quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

MATOSINHOS


É já para a semana. A minha intervenção, na rubrica Vozes, terá lugar às 15:45 do próximo dia 8. Clique na imagem.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

ESCOLHAS


Hoje na Sábado.

Temos o Natal à porta, época tradicionalmente associada à partilha de livros. A rentrée trouxe novidades para todos os gostos. Há muito por onde escolher — a prosa completa de Sophia, o 26.º e último romance de Le Carré, ficções de Don DeLillo, João Paulo Borges Coelho, Viet Thanh Nguyen, Claudio Magris e António Ferro, o thriller com que David Lagercrantz inicia uma nova saga, a biografia que Paul Auster dedicou a Stephen Crane, a poesia reunida de Adília Lopes, o clássico de Vassili Grossman sobre a ocupação de Stalinegrado e, por último mas não em último, a novela gráfica que Martin Ernstsen fez a partir da obra-prima de Knut Hamsun.

Juntar num único volume toda a prosa de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) ajuda-nos a avaliar a dimensão de uma autora que a posteridade fixou como um dos poetas centrais do século XX português. É o que sucede com Prosa, volume organizado por Carlos Mendes de Sousa, que assina uma desenvolvida introdução. Aqui estão os contos — desde logo os magníficos Contos Exemplares, mas também os que escreveu para a infância —, além do ensaio sobre o nu na antiguidade clássica. Em suma, uma edição que fazia falta, posfaciada pela filha, Maria Andresen de Sousa Tavares. Publicou a Assírio & Alvim.

Silverview, o livro póstumo de John le Carré (1931-2020), não desilude os fiéis. Posfaciado pelo filho Nick Cornwell, que garante não ter alterado uma vírgula do manuscrito encontrado, prolonga o virtuosismo de uma obra ímpar. No lugar de George Smiley temos agora Proctor, mas o jogo de espelhos mantém-se. O essencial da intriga é narrado em flashback, quando Deborah e Edward, os anfitriões da mansão conhecida por Silverview, estavam no activo. Magnífico, como sempre. Publicou a Dom Quixote.

A violência e os bastidores do futebol universitário norte-americano são o tema de Linha Final, um dos mais antigos romances de Don DeLillo (n. 1936). Narrado por Gary Harkness, capitão de equipa, a narrativa segue à risca o jargão do balneário, ao mesmo tempo que transforma cada jogo numa batalha campal. Quem gosta de bola e conhece a sua lógica interna acompanhará com gosto as descrições “fotográficas”. Escrito no auge da Guerra Fria, não é inocente que o futebol sirva de metáfora ao frágil equilíbrio nuclear entre a Nato e o Pacto de Varsóvia (vide capítulo 29). Admirável. Publicou a Relógio d’Água.

Nasceu no Porto aquele que é um dos mais significativos autores moçambicanos. Refiro-me a João Paulo Borges Coelho (n. 1955), radicado naquele país desde criança, onde acabou por adoptar a respectiva nacionalidade. Ali se formou e construiu uma obra ficcional sólida, paralela à de historiador. Quem ler Museu da Revolução não se surpreenderá com a heterodoxia com que põe em pauta a sociedade moçambicana: «O Moçambique que encontrou não era muito diferente do Moçambique que deixara…» Meridiana clareza: violência, rigidez ideológica dos anos pós-independência, guerra civil, domínio de partido único, precariedade da economia, etc. Tudo em português de lei. Outra coisa não seria de esperar de quem escreveu As Visitas do Doutor Valdez. Publicou a Caminho.

Os fãs de policiais nórdicos conhecem David Lagercrantz (n. 1962) sobretudo por, após a morte de Stieg Larsson, ter sido o autor do prolongamento de Millennium. Mas Lagercrantz, com obra publicada desde 1997, acaba de publicar Obscuritas, primeiro livro da série Rekke & Vargas. O tiro de partida do plot é dado pelo assassinato, em 2003, de um árbitro de futebol afegão refugiado em Estocolmo. Curiosamente, o personagem Hans Rekke parece uma versão escandivana e pós-moderna de Sherlock Holmes. Publicou a Porto Editora.

Stephen Crane, gigante da literatura norte-americana do século XIX, tinha apenas 28 anos quando morreu e, talvez por isso, não goze do reconhecimento de alguns dos seus pares. Razão acrescida para ler Um Homem em Chamas, a monumental biografia que Paul Auster (n. 1947) lhe dedica. Quase novecentas páginas para “homologar” uma reputação, com destaque para a exegese da obra. Dito de outro modo, mais hermenêutica, menos acidentes biográficos. Seja como for, resgata Crane do relativo silenciamento a que foi votado. Além de notas e iconografia, o volume inclui índice onomástico. Publicou a Asa.

Os portugueses conhecem o vietnamita Viet Thanh Nguyen (n. 1971) desde o primeiro livro, laureado com o Pulitzer de Ficção 2016. Mudando a acção para Paris, mas mantendo o narrador original, O Comprometido prolonga esse livro de estreia, pondo o acento tónico em questões de identidade e género. Não esquecer que a França antecedeu os Estados Unidos na ocupação da Indochina. Radicado nos Estados Unidos desde a queda de Saigão, o autor não esquece as humilhações sofridas pelo seu povo. De certo modo, um ajuste de contas pós-colonial. E Nguyen faz isso muito bem. Publicou a Elsinore.

A partir de pretextos fortuitos, cada um à sua maneira, os cinco protagonistas de Tempo Curvo em Krems, de Claudio Magris (n. 1939), fazem o balanço do passado: o escritor, o industrial, o professor de música, o homem de passagem, o sobrevivente do império dos Habsburgo, o patriota triestino. Nada distingue ficção e realidade. Magris vintage, nestes cinco contos isentos de ênfase que se lêem de um fôlego. Publicou a Quetzal.

Por ter delineado uma política cultural tolerada por Salazar, o modernista António Ferro (1895-1956) passou à História como ideólogo do Estado Novo. O que nem todos sabem é que o editor da revista Orfeu foi um ficcionista prolífico, como demonstrado pelas quase setecentas páginas de Ficção, volume que colige os seus contos e novelas. Organizado por Hugo Xavier, com portfolio iconográfico e introdução de Luis Leal, ilustra a especial atenção que Ferro dava às personagens femininas. Uma edição primorosa. Publicou a E-Primatur.

Um grosso volume de capa dura e mais de mil páginas, Dobra, reúne a poesia completa de Adília Lopes (n. 1960), ou seja, todos os livros publicados a partir de 1985 e ainda inéditos. Lida com reticências durante alguns anos, Adília — que começou por ser um epifenómeno mediático — foi gradualmente impondo um tom, sendo hoje reconhecida a sua singularidade na poesia portuguesa contemporânea. Títulos como O Poeta de Pondichéry (1986), Maria Cristina Martins (1992), Florbela Espanca espanca (1999) e A mulher-a-dias (2002), para citar os quatro que prefiro, tornaram-se parte do cânone. Publicou a Assírio & Alvim.

Com Stalinegrado, Vassili Grossman (1905-1964) fixou a mais sangrenta batalha da Segunda Guerra Mundial. Entretanto, se leu Vida e Destino, vai perceber que se trata de um díptico. Stalinegrado é a prequela do livro que imortalizou Grossman, o engenheiro que se encontrava na cidade como correspondente de guerra, e desse modo pôde legar ao futuro o testemunho da barbárie, a resistência de um povo determinado em pôr fim ao cerco nazi. Como sublinha Nina Guerra, esta «combinação da reportagem, da ficção e da análise política, social e psicológica […] cria um quadro verídico, credível.» Acompanhando o quotidiano da família Chapochnikova (a matriarca, Aleksandra, recusa deixar a cidade) temos a noção do horror. Mais tarde, Grossman, cansado de ser Kulak, tornou-se dissidente do regime soviético, mas em 1952 ainda acreditava na Mãe Rússia. Publicou a Dom Quixote.

O norueguês Knut Hamsun, Nobel da Literatura em 1920, tornou-se famoso por causa de Fome. Agora, como tem acontecido a tantas obras de ressonância planetária, esse romance de carácter autobiográfico foi vertido em novela gráfica. Quem o fez foi Martin Ernstsen (n. 1982), premiado por este trabalho. Os “puristas” dirão que a banda desenhada não transmite com nitidez o fluxo de consciência, mas trata-se de um álbum apelativo, traduzido directamente do norueguês por Liliete Martins. Publicou a Cavalo de Ferro.

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domingo, 28 de novembro de 2021

ANTÓNIO MARIA LISBOA


UM POEMA POR SEMANA — Para este domingo escolhi Poema de António Maria Lisboa (1928-1953), autor do principal manifesto do surrealismo português, Erro Próprio, publicado em 1949.

Natural de Lisboa, morreu aos 25 anos vítima de tuberculose. Homossexual em busca do andrógino ideal, pretendia o fim da distinção homem/mulher.

Segundo Cesariny, a destruição feita por familiares de parte da obra (manuscritos inéditos) constitui uma perda irreparável para a história da poesia surrealista portuguesa. Antes de morrer, passou largas temporadas em Paris, cidade onde se iniciou nas ciências do Ocultismo.

O poema desta semana pertence a Ossóptico (1952). A imagem foi obtida a partir de Poesia (1995), volume da obra poética completa organizado por Mário Cesariny para a Assírio & Alvim.

[Antes deste, foram publicados poemas de Rui Knopfli, Luiza Neto Jorge, Mário Cesariny, Natália Correia, Jorge de Sena, Glória de Sant’Anna, Mário de Sá-Carneiro, Sophia de Mello Breyner Andresen, Herberto Helder, Florbela Espanca, António Gedeão, Fiama Hasse Pais Brandão, Reinaldo Ferreira, Judith Teixeira, Armando Silva Carvalho, Irene Lisboa, António Botto, Ana Hatherly, Alberto de Lacerda, Merícia de Lemos, Vasco Graça Moura, Fernanda de Castro, José Gomes Ferreira, Natércia Freire, Gomes Leal, Salette Tavares, Camilo Pessanha, Edith Arvelos, Cesário Verde, António José Forte, Francisco Bugalho, Leonor de Almeida, Carlos de Oliveira, Fernando Assis Pacheco, José Blanc de Portugal e Luís Miguel Nava.]

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