Hoje na Sábado.
Os indefectíveis de Patricia Highsmith (1921-1995) dispõem agora, não de um novo thriller, mas do ensaio Suspense ou a Arte da Ficção. Mais do que um manual de escrita criativa, trata-se de um companion da obra. Publicado em 1966, quando era já uma escritora consagrada (o seu alter-ego, Ripley “nasceu” em 1955), Highsmith fez em 1981 uma edição revista e alargada, agora traduzida. Filha de um casal de artistas que se divorciou antes do seu nascimento, Highsmith foi uma vítima da depressão e do álcool, uma lésbica socialmente inadaptada que criou uma das obras literárias mais consistentes do século XX. Preciosa, esta tese sobre a arte da ficção. Publicou a Cavalo de Ferro.
Aos poucos, vai-se fazendo a história da colonização. O segundo volume das memórias de João Afonso dos Santos (n. 1927), Até ao Cair da Folha, abrange os anos que vão de 1947 a 1975. Sob um título genérico — O Último dos Colonos —, o autor põe em letra de forma «impressões e rememorações» do tempo passado em Moçambique, onde viveu em dois períodos distintos, primeiro em criança (o pai era juiz e estava radicado na Colónia desde os anos 1930), depois em adulto, como advogado. Tal como no primeiro volume, relata peripécias do irmão mais novo, o cantor Zeca Afonso, professor do ensino secundário em Lourenço Marques e na Beira, nos anos 1960. O autor discreteia sobre a oposição ao Estado Novo, levando o relato até à independência do país. Além de retratos de família, o volume inclui documentos da transição independentista. Publicou a Sextante.
Um novo livro da israelita Zeruya Shalev (n. 1959), O Que Resta da Nossa Vida, expõe vários tabus a partir do momento em que uma octogenária moribunda passa a sua vida em revista, dos anos do kibutz aos desacertos da vida em família: um filho advogado de causas “erradas”, uma filha por quem sente repulsa desde a gravidez. A neta, por sua vez, despreza a mãe. Mas o plot não se esgota no drama familiar. São claras as críticas da autora (vítima de um atentado terrorista em 2004) à política de expansão israelita. Pela sua tradução em França, O Que Resta da Nossa Vida recebeu o Prémio Femina Étranger. Publicou a Elsinore.
A saga de Harro e Libertas Schulze-Boysen, o casal alemão que lutou contra Hitler, é o tema de Os Infiltrados, de Norman Ohler (n. 1970), jornalista especializado em história da Segunda Guerra Mundial. Escrito com exemplar minúcia, o autor faz questão de sublinhar que não se trata de um texto ficcional. A nota prévia faz luz sobre a razão de ser do livro. A partir de correspondência, diários e recortes de imprensa, Ohler reconstrói a vida de Harro e Libertas, membros destacados da Orquestra Vermelha, nome dado pela polícia política aos dissidentes. Harro era um intelectual de esquerda quando a guerra fez dele oficial da Luftwaffe. Libertas foi uma aristocrata liberal que se afastou das simpatias pró-nazis da família para acompanhar o amante e futuro marido. Os dois tinham um casamento aberto, e uma intensa vida boémia, mas nada disso os desviou da espionagem a favor da União Soviética e do auxílio a judeus perseguidos. Em Dezembro de 1942, com uma hora de intervalo, ambos foram executados. Todas as fontes estão creditadas e as inúmeras fotografias ilustram os anos felizes. Publicou a Vogais.
Saiu mais um livro vermelho da Guerra & Paz — Vamos Ler! Um Cânone Para o Leitor Relutante, de Eugénio Lisboa (n. 1930), suma de cinquenta obras de trinta e cinco autores portugueses. Destinado a leitores relutantes, exclui autores que, «embora grandes ou notáveis, não se adequam ao [objectivo de] atrair leitores.» A ressalva justifica as ausências de, entre outros, Aquilino e Herberto, privilegiando as presenças de Eça, Régio, Sena, Sophia, etc. Eugénio Lisboa “defende” as obras escolhidas, uma delas de Miguel Sousa Tavares. Não faltam remoques à crítica highbrow. Sínteses biográficas de cada autor ajudam o leitor a contextualizar a obra. Publicou a Guerra & Paz.
Com A Força da Não-Violência, a filósofa americana Judith Butler (n. 1956) põe em pauta, de forma clara, o debate em torno da desobediência civil, sublinhando as questões éticas associadas à ambiguidade semântica dos conceitos de violência e não-violência. Mas as vagas de imigrantes fugidos à guerra, o feminicídio, o movimento Ni Una Menos, etc., também são tratados, tornando leitura do livro deveras estimulante. Publicaram as Edições 70.
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