sábado, 11 de setembro de 2021

11/9


Passam hoje 20 anos sobre o dia que mudou a vida de toda a gente. Nada voltou a ser como dantes. Repito o que escrevi no meu livro de memórias: «Quando uma onda de gases, detritos e fumo engoliu a baixa de Manhattan [...] soubemos que o mundo tal como o conhecíamos tinha acabado naquele momento

A imagem mostra quatro das centenas de corpos que saltaram para o vazio. Foi obtida a partir de Here Is New York — álbum fotográfico com 865 páginas de grande formato, concebido e organizado por Alice Rose George, Gilles Peress, Michael Shulan e Charles Traub, editado pela Scalo [Nova Iorque, Berlim, Zurique] em 2002 —, o livro mais terrível que tenho na minha biblioteca.

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sexta-feira, 10 de setembro de 2021

JORGE SAMPAIO 1939-2021


Vítima de insuficiência respiratória, morreu hoje Jorge Sampaio, antigo Presidente da República. Sampaio encontrava-se hospitalizado desde o passado dia 27 de Agosto. Faria 82 anos no próximo dia 18.

Activista estudantil contra a ditadura, advogado de profissão, fundador do MES (1974), ingressou no Partido Socialista em 1978. 

Por nomeação de Soares, chefiou a delegação portuguesa que negociou com a Frelimo o contencioso financeiro com Moçambique. Eleito deputado em 1979, foi líder da respectiva bancada parlamentar, chegando a secretário-geral do PS em 1988, cargo em que se manteve até 1992. Presidente da Câmara de Lisboa (1990-1995) e Presidente da República em dois mandatos (1996-2006), foi uma figura respeitada por todos os quadrantes políticos.

Por escolha das Nações Unidas, exerceu os cargos de Enviado Especial para a Luta contra a Tuberculose (2006) e Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações (2007-2013). Era doutorado honoris causa pelas universidades de Aveiro, Coimbra, Lisboa e Porto.

Casou duas vezes, primeiro com a médica Karin Schmidt Dias, depois com Maria José Ritta, ex-supervisora da TAP, mãe dos seus filhos.

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quinta-feira, 9 de setembro de 2021

ESCOLHAS


Hoje na Sábado:

A holandesa Marieke Lucas Rijneveld (n. 1991) conseguiu a proeza de vencer o International Booker Prize com o livro de estreia, O Desassossego da Noite. Nunca o prémio fora atribuído a alguém tão jovem. Ao receber a notícia, Marieke, então com 29 anos, exclamou: «Estou orgulhosa como uma vaca de sete tetas.» Com acção centrada numa quinta de produtores de leite dos Países Baixos, o plot apoia-se num incidente autobiográfico, a morte acidental do irmão mais velho da narradora, Cas, testemunha da tragédia quando tinha dez anos. Marieke descreve com desenvoltura o dia-a-dia da quinta, o protestantismo da família e, com precisão gráfica, o incesto entre irmãos (muito criativo o uso dado às anilhas das latas de Coca-Cola). Além de sexo e escatologia, o livro subsume violência física e verbal, fisting em bovinos, febre aftosa, abate de animais, barras de sabão introduzidas no reto do pai, etc. Tudo isto em linguagem crua, traduzida directamente do neerlandês por Patrícia Couto. Publicou a Dom Quixote.

Um tour d’horizon sobre a Belle Époque, O Homem do Casaco Vermelho traz de volta Julian Barnes (n. 1946), excelentíssimo autor da literatura de língua inglesa. O ponto de partida é uma viagem a Londres, em 1885, na qual participaram três amigos, um deles Samuel Pozzi, o ginecologista francês que foi amante de Sarah Bernhardt. Barnes decidiu escrever o livro depois de ver o retrato de Pozzi feito por John Singer Sargent (o da sobrecapa e folha de rosto). Digamos que O Homem do Casaco Vermelho é uma espécie de Who’s Who dos anos 1880-90, escrito com minúcia e sagacidade. Estão lá todos, de Oscar Wilde ao conde de Montesquiou (o dândi que Proust imortalizou como Barão de Charlus), de Clemenceau a Dreyfus, de Madame X a Jean Lorrain, de Gide a Henry James, de Huysmans aos irmãos Goncourt. Em suma, um livro culto e divertido, em edição de capa dura com extenso portofolio fotográfico. Publicou a Quetzal. 

Um novo livro de Edna O’Brien (n. 1930), a mais importante escritora irlandesa, é sempre uma boa notícia. Publicado em 2019, Menina é inspirado no rapto, pela seita Boko Haram, das alunas cristãs de uma escola nigeriana. Tudo se passou em 2014, quando mais de duzentas raparigas foram feitas escravas sexuais dos jiadistas. O romance faz silêncio sobre o local do crime, dando voz às vítimas anónimas: «Em tempos fui uma menina, mas já não sou.» Assim começa o relato de Maryam, nome fictício de alguém que sobreviveu ao cativeiro. Para melhor escrever o livro, O’Brien deslocou-se duas vezes à Nigéria. Vão longe os tempos em que as suas obras eram banidas das livrarias de Dublin, muitas delas queimadas em autos-de-fé. Contar a verdade nunca foi fácil, mas O’Brien não desistiu. Descreve a tragédia das rapariguinhas de Chibok com o mesmo desembaraço com que em 1960 descreveu os interditos da sociedade irlandesa. Agora, fez de Menina um romance sobre o indizível. Magnífico. Publicou a Cavalo de Ferro.

Quase toda a gente sabe que Simone Veil (1927-2017) foi a ministra francesa da Saúde que, em 1975, despenalizou a interrupção voluntária da gravidez, tendo sido a primeira mulher a ocupar o cargo de Presidente do Parlamento Europeu. O que nem toda a gente conhece é o seu passado de prisioneira em Auschwitz-Birkenau e Bergen-Belsen. Através dos relatos feitos a David Teboul, A Madrugada em Birkenau recupera o horror da sua deportação (Simone tinha 16 anos), o paroxismo nazi da “solução final” e o regresso a França depois da prisão. Um testemunho indispensável, ilustrado por dezenas de fotografias. Publicou a Quetzal.

Estamos habituados à ficção de Zadie Smith (n. 1975), mas Sinta-se Livre é uma colecção de ensaios deveras estimulantes, especialmente os da Parte V, que tem o título do livro. Originalmente publicados na New York Review of Books e outras revistas, sobre temas tão diferentes como literatura, Brexit, identidade de género, fotografia, censura artística, Facebook, alterações climáticas, cinema, fractura de classes, liberdade, etc., são textos que nos interpelam com opiniões fortes. Publicou a Dom Quixote.

Para assinalar os 700 anos da morte de Dante Alighieri, o historiador da literatura John Took escreveu A Importância de Dante, obra subtitulada como sendo Um Guia para Pessoas Inteligentes. Na realidade, trata-se um esclarecedor companion da vida e obra de Dante, acessível ao leitor comum. Centrado em três obras — A Divina Comédia, A Vida Nova e O Convívio —, Took cativa-nos do princípio ao fim da leitura. Publicou a Bertrand.

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terça-feira, 7 de setembro de 2021

7 DE SETEMBRO DE 1974


Passam hoje 47 anos sobre uma das datas mais trágicas da História de Moçambique: a tentativa de secessão branca de 7 de Setembro de 1974, patrocinada por parte da burguesia branca (empresários e políticos) e por partidos sem expressão popular, alguns deles formados por dissidentes da FRELIMO, tais como, entre outros, o COREMO, o FICO, o GUMO, o MOLIMO, etc. Quatro dias de pesadelo sobre os quais a historiografia portuguesa faz silêncio.

Um dos contos do meu livro Devastação tem como ponto de partida esse fim-de-semana alucinante. Os factos constam do meu livro de memórias — Um Rapaz a Arder —, do qual deixo um breve excerto:

A tentativa de secessão branca de 7 de Setembro de 1974 foi um episódio tenebroso com ramificações nunca devidamente esclarecidas. Nesse sábado foi assinado em Lusaka o acordo que definia os termos e condições da independência de Moçambique, tendo Mário Soares e Samora Machel como principais signatários.

Assim que o facto foi divulgado, um grupo de antigos colonos reunidos no denominado Movimento de Moçambique Livre ocupou as instalações do Rádio Clube e fechou o aeroporto da cidade. Eram seis da tarde. Fiz alguns telefonemas e percebi que a situação era muito grave. Horas antes, um grupo de insurrectos tinha invadido a penitenciária e libertado os pides.

A situação ficou fora de controlo. Jornais pró-independência, como o Notícias e A Tribuna, foram tomados de assalto, o mesmo acontecendo às instalações da Associação Académica. O Diário foi o único jornal que saiu no domingo. Entre alusões patrióticas e recados aos «vendilhões de feira» (o alvo era Soares), apoiava a secessão. Os Democratas de Moçambique, cujo bureau fora destruído, deixaram as suas casas no Sommerschield e na Polana e foram refugiar-se no Caniço. Rui Knopfli foi para casa de José Craveirinha. Os transportes públicos deixaram de circular, grande parte dos restaurantes encerrou e, durante quatro dias, os cinemas não funcionaram.

O Movimento de Moçambique Livre confiava no apoio do Presidente da República, mas Spínola não abriu a boca. E contava também com Jorge Jardim, mas o ideólogo do federalismo desapareceu de cena. Apesar do apoio da BOSS, a polícia política sul-africana, o golpe não teve repercussão noutras cidades de Moçambique, nem sequer na Beira, feudo de Jorge Jardim. Mesmo assim, o MML galvanizou os sectores mais reaccionários de Lourenço Marques.

A cidade mergulhou num caos sem precedentes. Enquanto a tranquibérnia durou, não me atrevi a ir mais longe que o Parque José Cabral, a cem metros de minha casa. O Jorge estava retido em Boane, na escola de oficiais milicianos.

[...] Uma companhia de comandos oriunda do Niassa reabriu o aeroporto e desocupou o Rádio Clube na tarde do dia 10. Soube-se que a opera buffa tinha acabado quando as arengas de Gomes dos Santos e Vellez Grilo foram substituídas pelo grito «Galo, galo, galo. Amanheceu. Galo, amanheceu». Para uns, a senha da Frelimo visava apaziguar o Caniço. Para outros foi o tiro de partida da desforra que se manifestou de forma assaz violenta [centenas de mortos] nas vilas da Machava e da Matola. Parte significativa da população branca via esboroar-se o sonho de uma secessão de perfil rodesiano. O êxodo foi imediato. Entre os dias 10 e 12, as autoridades da África do Sul e da Suazilândia facilitaram a passagem de mais de cinquenta mil brancos, a maioria sem passaporte. Muitos regressaram ao fim de semanas. No dia 12 chegou o almirante Vítor Crespo, investido pelo MFA como alto-comissário português.

— Eduardo Pitta, Um Rapaz a Arder, Lisboa: Quetzal, 2013

Imagem: no rescaldo do golpe, militares patrulham a cidade. Clique.

domingo, 5 de setembro de 2021

LEONOR DE ALMEIDA


UM POEMA POR SEMANA — Para este domingo escolhi Atrás dos Olhos de Leonor de Almeida (1909-1983), poeta ignorada que Vladimiro Nunes tirou do limbo por ocasião da Feira do Livro do Porto de 2020, evento em que foi homenageada.

Para esse resgate contribuiu Claudia Clemente, que em simultâneo publicou Tatuagens de Luz (Documenta, 2020), rigorosa monografia biográfica de cuja iconografia consta a certidão que fixa em definitivo a data de nascimento de Leonor de Almeida.

Natural do Porto, Leonor de Almeida foi poeta, enfermeira, publicista, fisioterapeuta, esteticista e mulher do mundo, tendo vivido largas temporadas em Londres, Paris e Copenhaga. Morreu em Lisboa, onde viveu praticamente incógnita a partir de 1962.

Feminista avant la lettre, foi aclamada pelos críticos mais influentes dos anos 1940 e 50 (entre outros, João Gaspar Simões, Alberto de Serpa, Jacinto Prado Coelho, Melo e Castro), tendo sido incluída por Natália Correia na Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satítica (1966). Seguiu-se mais de meio século de silêncio.

Além dos quatro livros de poesia que publicou entre 1947 e 1960, colaborou (no mesmo lapso de tempo) em quase todas as revistas e jornais de referência, sendo membro da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto. Durante os anos em que viveu na Dinamarca tentou publicar naquele país uma antologia de poesia portuguesa traduzida. Foi casada em segundas núpcias (1951-61) com Alexandre Pinheiro Torres, catorze anos mais novo do que ela.

O poema desta semana pertence a Caminhos Frios (1947), o livro de estreia. A imagem foi obtida a partir de Na Curva Escura dos Cardos do Tempo (2020), volume da sua poesia reunida organizado por Vladimiro Nunes, prefaciado por Ana Luisa Amaral e publicado pela editora Ponto de Fuga.

[Antes deste, foram publicados poemas de Rui Knopfli, Luiza Neto Jorge, Mário Cesariny, Natália Correia, Jorge de Sena, Glória de Sant’Anna, Mário de Sá-Carneiro, Sophia de Mello Breyner Andresen, Herberto Helder, Florbela Espanca, António Gedeão, Fiama Hasse Pais Brandão, Reinaldo Ferreira, Judith Teixeira, Armando Silva Carvalho, Irene Lisboa, António Botto, Ana Hatherly, Alberto de Lacerda, Merícia de Lemos, Vasco Graça Moura, Fernanda de Castro, José Gomes Ferreira, Natércia Freire, Gomes Leal, Salette Tavares, Camilo Pessanha, Edith Arvelos, Cesário Verde, António José Forte e Francisco Bugalho.]

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