Deixo aqui as minhas escolhas, acompanhadas de breves notas de leitura.
No Armário do Vaticano — Para dar a conhecer o dark side do Vaticano, o francês Frédéric Martel encarregou oitenta investigadores espalhados por cerca de quarenta países para entrevistaram mil e quinhentas pessoas. Ele próprio entrevistou 41 cardeais, 52 bispos, 45 núncios apostólicos, mais de 200 padres e seminaristas, além de embaixadores, adidos de imprensa, funcionários do Vaticano e membros da Guarda Suíça. Dividido em quatro partes, o livro aborda o pontificado de vários Papas, as lutas pelo poder, as correntes ideológicas, o predomínio da extrema-direita no pontificado de João Paulo II, a guerra movida por Roma aos defensores da Teologia da Libertação, as idiossincrasias da Igreja em África e na América Latina, a ‘ditadura’ da Congregação para a Doutrina da Fé, a vida dupla de centenas de padres de todos os escalões hierárquicos, os excessos do cardeal guineense Robert Sarah, a biografia mirabolante do cardeal colombiano Alfonso López Trujillo, corrupção e escândalos financeiros na Santa Sé, a reiterada indiferença de Bento XVI face aos relatórios sobre abuso de menores, a clínica Gemelli, onde altos dignitários da Igreja são discretamente tratados de Sida, o assédio sexual aos membros da Guarda Suíça, o outing do teólogo Krzysztof Charamsa, a protecção de padres pedófilos, a relação particular de Bento XVI com Georg Gänswein, seu secretário (sagrado arcebispo no dia em que Ratzinger renunciou ao Papado), e outros temas quentes. Um documento para a História. Publicou a Sextante.
Churchill. Caminhando com o Destino — O historiador inglês Andrew Roberts escreveu uma nova biografia de Churchill. O título remete para um discurso feito em 1940 pelo antigo primeiro-ministro britânico. Em cerca de mil e duzentas páginas, Andrew Roberts traça o retrato do maior estadista britânico de todos os tempos. Com a vantagem de, relativamente a anteriores biografias, divulgar informação até agora classificada. Imprescindível. Volume de capa dura, com portfolio fotográfico, notas e o indispensável índice onomástico. Publicou a Texto.
Regresso a Reims — A partir das suas origens proletárias, o sociólogo francês Didier Eribon, biógrafo de Foucault, analisa as relações no seio da família, a vergonha social, a construção de identidades e, tema central, a traição de classe. Mas também algumas das razões que levaram os operários franceses a trocar o Partido Comunista por Le Pen. A morte do pai serve de pretexto à catarse. Homossexual assumido, teórico da cultura gay, o autor regressa aos lugares da infância e adolescência para desatar o nó górdio dos equívocos. Não é amável. Publicou a Dom Quixote.
As Três Irmãs Soong — Depois de ter escrito as biografias de Tzu Hsi, a imperatriz viúva conhecida por Cixi, e a de Mao Tse-tung, a chinesa (naturalizada britânica) Jung Chang escreveu agora sobre a vida das três irmãs Soong: a mais velha, a mais nova e a vermelha. Educadas nos Estados Unidos, as três foram muito influentes em campos políticos opostos. A mais velha tornou-se uma das mulheres mais ricas da China e fez do marido primeiro-ministro. A mais nova casou com Chiang Kai-shek. E a vermelha foi vice-presidente de Mao. Jung Chang, que tem uma escrita aliciante, consegue fazer-nos mergulhar no universo da política chinesa. Muito bem documentado, o livro é um tour d’horizon pelo século XX, incluindo notas, portfolio fotográfico e, naturalmente, índice remissivo. Publicou a Quetzal.
Dunbar e As Suas Filhas — A mais negra tragédia familiar de Shakespeare, O Rei Lear, chega às nossas mãos em versão contemporânea. Quem o fez foi Edward St Aubyn, o romancista de língua inglesa mais fulgurante da sua geração (nasceu em 1960). Quem leu essa obra-prima absoluta que é o quinteto Melrose, sabe do que falo. Nascido e educado no seio das classes altas inglesas, St Aubyn conhece por dentro o âmago das relações de poder, dentro e fora da família. Transformar Lear em Henry Dunbar, 80 anos, CEO absoluto de uma multinacional de comunicação, assemelha-se muito ao retrato de Rupert Murdoch. Pode ser que seja. Admirável. Publicou a Bertrand.
Entre Silêncios. Poesia 1961-2018 — Poeta, ensaísta, ficcionista, dramaturga e tradutora, reconhecida como a nossa maior especialista em simbologia, Yvette K. Centeno reuniu a sua obra poética publicada entre 1961 e 2015, à qual acrescentou inéditos escritos até 2018. O registo próximo da sottovoce não isenta esta poesia de algum humor corrosivo. Preciosa edição, que nos devolve uma poeta que andava esquecida. Se não conhece, devia. Publicou a Glaciar.
Herman Melville. Ficção Curta Completa — Prosseguindo a sua criteriosa edição de clássicos, a E-Primatur deu este ano à estampa os contos e outros dispersos da ficção do autor de Moby Dick. Quem não conhece, pode ler aqui os seis Contos da Piazza, que ocupam 245 das 591 páginas do volume. Uma dúzia de textos agora publicados conhece a sua primeira versão em português.
O Triângulo Mágico — Cesariny teve mais sorte que alguns dos seus pares já biografados. António Cândido Franco, professor de linguistica e literatura na Universidade de Évora, biógrafo de Agostinho da Silva, fez a tão esperada biografia do poeta e pintor. Numa narrativa de cunho próprio, isenta de hagiografia, Franco não deixa de fora aspectos melindrosos da vida privada, bem como nenhum dado importante da vida pública de Cesariny. A história do Grupo Surrealista de Lisboa encontra-se muito bem documentada. O volume inclui quadro genealógico, Portaló, doze capítulos, um epílogo, vários anexos, portfolio fotográfico, índice de abreviaturas e uma extensa tábua bibliográfica activa e passiva. O autor conheceu pessoalmente o seu biografado e teve acesso a importantes acervos de correspondência, tendo conversado com testemunhas idóneas. Leitura obrigatória por parte de quem se interessa pelo biografado. Publicou a Quetzal.
Obra Reunida de Manuel de Lima — Quase ninguém se lembra hoje de Manuel de Lima (1915-1976), escritor, musicólogo, crítico e artista plástico. Devemos a Vladimiro Nunes o volume em que sua obra completa foi reunida. A vida errática afastou-o dos círculos dominantes, e o exílio na Venezuela “apagou-o” da vida literária portuguesa. Cumulativamente, João Gaspar Simões e Óscar Lopes, gurus da crítica, não gostavam dos seus livros. Absurdizante, diziam. Era demasiado humor negro e nonsense para os hábitos indígenas. Além dos quatro livros, o volume inclui uma extensa e muito esclarecedora introdução de Vladimiro Nunes, retratos, desenhos, correspondência, fac-símiles de manuscritos, da certidão de nascimento e do assento de óbito, bem como reproduções de pinturas suas que fazem parte do espólio do Museu Carlos Machado, de Ponta Delgada. O careca evidente decerto gostaria deste resgate. Publicou a Ponto de Fuga
Leonardo da Vinci — Coube ao americano Walter Isaacson, professor de História, fazer a biografia de Leonardo. Trabalho ambicioso, respeitador do protocolo académico, porém escrito de forma a interessar o leitor comum. Além das ilustrações a cores (mais de uma centena), o volume inclui explicação sobre um pormenor do retrato escolhido para a capa, relação biográfica dos principais personagens, cronologia do biografado, sessenta páginas de notas, bibliografia e índice remissivo. Ao longo de trinta e três capítulos, a vida de Leonardo flui com naturalidade, desde o seu nascimento em 1452, até à sua morte em 1519. Isaacson não omite nada: nem a condição homossexual, assumida sem complexos, nem os crónicos problemas de dinheiro do homem que fez A Última Ceia, a pintura mais reproduzida de todos os tempos. Notável. Publicou a Porto Editora.