sábado, 4 de fevereiro de 2017

ELEMENTAR


Os alemães não brincam em serviço. Capa da Der Spiegel de hoje. Clique.

CHECKS AND BALANCES

Trump pode espernear, mas, até ver, o Departamento de Estado (equivalente ao ministério dos Negócios Estrangeiros) revogou a ordem executiva que impedia a entrada no país de cidadãos oriundos de sete países muçulmanos, mesmo detentores de Visto. Rex Tillerson, o ex-CEO da Exxon Mobil que actualmente ocupa o cargo de Secretary of State, não pôde fazer vista grossa à decisão irrecorrível do juiz federal James Robart, de Seattle, proferida ontem.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

LOURENÇO MARQUES


Deixei Moçambique em Novembro de 1975, cinco meses depois da independência do país. Tinha 26 anos, vivia com o Jorge há três, era autor de um livro de poesia publicado no ano anterior, e conhecia Portugal de duas visitas: 1964 e 1974. Nunca voltei. O passado é o passado. Mas tenho-me mantido informado da realidade moçambicana através de amigos que vão e vêm, da imprensa de Maputo, de escritores moçambicanos com quem falo nos eventos do costume. Em 1999, entrevistado pela RTP, disse que tinha nascido em Moçambique como podia ter nascido na China (afirmação que causou escândalo), mas é mesmo isso que penso. A nossa terra é onde nos sentimos bem. Nunca tive fantasmas identitários. Isto dito, passo ao que realmente interessa.

Fui ontem tomar chá com uma grande amiga que também deixou Moçambique em Novembro de 1975. Nessa altura ela tinha 12 anos. Mas não esqueceu. Nunca nos conhecemos enquanto lá vivemos. A nossa amizade data de 2007. Em comum, o facto de sermos escritores. Em 2009, escreveu um livro devastador sobre a realidade colonial que fez dela o alvo de todos os saudosistas. Foi demonizada até ao paroxismo. O que sempre nos separou foi a vontade de voltar. Ela queria, eu não. E lá foi, contra todas as advertências, passar um mês sozinha. Sozinha ali se manteve, por acaso num bairro bom. Teve a sorte de arranjar um motorista de tuk-tuk de confiança. A descrição que me fez da Maputo actual não terá sido diferente da que faria de Nairobi: crime, insegurança generalizada, pobreza extrema, autismo da comunidade branca. Por comunidade branca entenda-se o núcleo dos funcionários transnacionais que estão de passagem e são pagos em dólares americanos, os sul-africanos que exploram os resorts turísticos, mas, sobretudo, os nacionalistas que pertencem ou têm a bengala das ‘estruturas’ do Partido único. Essa comunidade de happy few vive em guetos de luxo, tem segurança privada e circula em automóveis com vidros fumados. Ninguém que se preze tem menos que vários criados. O formalismo é de regra nas relações sociais. Quatro quintos da população não tem o que comer. Sobre a degradação urbana não vale a pena falar. Em suma, um pesadelo.

A tudo isto, a imprensa portuguesa diz nada. Moçambique fica do outro lado do mundo, nunca interessou aos nossos jornaleiros.

As imagens mostram a vista aérea dos bairros da Polana e do Sommerschield, e parte do Hotel Polana, inaugurado em 1922. Clique nelas.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

ANNE TYLER


Hoje na Sábado escrevo sobre O Carrinho de Linha Azul, de Anne Tyler (n. 1941), que com este romance regressa à edição portuguesa, de que andou afastada bastante tempo, sem que se perceba porquê, na medida em que vários dos seus livros, entre eles Jantar no Restaurante da Saudade (1982) ou O Turista Acidental (1985), foram grandes sucessos. O segundo até deu origem a um filme famoso de Lawrence Kasdan. Ficcionista laureada com o Pulitzer e com o prémio do National Book Critics Circle, Anne Tyler é autora de mais de vinte romances, dezenas de contos e dois livros para a infância. A crítica ortodoxa tende a ser condescendente com o imaginário clean dos seus livros, mas estamos longe da literatura de aeroporto. Verdade que Anne Tyler não é Alice Munro ou Joyce Carol Oates, mas estamos a falar de alguém com uma obra consistente sobre a vida de pessoas comuns, alheadas de melodramas operáticos ou atritos disfuncionais, num quadro de classe média convencional. O Carrinho de Linha Azul começa numa noite de Julho de 1994, no exacto momento em que um pai ouve um dos filhos dizer-lhe, sem rodeios e por telefone, que é homossexual. Mas o rapaz desliga assim que acaba de dizer o que queria, deixando pai e mãe incapazes de avaliar a situação. Confissão? Brincadeira de mau gosto? Afinal, Denny, nessa altura com dezanove anos, já tinha engravidado uma rapariga do liceu. E, ao contrário do irmão mais novo, Stem, respeitador das regras básicas de sociabilidade, Denny era ou pretendia ser um outsider, vivendo à margem do núcleo familiar. Naquela noite o seu paradeiro era desconhecido. Podia estar ali, em Baltimore, como no outro extremo do país. Com recurso a flashbacks e pertinentes notas de humor, a autora descreve o quotidiano de uma família-padrão, neste caso os Whitshank, ao longo de várias gerações. O ponto de partida é a personalidade desconcertante de Denny, por oposição à dos outros filhos, em especial Stem, mas o espectro analítico tem um âmbito mais alargado. Anne Tyler não ignora nenhum detalhe, por mais prosaico que seja. Digamos que O Carrinho de Linha Azul é uma dissertação, bem calibrada, dos sobressaltos da vida conjugal.Três estrelas e meia. Publicou a Presença.

Escrevo ainda sobre O Segredo da Modelo Perdida, de Eduardo Mendoza (n. 1943). São às dezenas os autores de thrillers cuja identidade se confunde com a das suas personagens. Exemplo clássico: falamos de Poirot como se Agatha Christie não existisse. Os casos multiplicam-se. Com Mendoza é ao contrário. O escritor catalão criou um detective anónimo, sendo O Segredo da Modelo Perdida o quinto (e mais recente) volume da série a que dá corpo. O seu detective tem outra particularidade: cabeleireiro oriundo do bas-fond, nem por isso deixa de questionar a situação europeia, como também fez no volume anterior, O Enredo da Bolsa e da Vida. Trata-se agora de recuperar um caso onde esteve envolvido há vinte anos. Um dos aspectos mais interessantes das suas narrativas radica nas tradições catalãs e, em concreto, na história de Barcelona, subtexto decisivo da trama geral. Constantes: ritmo vertiginoso, nonsense, saltos no tempo (notórios entre a primeira e a segunda parte do livro) e uso sagaz da ironia: «Faz tonificação, jacúzi, massagem e raios UV. Mas não me parece que seja gay.» O leitor não terá dificuldade em relacionar as manobras da APALF, sociedade secreta, com as consequências da deriva independentista da Catalunha. Três estrelas e meia. Publicou a Sextante.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

FEITO


Por 498 votos contra 114, o Parlamento britânico autorizou o Brexit. Theresa May já pode accionar o Artigo 50. Os 498 votos a favor vieram dos conservadores (319), dos trabalhistas (167), de outros três partidos (11) e de um deputado independente. Os sonhadores a quem passou pela cabeça que o Parlamento iria contra a vontade expressa em referendo, acabam de levar com a realidade na tola. A votação foi imposta pelo Supremo Tribunal, que tinha decretado no passado dia 24: O Governo não pode accionar o Artigo 50 sem autorização do Parlamento. Está feito. Boris Johnson, o ministro dos Negócios Estrangeiros, já reagiu no Twitter.

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NEIL GORSUCH


Neil Gorsuch, 49 anos, foi o juiz escolhido por Trump para ocupar a vaga aberta pela morte de Antonin Scalia. Gorsuch terá agora de passar pelo processo de avaliação e votação no Senado. Se tudo correr bem, tomará posse daqui a três meses. Se as coisas correrem mal, acontece-lhe o mesmo que aconteceu a Merrick Garland, que Obama escolheu para o lugar mas o Senado vetou. Gorsuch, que é doutorado por Oxford, integra a corrente textualista, ou seja, é um defensor da interpretação literal da Constituição. São conhecidas as suas posições anti-aborto e anti-eutanásia, mas estamos a falar de um conservador. Não é o troglodita que muitos esperavam, nem tem nada a ver com a corrente evangélica. Ocupou cargos relevantes durante os mandatos de Obama, com apoio expresso de muitos Democratas. Esperar para ver.

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

LINGUAGEM


A propósito da polémica que envolve o Plano Nacional de Leitura e meia dúzia de papás agastados com a linguagem crua de um romance, vou contar uma história.

Em Fevereiro do ano passado, uma amiga, que por acaso é escritora, pediu-me autorização para ceder um excerto do meu romance Cidade Proibida, de 2007, a uma revista literária que ia aparecer. A minha amiga não fazia parte da direcção da revista, desaparecida ao 2.º ou 3.º número, mas serviu de intermediária entre as partes. Porquê este excerto e não outro? Porque a revista tencionava publicar um dossier sobre erotismo na poesia portuguesa contemporânea. Disse que sim, mas acrescentei: O texto nunca será publicado. Com efeito, nenhum dos números publicados incluiu o famoso dossier. Verdade que a revista acabou, mas... Se comparado com outras passagens, o excerto seleccionado é soft. Transcrevo-o com cortes para sublinhar os trechos com linguagem crua.

«[...] Assim que decidiram viver juntos, Martim e Rupert procuraram casa [...] Rupert continuava a achar absurdo o preço das casas portuguesas, e não queria comprar, mas um dia Martim apareceu-lhe nas aulas com as chaves. [...] Anda, vem ver. Depois almoçamos no Pabe. / Com o skyline das colinas a toda a largura das janelas e o rio ao fundo, a vista do 4.º andar era magnífica. A casa estava vazia, só se mudaram ao fim de dez dias, mas Rupert ficou logo impressionado com a luminosidade, o soalho, o recorte dos estuques, o fogão de sala com sólidas guardas de bronze, o granito rosa das casas de banho e a tralha hi-tech da cozinha. Foi justamente na cozinha que Martim o comeu. A mesa era larga, tinha boa altura e um tampo surpreendentemente macio. Não se lembra qual dos dois chupou primeiro o outro. Lembra-se da luz crua do sol, de ter arrancado as calças e os briefs de Rupert, obrigando-o a dobrar-se no tampo de pedra negra, ao mesmo tempo que com a mão aberta lhe apertava a garganta à medida que o penetrava. Nunca tinham fodido de pé. O orgasmo foi praticamente simultâneo, sem que Rupert tivesse necessidade de se tocar. Nessas ocasiões, Martim afrouxava a pressão dos dedos para melhor sentir estremecer o corpo do companheiro. [...]»

A título de curiosidade, refira-se que a cena se passa no 11 de Setembro, mas, como tudo acontece em Lisboa antes das duas da tarde, eles ainda não sabem.

A imagem corresponde à capa da terceira edição comercial (2013) do livro. Clique.

EM QUE FICAMOS?

O Conselho de Segurança da ONU reúne de emergência com os pretextos mais frívolos. É assim há décadas. Mas, aparentemente, não tomou conhecimento da ordem executiva da Casa Branca que impede a entrada nos Estados Unidos de cidadãos oriundos de sete países mulçulmanos, mesmo que alguns desses cidadãos tenham autorização de residência e trabalho. Alguns até têm cidadania americana! Mas, se por qualquer razão estiverem ausentes do país, são barrados à entrada. Mr Guterres, em que ficamos?

OS DOIS STEPHEN


Trump, o Presidente, é a mão que assina as decisões de Stephen Bannon e Stephen Miller. Nunca ouviu falar deles? Convém saber quem são. Ambos estão dispostos a subverter a ordem constitucional americana.

Stephen Bannon, 63 anos, militante da ala direita do Partido Republicano, foi nomeado anteontem Chief Strategist da Casa Branca e membro permanente do Conselho de Segurança Nacional. É o homem mais influente da actual administração americana. Dirigiu a campanha de Trump e agora está no comando do país (isto não é uma metáfora). Proprietário e CEO da Breitbart News Network, website de extrema-direita fundado em 2007, defende posições que fazem de Marine Le Pen uma menina de coro. A Breitbart não fica pelo proselitismo xenófobo, pró-Vida, anti-gay, anti-ecologista, ou pela defesa da supremacia branca e doutrinas afins. Para defender os seus pontos de vista, a Breitbart inventa notícias em que milhões de americanos acreditam. Oriundo da working class irlandesa, católico, Bannon serviu na Marinha e foi banqueiro na Goldman Sachs antes de fundar o seu próprio banco. Tem um diploma de Harvard em economia. Acusado de violência doméstica, encontra-se divorciado da terceira mulher. Define-se a si próprio como um nacionalista branco.

Stephen Miller, 31 anos, militante da ala direita do Partido Republicano, oriundo de uma família judaica de tradições liberais filiada no Partido Democrata, foi nomeado assessor-principal do Presidente no passado dia 20. É um acérrimo defensor e legislador da política anti-imigratória. Redigiu o discurso da tomada de posse de Trump e foi quem propôs a ordem executiva de sábado passado que impede a entrada nos Estados Unidos de cidadãos de sete países muçulmanos. Tem um diploma de Duke em ciência política.

Ao pé deles, Karl Rove, o controverso e todo-poderoso chefe de gabinete de Bush, é um príncipe da Renascença.

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segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

AZEITE


Toda a gente percebeu que os vinhos portugueses deram um salto e tanto nos últimos dez anos, mas são bastante menos os que têm essa noção acerca do azeite. Daí a importância deste livro de Edgardo Pacheco sobre os cem (sim, 100) melhores azeites nacionais. Num texto claro, «E se falássemos a sério de azeite?», o autor explica porque escolheu estes e não outros. Azeites virtuosos, diz ele. Tal como o vinho tem os seus rituais, também o azeite os tem. Sabia que deve ser consumido sempre à temperatura de 28 graus? Eu também não.

Os cem estão divididos em dois grupos: o Top 10 e, a seguir, seriados por região, os outros 90. Cada um dos azeites escolhidos tem um texto introdutório e respectiva ficha técnica. Edgardo Pacheco lamenta que, ao contrário do que acontece com os vinhos, as lojas e os restaurantes não invistam (salvo raríssimas excepções) em pessoal especializado, capaz de orientar e aconselhar o consumidor mais exigente. Um exemplo: quantos de nós sabem escolher um azeite para temperar sobremesas, gelados incluídos? E distinguir um que não pode ser cozinhado? Em suma, um guia como deve ser. A fechar, ocupando cinquenta páginas, há 25 receitas de 25 chefs, sendo duas mulheres. O Avillez não entra.

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domingo, 29 de janeiro de 2017

HAMON VENCEU AS PRIMÁRIAS


Como era previsível, Benoît Hamon foi o vencedor da segunda volta das Primárias do PS francês. Hamon obteve 58,88% contra 41,12% de Manuel Valls. O número de votantes terá chegado a 1,9 milhões, participação superior à da primeira volta. Clique na imagem do Libération.