da União Europeia, em Bruxelas. Nómada no Magreb, acalentou nos últimos anos de vida o desejo de um leitorado no Cairo, mas a morte surpreendeu-o em casa, onde foi degolado no dia 9 de Maio de 1995.

O poema desta semana pertence a O Céu Sob as Entranhas (1989). A imagem foi obtida a partir de Poesia (2020), volume organizado por Ricardo Vasconcelos que reúne a obra poética completa.

Depois da sua morte, instituiu-se por testamento a Fundação Luís Miguel Nava, que editou durante anos a revista Relâmpago, atribuindo um prémio anual de poesia.

[Antes deste, foram publicados poemas de Rui Knopfli, Luiza Neto Jorge, Mário Cesariny, Natália Correia, Jorge de Sena, Glória de Sant’Anna, Mário de Sá-Carneiro, Sophia de Mello Breyner Andresen, Herberto Helder, Florbela Espanca, António Gedeão, Fiama Hasse Pais Brandão, Reinaldo Ferreira, Judith Teixeira, Armando Silva Carvalho, Irene Lisboa, António Botto, Ana Hatherly, Alberto de Lacerda, Merícia de Lemos, Vasco Graça Moura, Fernanda de Castro, José Gomes Ferreira, Natércia Freire, Gomes Leal, Salette Tavares, Camilo Pessanha, Edith Arvelos, Cesário Verde, António José Forte, Francisco Bugalho, Leonor de Almeida, Carlos de Oliveira, Fernando Assis Pacheco e José Blanc de Portugal.]

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sexta-feira, 19 de novembro de 2021

ANTÓNIO OSÓRIO 1933-2021


Nunca nos habituaremos à morte de um amigo próximo. António Osório, poeta maior do século XX português, morreu ontem aos 88 anos.

Estreado em livro à beira dos 40 anos, seria só com A Ignorância da Morte (1978) que a crítica dominante fixaria o seu lugar na poesia portuguesa contemporânea.

Várias vezes premiado, com obra traduzida e publicada em Espanha, França e Itália, mas também no Brasil, elogiada por críticos tão diferentes como João Gaspar Simões, David Mourão-Ferreira, Eugénio Lisboa, Joaquim Manuel Magalhães, Vasco Graça Moura, Eduardo Lourenço, Fernando J.B. Martinho, João Bigotte Chorão, Eduardo Prado Coelho, Carlos Reis, Fernando Pinto do Amaral, Diogo Pires Aurélio, Pedro Mexia, António Carlos Cortez, eu próprio, etc. (cito apenas portugueses), Osório é uma das vozes mais marcantes do denominado regresso ao real.

Advogado de profissão, Bastonário da respectiva Ordem entre 1984 e 1986, membro da Academia das Ciências de Lisboa, presidente da Associação Portuguesa para o Direito do Ambiente (1994-96), administrador da Comissão Portuguesa da Fundação Europeia da Cultura, representante de Portugal na Convenção da Haia (1980), presidente da delegação portuguesa no Tribunal Europeu de Arbitragem (com sede em Estrasburgo), fundador da revista de Direito do Ambiente e do Ordenamento do Território, membro do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro, director da Biblioteca da Ordem dos Advogados (1995-2002), director da revista de Direito do Ambiente e do Ordenamento do Território, director da revista Foro das Letras, exerceu diversos outros cargos de interesse público.

A Luz Fraterna (2009, Assírio & Alvim) colige a sua obra poética completa.

Até sempre, António.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

NATÁLIA NUNES, CEM ANOS


Passam hoje cem anos sobre o nascimento de Natália Nunes (1921-2018), romancista, contista, dramaturga, ensaísta, memorialista e tradutora. Entre outros, Óscar Lopes cedo destacou a importância da sua Obra, publicada entre 1952 e 2006.

Estreada em 1952 com Horas Vivas: Memórias da Minha Infância, foi sempre, à margem de holofotes mediáticos e respaldo partidário ou corporativo, uma feminista avant la lettre.

Autora de extensa bibliografia em vários géneros, Natália Nunes distinguiu-se sobretudo na área da ficção. Obras como Autobiografia de uma Mulher Romântica (1955), O Caso de Zulmira L. (1967), A Nuvem (1970), Da Natureza das Coisas (1985) e As Velhas Senhoras e Outros Contos (1992) fazem dela um nome de referência na literatura portuguesa do século XX.

Publicada em 1970, a peça de teatro Cabeça de Abóbora é uma farsa demolidora do totalitarismo de Estado.

Na área do ensaio, destaque para As Batalhas Que Nós Perdemos (1973), obra que colige estudos sobre Augusto Abelaira, José Cardoso Pires e Raul Brandão.

Traduziu Dostoievski, Tolstoi, Simonov, Elsa Triolet e Violette Leduc, tendo, durante quarenta anos, colaborado com regularidade nos títulos mais relevantes da imprensa portuguesa.

Foi casada com o cientista, pedagogo e professor Rómulo de Carvalho, mais conhecido pelo pseudónimo de António Gedeão. Exerceu o cargo de conservadora da Torre do Tombo (1957-68) e fez parte da última direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores, extinta pelo Estado Novo em Maio de 1965.

Sua filha, a escritora Cristina Carvalho, participa hoje, juntamente com a professora Teresa Sousa de Almeida, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, num colóquio de homenagem moderado pela professora Margarida Braga Neves, do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que terá lugar via zoom, a partir das 18 horas.

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terça-feira, 16 de novembro de 2021

NONSENSE

Com um ano de antecedência, começaram esta manhã as comemorações do centenário do nascimento de José Saramago, nascido a 16 de Novembro de 1922. Hoje faria apenas 99 anos.

Percebo que a efeméride seja assinalada com pompa e circunstância: colóquios internacionais, conferências, reedições especiais, encontros com leitores, debates, etc. Trata-se, afinal, do único Nobel da literatura portuguesa. Mas, a ter de durar um ano, ou mesmo mais, não teria sido lógico começar em Novembro de 2022?

Tudo isto se passa no país que celebrou de forma quase clandestina os centenários de Fernando Namora (2019), Jorge de Sena (2019), Carlos de Oliveira (2021), Maria Judite de Carvalho (2021) e outros, preparando-se para fazer o mesmo, daqui a dias, com Natália Nunes (2021). Escapou Sophia (2019), mas Sophia foi apropriada pelo Regime.

AGITPROP


Começou a campanha pela abstenção. A imagem do Correio da Manhã mete no mesmo saco um estudo norte-americano e a realidade portuguesa.

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segunda-feira, 15 de novembro de 2021

GLÓRIA


Comecei ontem a ver a série Glória de Pedro Lopes, disponível na Netflix desde o passado dia 5.

Com realização de Tiago Guedes, junta cerca de oitenta actores nacionais e estrangeiros, sendo Miguel Nunes, Carolina Amaral, Afonso Pimentel, Victoria Guerra, Marcello Urgeghe, Maria João Pinho, Carloto Cotta, Leonor Silveira, Albano Jerónimo, Joana Ribeiro, João Pedro Mamede, Adriano Luz, Teresa Madruga, Gonçalo Waddington, Inês Castel-Branco, Ivo Canelas, Sandra Faleiro, Pêpê Rapazote, Rita Durão e Rodrigo Tomás alguns deles. A fotografia é de André Szankowski.

O título remete para Glória do Ribatejo, a vila ribatejana do concelho de Salvaterra de Magos (Santarém) onde funcionou a RARET, o centro retransmissor instalado pelos Estados Unidos no nosso país para difundir a Radio Free Europe, o emissor anti-comunista dirigido à URSS e outros países da Cortina de Ferro, apenas desactivado em 1996. Juntamente com a Base das Lajes, nos Açores, a RARET era o osso que garantia o apoio de Washington à ditadura portuguesa.

Ainda só vi três episódios. Para já, numa escala de zero a vinte, daria onze. A trama começa em 1968, em plena Guerra Fria. João Vidal [Miguel Nunes] é um jovem da alta sociedade de Lisboa que foi recrutado pelo KGB após cumprir serviço militar em Angola. Filho de um membro do Governo de Salazar, é ele o epicentro da intriga.

A ver vamos os próximos episódios.

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quinta-feira, 4 de novembro de 2021

JONATHAN FRANZEN


Hoje na Sábado.

Tem saudades de, ou quer saber como se vivia nos anos 70 do século passado? Então leia Encruzilhadas, o romance mais recente de Jonathan Franzen (n. 1959), primeiro título de uma anunciada trilogia sobre a América comtemporânea, A Key to All Mythologies. Desde as obras-primas de Updike, Roth e DeLillo que a literatura norte-americana não atingia tal fôlego, mas isso ficou estabelecido há vinte anos, quando Franzen publicou Correcções.

O título original, Crossroads, remete para um gangue de adolescentes da Comunidade de Deus. Tudo se passa num subúrbio de classe-média de Chicago, onde vivem os Hildebrandt. Russ, o patriarca da família, pastor na igreja local, via-se a si próprio, aos 47 anos, como um «tolo, obsoleto e repelente palhaço». Estamos nos últimos anos da Guerra do Vietname e, para os Hildebrandt , o Natal de 1971 desata o nó górdio das tensões (o romance ocupa-se de duas gerações da família). O plot inclui desastres, sexo, estupro, aborto, drogas, renascimento do cristianismo moderno, crises de fé, internamento psiquiátrico, costumes Navajo, contracultura hippie, guerra vs pacifismo, voluntariado, frustração, memórias recalcadas, ressentimento, psicanálise grupal, conflito étnico, dilemas morais, epifanias, crime, suicídio e blues de Robert Johnson. Leitores familiarizados com a cultura pop dos seventies, sobretudo música e cinema, identificam com facilidade os envios.

A mais-valia de toda a arquitectura romanesca encontra-se na forma como Franzen radiografa cada um dos cinco membros da família. Por exemplo, Perry (o filho mais novo), um toxicodependente de 15 anos intelectualmente sobredotado, terá sido inspirado na personalidade de David Foster Wallace, que foi íntimo do autor. Em suma, uma versão actual dos Buddenbrook de Thomas Mann não andaria longe deste quadro.

Encruzilhadas é realismo histérico (como James Wood bem observa) em todo o seu esplendor, calibrado com o virtuosismo a que Franzen nos habituou. A partir de incidentes paroquiais e das disfunções de uma família sem glamour, o autor constrói um épico irrepreensível, onde não faltam juízos morais: «Como podia uma nação que se intitulava cristã gastar milhares de milhões de dólares em armas mortíferas?» Nada que surpreenda quem conheça a obra do autor.

Doravante, a cidade fictícia de New Prospect passa a integrar a geografia da literatura contemporânea. E Marion, mulher mal amada, mãe de cinco filhos e co-autora dos sermões do marido, tem a espessura de uma heroína de Balzac.

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sexta-feira, 29 de outubro de 2021

EM QUE FICAMOS?

Se o Presidente da República publicar o decreto de dissolução do Parlamento até ao próximo dia 15 de Novembro, as eleições antecipadas podem realizar-se a 9 de Janeiro de 2022, uma vez cumprido o intervalo de 55 dias prescrito pela Constituição. 

Mas como, aparentemente, o calendário anda a ser gizado entre o PR e Paulo Rangel, o candidato a líder que quer eleições a 27 de Fevereiro, o país vai ter de esperar pelo desfecho das convulsões internas do PSD. E se agora, com a crise instalada, Rui Rio conseguir impor o adiamento das directas marcadas para 4 de Dezembro? Ou se, não as conseguindo adiar, vencer Rangel?

O imbróglio repete-se no CDS, mas o CDS não risca.

Entretanto, deputados de vários partidos querem fazer aprovar, antes da dissolução, catorze diplomas (eutanásia, fundos do PRR, outros). Porque a única mudança garantida, apesar da dissolução, é o aumento do salário mínimo, o qual apenas depende de portaria do Governo.

Tudo isto se resolvia com novo OE para 2022 se apresentado no prazo de 90 dias. Não sabemos se o PR subscreve o solução, já sugerida por Bruxelas. O PCP quer, mas suponho que não seja a vontade do Governo.

PARA MEMÓRIA FUTURA


Quem durante o debate do OE 2022 ouviu Rui Rio e outros próceres da Direita e extrema-direita, julgaria o país à beira de novo resgate.

A imagem é do Expresso. Clique.

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

ELEIÇÕES ANTECIPADAS

Não sou de prognósticos, mas não é difícil antecipar o resultado das eleições antecipadas. 

— Se não se bater por (e obtiver) maioria absoluta, o PS não terá condições para formar Governo. É preciso convencer os eleitores dessa necessidade, dizendo com clareza ao que vai. Se ficar pela ambiguidade da “maioria reforçada” não vai a lado nenhum. Ser o Partido mais votado não chega.

— Se o PSD concorrer coligado com o CDS e a Iniciativa Liberal, é grande a probabilidade de obter maioria absoluta. A ver vamos quem lidera o Partido a partir das directas de Dezembro. Rui Rio parece aberto à grande coligação. Paulo Rangel, por enquanto, quer concorrer sozinho e fazer acordos pós-eleitorais. A ver vamos.

— Se uma hipotética maioria relativa PSD+CDS+IL depender do CHEGA (muito provavelmente a terceira força política) para obter maioria absoluta, Ventura será o suporte do tripé.

— Na próxima Primavera falamos.

VIGDIS HJORTH


Hoje na Sábado.

Com Herança, a norueguesa Vigdis Hjorth (n. 1959) tornou-se uma das autoras mais discutidas da literatura europeia contemporânea. Vigdis começou pela literatura infantil, mas de seguida publicou cerca de trinta romances, sendo a Herança o primeiro a chegar à edição portuguesa.

No ano em que foi publicado (2016) o livro gerou controvérsia pela sua natureza autobiográfica. À laia de recado, a autora cita A Festa, o filme de Thomas Vinterberg. Na Noruega, foram muitos os que reconheceram no plot nada menos que três gerações da família Hjorth. Vigdis foi acusada de usar diverso material privado, como por exemplo correspondência familiar. A irmã, Helga, até publicou a sua versão dos factos, num livro que foi um bestseller. E a mãe de ambas processou a companhia de teatro que encenou uma adaptação da obra.

Relatos de sordidez familiar não são novidade em literatura. Os noruegueses tinham o precedente de Karl Ove Knausgård, mas o quinteto Melrose, do inglês Edward St Aubyn, continua sem equivalente em matéria de transgressão. Isto dito, a Herança não surpreende pelo tema. O que o distingue é a escrita da autora, nem sempre linear, porém estimulante nos seus avanços, recuos e minúcia descritiva. Certas repetições parecem-me escusadas, mas terá que ver com o discurso obsessivo compulsivo. Curiosamente, críticos de língua inglesa têm falado de Vigdis Hjorth como de um híbrido de Jane Austen e Agatha Christie, com laivos de Ibsen.

Incesto (em criança, Bergljot foi várias vezes abusada sexualmente pelo próprio pai) e disputas patrimoniais entre quatro irmãos constituem uma mistura explosiva. Vigdis Hjorth constrói a narrativa explicando as razões que levam a sua narradora a aliar-se ao irmão mais velho, contra as irmãs mais novas, na querela que o opõe à partilha das casas de férias dos pais. No momento em que decide expor as memórias acumuladas da infância traumática, Bergljot é uma escritora e crítica de teatro, mãe de três filhos adultos, divorciada, há muito afastada do núcleo familiar. A herança é o detonador do conflito. Com prejuízo dos filhos mais velhos, Bergljot e Bård, o testamento do patriarca beneficia as filhas mais novas (menos ausentes da casa-mãe). Sem essa disputa, provavelmente Bergljot não traria à tona o recalque de anos de manipulação e abuso.

Por causa deste livro, há cinco anos que os media e a intelligentsia da Noruega discutem os limites da literatura “da realidade”.

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quarta-feira, 27 de outubro de 2021

E AGORA, SENHOR PRESIDENTE?

Consumado o chumbo da proposta de OE 2022, aguarda-se a dissolução do Parlamento. O Presidente da República, que jantou com o primeiro-ministro, começa a ouvir os Partidos sexta-feira, tendo convocado o Conselho de Estado para o próximo 3 de Novembro.

Uma vez que a Constituição estabelece o prazo mínimo de 55 dias entre a publicação do decreto presidencial de dissolução da AR e as eleições antecipadas, dificilmente poderíamos ter novas eleições antes do fim do ano. Mas nada, excepto a vontade do Presidente, impede que se realizem a 9 de Janeiro. Sucede que PSD e CDS têm congressos agendados para precisamente Janeiro e, nessa medida, o mais provável é que as eleições sejam marcadas para 13 de Fevereiro.

Não foi por simples cortesia que Marcelo recebeu Paulo Rangel. No auge de uma crise política, a prioridade do Presidente diz tudo sobre a sua vontade. Rui Rio tem razão para dar pinotes de corça.

Entretanto vão pelo cano as creches gratuitas, o reforço do SNS, o aumento das pensões, o desdobramento dos escalões de IRS, as novas leis laborais, etc. Com sorte, estaremos a discutir novo Orçamento lá para Maio do próximo ano, em condições análogas às desta semana, salvo se o PS (ou o PSD) conseguirem maioria absoluta. Continuem a brincar às coligações nórdicas e depois queixem-se.

OE CHUMBADO


Estava escrito nas estrelas: aliada à Direita e à extrema-direita, a Esquerda à esquerda do PS acaba de chumbar a proposta de Orçamento de Estado para 2022.

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POESIA PORTUGUESA EM FRANÇA


Chega amanhã às livrarias de Paris. Organizado por Max de Carvalho, editado por Chandeigne, La Poésie du Portugal des Origines au XXe Siècle colige poetas portugueses nascidos entre o século XII e 1949. Representado com oito poemas, sou o mais novo.

Capa dura, edição bilingue, vários tradutores, quase mil e novecentas páginas em papel bíblia, notas, índices, verbetes biográficos. Um dos meus poemas não consta do corpus que seleccionei para Desobediência (2011), mas o editor aduziu argumentos que me convenceram.

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segunda-feira, 25 de outubro de 2021

ELEIÇÕES À VISTA

Vamos portanto para eleições, porque António Costa — e muito bem — não aceitará apresentar novo orçamento. O Presidente da República talvez preferisse um delay, mas o primeiro-ministro não está para aí virado.

Portanto é fácil antever o resultado. Eleições em Fevereiro ou Março, provável maioria de Direita (mesmo que o PS seja o partido mais votado) se, como tudo indica, PSD, CDS e IL concorrerem coligados, impossibilidade de refazer a maioria parlamentar de Esquerda, aprovação garantida de um Orçamento de Estado feito à medida do patronato, etc. Mas não é isso mesmo que os esquerdalhaços querem?

PCP OUT

Pela boca de Jerónimo de Sousa ficou há pouco a saber-se que o PCP também votará contra o OE 2022. Ficámos portanto a saber que parte significativa da Esquerda anseia pelo regresso da Direita ao poder. De certo modo compreende-se: sobreviver à boleia de protestos não tem o ónus da responsabilidade. Que lhes faça bom proveito.

domingo, 24 de outubro de 2021

AS CHAFARICAS

Curioso, para não lhe chamar pateta, o raciocínio de transformar o chumbo do OE na vitória do partido A ou B. Julgava que o diploma nos implicava a todos. Afinal é das contas da chafarica A ou B que andamos a tratar. Ora bolas.

sábado, 23 de outubro de 2021

IMPASSE

Parece que chegámos ao sábado de todas as decisões. Regressado de Bruxelas, António Costa tem agendadas reuniões com Jerónimo de Sousa e Catarina Martins. A ver vamos o resultado.

Entretanto, os representantes das confederações patronais abandonaram a Comissão Permanente de Concertação Social, solicitando, todos em bloco, audiência ao Presidente da República.

Embora não as deseje, o primeiro-ministro não tem medo de eleições antecipadas. E é o que acontecerá se o OE 2022 for chumbado, porque não o estou a ver a apresentar segunda versão à medida dos caprichos de uns e de outros. 

Por muito rápido que seja o processo, não haveria eleições antes do fim de Março. O prazo mínimo entre a dissolução do Parlamento e o acto eleitoral não pode ser inferior a 42 dias, mas há que contar com a coreografia institucional: demissão do PM, eventual convite do PR para que Costa se mantenha, reuniões com partidos, convocação do Conselho de Estado, etc. (e tudo isto com a lentidão suficiente para que PSD e CDS realizem os seus congressos). Dito de outro modo, com eleições no fim de Março, apenas no fim de Junho seria provável novo OE.

Mas o que são seis meses com o país a viver de duodécimos, com os fundos europeus geridos pelo Governo demissionário e com todas as alterações laborais metidas na gaveta?

Os princípios são muito bonitos mas não pagam contas ao fim do mês.

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

ABRAPLIP, HOJE


Participo hoje, quando forem 19:30 em Portugal, no XXVIII Congresso Internacional da Associação Brasileira de Professores de Literatura Portuguesa, tendo como mediadores da minha intervenção os professores Emerson Inácio e Jorge Vicente Valentim.

Emerson Inácio é professor de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, especializado em poesia contemporânea de língua portuguesa, teoria queer, género, estudos culturais, etc. Jorge Vicente Valentim é professor de Literaturas de Língua Portuguesa na Universidade Federal de São Carlos, especializado em literatura portuguesa, estudos literários, género, homoerotismo, etc. Dito de outro modo, estou muito bem acompanhado.

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quarta-feira, 20 de outubro de 2021

PRÉMIO CAMÕES


A escritora moçambicana Paulina Chiziane, 66 anos, venceu a 33.ª edição do Prémio Camões, atribuído por unanimidade por um júri constituído por Ana Martinho, Carlos Mendes de Sousa, Jorge Alves de Lima, Raul César Fernandes, Teresa Manjate e Tony Tcheka.

Antiga militante da FRELIMO com formação em linguística, Paulina Chiziane tem livros publicados, desde 1990, em Moçambique, Portugal e Brasil, estando alguns deles traduzidos em inglês, francês, alemão, espanhol, italiano e servo-croata.

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SINTRA

Ricardo Baptista Leite, o médico tremendista que disse ter visto seis pessoas a morrer no Hospital de Cascais num dia em que naquele hospital apenas morreu uma, concorreu à Câmara de Sintra encabeçando uma coligação [Curar Sintra] do PSD+CDS+AL+MPT+PDR+PPM+RIR. Perdeu.

Ontem, na cerimónia de posse dos órgãos municipais, Basílio Horta, o presidente reeleito (35,3%), recusou o aperto de mão do médico doublé de autarca. O vídeo está disponível no Twitter.

Parece má educação de Basílio Horta, mas como o próprio explicou, seria hipócrita da sua parte cumprimentar alguém que, além de o apelidar de cobarde, o retratou (em cartazes) de costas a fugir. «Fui alvo de ataques e insultos pessoais», disse. As relações institucionais não passam por ademanes protocolares.

Com tanta falta de médico, é indecoroso ver RBL a perder tempo com jogos florentinos.

terça-feira, 19 de outubro de 2021

ARMANDA PASSOS 1944-2021


Vítima de cancro, morreu hoje Armanda Passos, uma das grandes pintoras portuguesas do século XX.

Obras suas podem ser vistas em Serralves, na Gulbenkian, no Museu do Chiado, no CCB, no Museu Nogueira da Silva (Braga), no Museu Amadeo de Souza-Cardoso (Amarante), etc., mas também em salas da Fundação Oriente, Fundação Champalimaud, Fundação Casa de Mateus (Vila Real), Fundação Dom Luís (Cascais) e outras instituições, como a Reitoria da Universidade do Porto, a Sé de Braga e o Palácio de Belém. O Museu do Douro, em Peso da Régua, cidade onde a artista nasceu, reuniu 83 obras suas numa ala com o seu nome.

Várias vezes premiada, Armanda Passos foi (nos anos 1970) professora de tecnologia de serigrafia no Centro de Reabilitação Vocacional da Granja, e monitora de tecnologia de gravura na Escola Superior de Belas Artes do Porto. Tinha 77 anos.

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SEGURO QUÊ?

Um dos coelhos da cartola de Carlos Moedas corresponde a um seguro de saúde para pessoas maiores de 65 anos com dificuldades económicas.

Devemos presumir que o novo edil de Lisboa desconhece a existência do Serviço Nacional de Saúde, aberto a toda a gente.

Será que os maiores de 65 anos com dificuldades económicas são barrados nos portões dos hospitais públicos? Convinha esclarecer.

NOITE SANGRENTA


Faz hoje cem anos que ocorreu o massacre do Arsenal da Armada, em Lisboa.

Na noite de 19 de Outubro de 1921, um grupo de marinheiros sequestrou e assassinou António Granjo, primeiro-ministro, mas também Machado Santos, fundador da República (morto no percurso da camioneta fantasma), José Carlos da Maia, capitão-de-mar-e-guerra, Freitas da Silva, chefe de gabinete do ministro da Marinha, o coronel Botelho de Vasconcelos e outros políticos republicanos. Cunha Leal, tido como próximo dos revoltosos, fazia parte dos ocupantes da camioneta, mas foi poupado.

António Granjo tinha pedido a demissão nessa manhã, mas o Presidente da República, António José de Almeida, não o demitiu.

Clique na imagem da Ilustração Portuguesa de 12 de Novembro de 1921.

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

MOEDAS NA CML

Perante a nomenklatura do PSD, Carlos Moedas tomou hoje posse como 78.º presidente da Câmara de Lisboa, autarquia que gere um orçamento superior a mil milhões de euros. 

Fernando Medina, que assistiu à cerimónia, reiterou que a democracia tem de respeitar as regras da alternância: eu saio, ele entra.

Num discurso em que apenas citou urbanistas estrangeiros, Moedas voltou a prometer transportes públicos gratuitos para todos. A ver vamos. Ainda não se conhece a distribuição de pelouros, mas consta que o CDS ficará responsável pelas Finanças, Educação e Cultura. Moedas, himself, fica com a Transição Energética e Alterações Climáticas.

Recordar que o PSD elegeu sete vereadores, o PS outros sete, a CDU dois e o BE um. Dito de outro modo, Moedas terá de governar a cidade em minoria.