sábado, 6 de fevereiro de 2021

A FRONDA

Entre agitadores avençados, comentadores conspícuos como Marçal Grilo e Miguel Sousa Tavares, ex-governantes (casos de Santana Lopes e Alberto João Jardim), o líder do PSD e antigos “exilados de esquerda” que nunca perdoaram ao PS o desprezo com que o Partido os tratou depois de 1974, sobe de tom a pressão sobre Marcelo. O Presidente devia substituir o Governo de António Costa por um de iniciativa presidencial. Além de inconstitucional, a manobra equivaleria a um golpe de Estado.

Hoje, no Público, António Barreto, adversário do Governo e alguém que não gosta do primeiro-ministro, diz o óbvio:  

«Mudar o Governo? Fazer novo Orçamento? Repartir cargos pelos diferentes partidos? Distribuir os directores pelos partidos apoiantes? Voltar aos debates programáticos no Parlamento? Nem pensar nisso! Não há tempo, nem necessidade. Nem se compreenderia uma monumental perturbação política no meio da pandemia, da terceira ou quarta vaga. A não ser que se pretenda pura e simplesmente esquecer a democracia, congelar direitos e deveres, impor autoridade sem limites…»

Querem ir ao pote? Façam aprovar no Parlamento uma moção de censura, ou chumbem o próximo Orçamento de Estado. Verdade que nenhuma destas circunstâncias inibiria Marcelo de voltar a convidar Costa (creio que o faria). Mas, nesse caso, presumo eu, seria Costa o primeiro a exigir eleições antecipadas.

É escusado tentar pôr o carro à frente dos bois.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

GUERRA COLONIAL


Completam-se hoje 60 anos sobre o início da guerra pela independência de Angola. Nesse sábado, 4 de Fevereiro de 1961, os motins de Luanda tiveram como corolário o ataque à Casa de Reclusão Militar, à Cadeia de São Paulo, a duas esquadras de polícia, aos CTT e à Emissora Nacional. Morreram cinco polícias e cerca de meia centena de insurgentes. Nas semanas seguintes ocorreram linchamentos ad hoc junto da população indígena.

A data foi escolhida para aproveitar a presença na cidade dos jornalistas que tencionavam cobrir a chegada do Santa Maria, o navio desviado por Henrique Galvão, cujo destino era Luanda, mas acabou atracado no Recife (Brasil), por intermediação norte-americana, a 2 de Fevereiro.

Embora os motins de Luanda tenham sido antecedidos pela revolta da Baixa do Cassange, ocorrida a 11 de Janeiro do mesmo ano, data em que milhares de trabalhadores dos campos de algodão da Cotonang fizeram greve e destruíram plantações, equipamento e moradias, o 4 de Fevereiro tornou-se a data oficial do início do conflito angolano.

Mas seria preciso esperar pelos massacres de 15 e 16 de Março, nas províncias do Uíge e do Zaire, mas também em Kwanza-Norte, no Bengo e em Nambuangongo, para Salazar reagir, no dia 17, com o repto famoso — Para Angola, rapidamente e em força. Os massacres saldaram-se por cerca de seis mil mortos, um terço dos quais colonos brancos. Esse sim, o tiro de partida da Guerra Colonial.

Em consequência, o conflito generalizou-se à Guiné (1963, Janeiro) e a Moçambique (1964, Setembro). As independências chegaram em Setembro de 1974 (Guiné-Bissau), Junho de 1975 (Moçambique) e Novembro de 1975 (Angola). Mais de um milhão e meio de portugueses foi obrigado a participar nas três frentes. Assim nasceu o 25 de Abril.

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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

TASK FORCE SEM CHEFE


Por detectar irregularidades «no processo de selecção para vacinação de profissionais de saúde do Hospital da Cruz Vermelha» — do qual é presidente —, Francisco Ramos demitiu-se ontem de coordenador do plano nacional de vacinação Covid-19. A ministra da Saúde aceitou hoje a demissão.

Também se demitiram o director clínico e a enfermeira-directora do referido hospital. 

Antes de sair, Francisco Ramos pediu à Inspeção-Geral das Actividades em Saúde que investigue as irregularidades do Hospital da Cruz Vermelha.

A troika do costume (i.e., os bastonários dos médicos, enfermeiros e farmacêuticos) diz que, face às incoerências e falta de planeamento, a demissão vem com atraso de meses. Os partidos da Direita rejubilam. O CDS exige a imediata intervenção das Forças Armadas no processo de vacinação. André Ventura não acredita no pedido de demissão, mas num “empurrão” do Governo.

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NHS SEGUE FILME


Viram Contagion (2011), o filme de Soderbergh com argumento de Scott Z. Burns e Matt Damon como protagonista?

Entre nós chama-se Contágio e quem não viu nas salas pode vê-lo na Netflix.

Matt Hancock, ministro britânico da Saúde, viu. E não tem complexos em assumir que, no Reino Unido, o plano de vacinação e gestão de stocks que tem estado a ser seguido pelo NHS foi inspirado no filme.

Ah!, os brits... Se não existissem tinham de ser inventados.

Clique na imagem do filme.

CECÍLIA E ADELAIDE



Vítimas de Covid-19, morreram na Casa do Artista as actrizes Adelaide João (1921-2021) e Cecília Guimarães (1927-2021). Ambas trabalharam, durante décadas, em teatro, cinema e televisão. 

Cecília Guimarães morreu ontem, com 93 anos. Adelaide João, que faria cem anos no próximo mês de Julho, morreu hoje.

Adelaide João estreou-se em 1960 e trabalhou até 2017. Após o curso do Conservatório foi para Paris com uma bolsa da Gulbenkian, permanecendo cinco anos na capital francesa. Integrou o elenco de várias companhias, tais como, entre outras, as do Teatro Nacional D. Maria II, O Bando, Teatro Experimental de Cascais e Teatro Estúdio de Lisboa (de Luzia Maria Martins). No cinema, foi dirigida por António da Cunha Telles, António de Macedo, António-Pedro Vasconcelos, Ernesto de Sousa, Fernando Lopes, José Álvaro de Morais, José Fonseca e Costa, Lauro António, Luís Galvão Teles, Manoel de Oliveira, Noémia Delgado, João Botelho, João Mário Grilo, Ricardo Costa e outros. Na televisão protagonizou inúmeras séries e telefilmes.

Cecília Guimarães estreou-se em 1951 e trabalhou até 2018. Após o curso do Conservatório integrou o elenco de várias companhias, tais como, entre outras, as do Teatro Nacional D. Maria II, Teatro da Trindade, Teatro Experimental do Porto, Teatro da Cornucópia, Teatro Experimental de Cascais, Teatro Maria Matos, Teatro de Almada, Artistas Unidos (de Jorge Silva Melo) e Teatro de Braga. No cinema, foi dirigida por António Lopes Ribeiro, Manoel de Oliveira e outros. Na televisão interpretou sobretudo peças de teatro clássico.

Duas grandes actrizes, de perfil diferente, a quem a Cultura portuguesa muito deve.

Imagens: Cecília Guimarães (ao alto) e Adelaide João. Clique.

TIRO DE PARTIDA

Começou esta manhã no Centro de Saúde de Alvalade (Lisboa) a vacinação de pessoas com 80 ou mais anos, bem como de pessoas com 50 ou mais anos com doenças associadas. 

Assistiram ao acto o primeiro-ministro e a ministra da Saúde.

Amanhã começa na região Norte: Porto Oriental, Gaia, Gondomar, Póvoa de Varzim, Vila do Conde, Braga, Vila Real e Bragança.

Foram notificadas por sms 850 pessoas, mas apenas 370 manifestaram interesse no agendamento.

Até ao momento foram vacinados, em Portugal, mais de quatrocentas mil pessoas, número que inclui todos os utentes de Lares.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

AKRASIA

O que está a passar-se com as vacinas é intolerável. Não me refiro às deploráveis negociatas das grandes farmacêuticas internacionais. Falo da situação portuguesa. Alegadamente, cerca de 500 pessoas foram vacinadas ao arrepio do plano nacional de vacinação, dois terços das quais já com as duas doses.

De Norte a Sul, autarcas, dirigentes de serviços públicos, administradores hospitalares, etc., fizeram-se vacinar a si próprios e às respectivas famílias (mais amigos, vizinhos, maids e outros profissionais sob sua tutela) com total impunidade. É uma vergonha.

Convinha que Francisco Ramos, responsável máximo pelo Plano Nacional de Vacinação, esclarecesse o país acerca do aparente desacerto ente o seu plano e a realidade.

Os que agiram à margem do estabelecido fizeram-no em nome da “autonomia” de que se julgam investidos? (Sobre a melindrosa gestão do SNS, a ministra da Saúde referiu mais de uma vez a dificuldade em lidar com as “autonomias” corporativas que emperram as decisões.) Fizeram-no porque consideram o nepotismo um direito adquirido? Por estupidez? Por desrespeito pela comunidade? Porque as normas não são taxativas? As listas de vacinação são nominais, como deviam ser, ou ficam ao critério do capataz do sítio? O baronato da medicina tem direito a quotas privadas para o seu inner circle...

Se a Assembleia da República, que é um órgão de soberania, teve que entregar a lista nominal dos 36 deputados e dos funcionários considerados prioritários, por que carga de água cada dose das vacinas distribuídas não tinha um nome indexado?

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

A TRANQUIBÉRNIA

Por terem tido eco nos media, estes quatro exemplos são públicos. Mas como não nasci ontem e conheço a mentalidade indígena, presumo que o número de infracções deva ser multiplicado por cem. Deplorável.

Sim, não acontece só em Portugal. Mas o nepotismo dos outros não justifica o que se passa cá dentro.

O que vai na cabeça destas criaturas?

— José Calixto, presidente da Câmara de Reguengos de Monsaraz, fez-se vacinar, apesar de não pertencer a nenhum grupo prioritário. Alegou que, sendo cumulativamente presidente da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva, entidade que gere o Lar do mesmo nome, tinha esse direito. Continua em funções.

— Natividade Coelho, directora do Centro Distrital de Setúbal do Instituto da Segurança Social, fez-se vacinar e mandou vacinar os 126 funcionários sob sua tutela. Nenhum dos vacinados pertence a qualquer grupo de risco. Demitiu-se do cargo no dia 29 de Janeiro.

— António Rui Barbosa, o médico de medicina desportiva que dirigia a Delegação do Norte do INEM (Porto), mandou vacinar o proprietário e os empregados da Pastelaria São Jorge, bem como o proprietário do Restaurante Transturística. Nenhum dos vacinados pertence a qualquer grupo de risco. Foi demitido ontem do cargo.

— Salazar Coimbra, administrador do Hospital de Riba de Ave, fez-se vacinar a si próprio, à mulher e à filha, mas também mandou vacinar uma recepcionista do hospital. O quarteto passou à frente de médicos, enfermeiros e auxiliares de saúde. Nenhum dos vacinados pertence a qualquer grupo de risco. Continua no cargo.

Isto é o que veio nos jornais. Imagine-se o que nunca virá em qualquer media.

domingo, 31 de janeiro de 2021

JANEIRO 2021

Janeiro fechou assim.
O mapa é da Johns Hopkins e foi publicado no Guardian. Clique.

RUI KNOPFLI


UM POEMA POR SEMANA — À laia de antologia pessoal, começo hoje a publicar um poema por semana. Para abrir escolhi Rui Knopfli (1932-1997), uma das grandes vozes da poesia de língua portuguesa do século XX. 

Natural de Inhambane, Knopfli foi para Lourenço Marques ainda criança, ali tendo vivido até ser obrigado a sair de Moçambique em Março de 1975, por imposição do almirante Vítor Crespo. (O alto-comissário não gostou do editorial de Knopfli, então director do vespertino A Tribuna, sobre o caso do espião Macintosh denunciado pela Frelimo às autoridades rodesianas.) Após quatro meses em Lisboa, Knopfli foi para Londres ocupar o cargo de conselheiro de imprensa na embaixada de Portugal, permanecendo na capital britânica até Agosto de 1997. Morreu no dia de Natal desse ano, depois de fumar um Cohiba. Está enterrado em Vila Viçosa.

O Preto no Branco não será o seu melhor poema, mas tem uma carga simbólica evidente. Escrito em 1962 e publicado pela primeira vez em 1969, no livro Mangas Verdes com Sal, em plena guerra colonial, ilustra bem o sentimento da intelligentsia moçambicana sobre o futuro a haver.

Fiz a close reading deste poema em Século de Ouro. Antologia Crítica da Poesia Portuguesa do século XX (imagem), organizada por Osvaldo Manuel Silvestre e Pedro Serra, publicada em 2002 pela Cotovia e Angelus Novus, obra que colige 73 poemas de 47 poetas. A cada poema corresponde um ensaio.

Clique na imagem.

SABOTAGEM OU COMPADRIO?

Com o argumento de que as vacinas remanescentes em seu poder tinham prazo de validade limitado, o responsável pela delegação do Norte do INEM mandou vacinar o proprietário e os empregados da pastelaria que frequenta diariamente.

Sucede que, além do staff da Pastelaria São Jorge, que terá recebido anteontem a 1.ª dose da vacina, o proprietário do Restaurante Transturística recebeu a 2.ª dose no mesmo dia. Em que ficamos?

Os dois estabelecimentos situam-se na Rua Dr. Alfredo Magalhães (Trindade), no Porto, a rua do INEM.

Em conferência de imprensa, António Rui Barbosa, o médico que dirige a delegação do Norte do INEM, disse ter apenas duas opções: vacinar aquelas pessoas ou deitar as vacinas para o lixo.

Então e o restaurateur que recebeu a 1.ª dose no passado dia 6 e a segunda anteontem? O argumento da validade limitada já se colocava há três semanas?

António Rui Barbosa pôs o lugar à disposição mas continua muito por explicar.