Hoje na Sábado:
A holandesa Marieke Lucas Rijneveld (n. 1991) conseguiu a proeza de vencer o International Booker Prize com o livro de estreia, O Desassossego da Noite. Nunca o prémio fora atribuído a alguém tão jovem. Ao receber a notícia, Marieke, então com 29 anos, exclamou: «Estou orgulhosa como uma vaca de sete tetas.» Com acção centrada numa quinta de produtores de leite dos Países Baixos, o plot apoia-se num incidente autobiográfico, a morte acidental do irmão mais velho da narradora, Cas, testemunha da tragédia quando tinha dez anos. Marieke descreve com desenvoltura o dia-a-dia da quinta, o protestantismo da família e, com precisão gráfica, o incesto entre irmãos (muito criativo o uso dado às anilhas das latas de Coca-Cola). Além de sexo e escatologia, o livro subsume violência física e verbal, fisting em bovinos, febre aftosa, abate de animais, barras de sabão introduzidas no reto do pai, etc. Tudo isto em linguagem crua, traduzida directamente do neerlandês por Patrícia Couto. Publicou a Dom Quixote.
Um tour d’horizon sobre a Belle Époque, O Homem do Casaco Vermelho traz de volta Julian Barnes (n. 1946), excelentíssimo autor da literatura de língua inglesa. O ponto de partida é uma viagem a Londres, em 1885, na qual participaram três amigos, um deles Samuel Pozzi, o ginecologista francês que foi amante de Sarah Bernhardt. Barnes decidiu escrever o livro depois de ver o retrato de Pozzi feito por John Singer Sargent (o da sobrecapa e folha de rosto). Digamos que O Homem do Casaco Vermelho é uma espécie de Who’s Who dos anos 1880-90, escrito com minúcia e sagacidade. Estão lá todos, de Oscar Wilde ao conde de Montesquiou (o dândi que Proust imortalizou como Barão de Charlus), de Clemenceau a Dreyfus, de Madame X a Jean Lorrain, de Gide a Henry James, de Huysmans aos irmãos Goncourt. Em suma, um livro culto e divertido, em edição de capa dura com extenso portofolio fotográfico. Publicou a Quetzal.
Um novo livro de Edna O’Brien (n. 1930), a mais importante escritora irlandesa, é sempre uma boa notícia. Publicado em 2019, Menina é inspirado no rapto, pela seita Boko Haram, das alunas cristãs de uma escola nigeriana. Tudo se passou em 2014, quando mais de duzentas raparigas foram feitas escravas sexuais dos jiadistas. O romance faz silêncio sobre o local do crime, dando voz às vítimas anónimas: «Em tempos fui uma menina, mas já não sou.» Assim começa o relato de Maryam, nome fictício de alguém que sobreviveu ao cativeiro. Para melhor escrever o livro, O’Brien deslocou-se duas vezes à Nigéria. Vão longe os tempos em que as suas obras eram banidas das livrarias de Dublin, muitas delas queimadas em autos-de-fé. Contar a verdade nunca foi fácil, mas O’Brien não desistiu. Descreve a tragédia das rapariguinhas de Chibok com o mesmo desembaraço com que em 1960 descreveu os interditos da sociedade irlandesa. Agora, fez de Menina um romance sobre o indizível. Magnífico. Publicou a Cavalo de Ferro.
Quase toda a gente sabe que Simone Veil (1927-2017) foi a ministra francesa da Saúde que, em 1975, despenalizou a interrupção voluntária da gravidez, tendo sido a primeira mulher a ocupar o cargo de Presidente do Parlamento Europeu. O que nem toda a gente conhece é o seu passado de prisioneira em Auschwitz-Birkenau e Bergen-Belsen. Através dos relatos feitos a David Teboul, A Madrugada em Birkenau recupera o horror da sua deportação (Simone tinha 16 anos), o paroxismo nazi da “solução final” e o regresso a França depois da prisão. Um testemunho indispensável, ilustrado por dezenas de fotografias. Publicou a Quetzal.
Estamos habituados à ficção de Zadie Smith (n. 1975), mas Sinta-se Livre é uma colecção de ensaios deveras estimulantes, especialmente os da Parte V, que tem o título do livro. Originalmente publicados na New York Review of Books e outras revistas, sobre temas tão diferentes como literatura, Brexit, identidade de género, fotografia, censura artística, Facebook, alterações climáticas, cinema, fractura de classes, liberdade, etc., são textos que nos interpelam com opiniões fortes. Publicou a Dom Quixote.
Para assinalar os 700 anos da morte de Dante Alighieri, o historiador da literatura John Took escreveu A Importância de Dante, obra subtitulada como sendo Um Guia para Pessoas Inteligentes. Na realidade, trata-se um esclarecedor companion da vida e obra de Dante, acessível ao leitor comum. Centrado em três obras — A Divina Comédia, A Vida Nova e O Convívio —, Took cativa-nos do princípio ao fim da leitura. Publicou a Bertrand.
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