sábado, 4 de janeiro de 2020

APOCALIPSE AGAIN


O governador-geral da Austrália, David Hurley, assinou a ordem de mobilização de três mil reservistas do Exército para ajudar as populações afectadas pelos fogos nos Estados de Nova Gales do Sul e Victoria.

A mobilização tem carácter obrigatório e ocorre pela primeira vez no país. Linda Reynolds, ministra da Defesa, declarou que os reservistas «permanecerão no terreno enquanto forem necessários

O navio HMAS Adelaide, o maior da Marinha de Guerra, juntou-se ao HMAS Choules nas operações de resgate de populações.

Scott Morrison, o primeiro-ministro, cancelou as viagens oficiais à Índia e ao Japão, agendadas para esta semana.

Clique na imagem do jornal The Australian.

EM QUE FICAMOS?


Vejo gente a rasgar as vestes por terem pichado uma instalação de Pedro Cabrita Reis em Leça da Palmeira. Crime, sem dúvida.

Mas não vejo essas pessoas preocupadas com a vandalização de Lisboa e outras cidades. Património histórico, edifícios acabados de recuperar, muros, viadutos, estações de metropolitano, sinais de trânsito, etc., nada tem escapado à pichação.

Um italiano, de nome Geco, vandalizou centenas de sinais de trânsito (e estações de comboio, e placards do metropolitano) em toda a cidade, sem que as autoridades reagissem.

A Câmara de Lisboa não pode escudar-se no diferendo jurídico que há dois anos a opõe ao Tribunal de Contas, a pretexto de que foi chumbado o ajuste directo para a remoção de graffitis.

Portanto, em que ficamos? Estando a falar do mesmo crime, não podemos ter dois pesos e duas medidas. A pichação operada na instalação de Pedro Cabrita Reis é o corolário de uma pulsão que tem sido acarinhada pelos mesmos que hoje rasgam as vestes.

Clique na imagem.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

O APOCALIPSE

Gladys Berejiklian, primeira-ministra de Nova Gales do Sul (não confundir com o Governo Nacional australiano, chefiado por Scott Morrison), alertou a população das áreas afectadas pelos fogos, cerca de 300 mil pessoas, para a necessidade de abandonarem essas áreas antes do amanhecer de sábado, dia em que se espera um agravamento da situação: «Há uma janela até hoje à noite

Neste momento, no local, começou a madrugada de sexta para sábado: são 00:10h.

Nova Gales do Sul é um dos seis Estados australianos com governo próprio.

Além de 19 pessoas, morreram milhões de animais, uns queimados, outros abatidos pelos proprietários.

Não há palavras para o horror.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

NORBERTO BARROCA 1937-2020


Morreu hoje Norberto Barroca, actor, encenador, cenógrafo, figurinista e arquitecto de quem fui amigo.

O Norberto viveu cerca de três anos em Lourenço Marques, integrado num projecto de requalificação do Caniço, mas depressa entrou no programa da Gulbenkian que apoiava dois grupos de teatro locais, o TALM e o TEUM.

Após o regresso a Portugal, integrou o Teatro Experimental de Cascais, a Casa da Comédia, o Teatro Estúdio de Lisboa, a Barraca, a Comuna, o Novo Grupo/Teatro Aberto, o Teatro Nacional D. Maria II, a Seiva Trupe, a Centelha (de Viseu) e outros. Foi director artístico do Teatro Experimental do Porto e do Teatro São Luiz de Lisboa. Do seu repertório fazem parte obras de Gil Vicente, Francisco Manuel de Mello, Sttau Monteiro, Pirandello, Shakespeare, Joe Orton, etc. Como actor e encenador trabalhou com toda a gente que conta no teatro português, tendo entrado em filmes de Manoel de Oliveira, Jorge Silva Melo, Paulo Rocha e Eduardo Geada. Tinha 82 anos.

Clique na foto do Jornal da Marinha Grande, cidade onde nasceu. A autarquia decretou luto municipal.

AUSTRÁLIA


A tragédia dos fogos australianos atingiu o ponto de não retorno. Até ao momento: dezassete mortos confirmados, dezenas de milhares de pessoas encurraladas nos Estados de Nova Gales do Sul e de Victoria (a maioria sem água e comida), vinte cidades cercadas pelas chamas, milhares de casas reduzidas a cinzas, milhões de animais queimados, etc. A cidade de Balmoral, a sudoeste de Sydney, praticamente desapareceu do mapa.

As evacuações em massa, muitas delas por mar, não devem evitar o número de vítimas mortais, pois o navio de desembarque militar HMAS Choules transporta apenas oitocentas pessoas de cada vez, e os aviões não chegam aos pontos críticos.

Isto leva-nos a reflectir sobre o futuro que nos espera. Quando a tragédia for global, e esse momento há de chegar, os governos democráticos serão substituídos por ditaduras. Ditaduras não são bolsonarices nem trumpices, são regimes totalitários. Nos romances distópicos de Anna Kavan, Philip K. Dick, Margaret Atwood e outros, podemos antecipar esse futuro negro.

Na imagem, um grupo de pessoas aguarda evacuação na praia de Batemans Bay, em Nova Gales do Sul.

Clique na imagem de El País.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

BEST OF

O meu coração balança entre o concerto de Viena, a patada de Francisco (o Papa) e os dois mil drones a iluminarem a noite de Xangai. O concerto é um remake sempre deslumbrante, a impaciência papal acrescenta dimensão humana à Igreja de Roma e a tecnologia ao serviço da coreografia antecipa o futuro.

terça-feira, 31 de dezembro de 2019

O RÉVEILLON DE 1974


A última passagem de ano que fiz em Lourenço Marques foi a de 1974, tinha então 25 anos. Nos meses anteriores, a cidade tinha vivido dois momentos de tragédia.

Primeiro, a tentativa de secessão branca de 7 de Setembro de 1974, o sábado em que foi assinado o Acordo de Lusaka, documento que definiu os termos e condições da independência de Moçambique.

Nessa tarde, um grupo de antigos colonos reunidos no denominado Movimento de Moçambique Livre ocupou as instalações do Rádio Clube e fechou o aeroporto da cidade. Depressa percebi que a situação era muito grave: milhares de pessoas na rua, invasão da cadeia central para libertar os pides, jornais pró-independência (como o Notícias e A Tribuna) tomados de assalto, Associação Académica incendiada, amigos refugiados em locais improváveis, etc. Durante quatro dias, a situação ficou fora de controlo. O MML contava com o apoio de Spínola, mas o general não abriu a boca. Na tarde do dia 10, uma companhia de Comandos, oriunda do Niassa, reabriu o aeroporto e desocupou o Rádio Clube. Nas 48 horas que se seguiram, as autoridades da África do Sul e da Suazilândia facilitaram a passagem de mais de cinquenta mil brancos. No dia 12 chegou o almirante Vítor Crespo, investido pelo MFA como alto-comissário português. No dia 20, nove meses antes da independência, tomou posse o Governo de transição. A tranquibérnia teve como saldo centenas de mortos.

Seis semanas passadas, o fatídico 21 de Outubro, acção de agitprop pensada ao milímetro. Nesse dia, a partir do anoitecer, um vento de insânia varreu os bairros da periferia e todas as povoações num raio de vinte quilómetros. Por vento de insânia entenda-se casas pilhadas e incendiadas, mulheres violadas, crianças brancas penduradas em ganchos de talho, negros esquartejados, corpos decapitados, etc. Nos bairros burgueses da Maxaquene, Ponta Vermelha, Polana e Sommerschield, nada sucedeu. O aeroporto foi encerrado, mas as fronteiras com a África do Sul e a Suazilândia mantiveram-se abertas durante toda a noite. O número de mortos nunca foi oficialmente divulgado. A imprensa afecta à Frelimo falou de cem. Médicos e enfermeiros terão identificado para cima de dois mil.

Face a tudo isto, não admira que o réveillon fosse encarado com todas as precauções. Foi então que um amigo, o Américo Rola Pereira, decidiu organizar uma passagem de ano a bordo de um dos ferry boats que faziam a ligação com a Katembe. Fretou-o, e o barco partiu do cais da Fazenda às oito da noite, ficando a vogar na baía até à manhã seguinte. Quem quisesse regressar a casa mais cedo podia fazê-lo num gasolina destinado para o efeito.

Não sei se foi o último baile do Império, mas foi assaz divertido. Duas “orquestras” revezaram-se, o catering era bom e todos nós, embora conscientes da débâcle, estivemos distendidos nessa noite esplêndida.

O réveillon de 1975 já foi no Estoril.

Na imagem, Lourenço Marques vista da praia da Katembe. Clique.