sábado, 1 de dezembro de 2018

PARIS A FERRO E FOGO



Tenho estado a acompanhar a tranquibérnia francesa através da France 24. Imagens terríveis, sobretudo as de Paris, onde estão a ser incendiadas milhares de viaturas particulares, erguidas barricadas, vandalizadas lojas de luxo, cafés, restaurantes e agências bancárias. Macron parece vir a caminho da cimeira do G20, porque, diz ele, não gosta de violência. Entretanto, Édouard Philippe, o primeiro-ministro, cancelou a ida à Polónia onde participaria na cimeira do clima. Para a próxima madrugada está prevista uma reunião do gabinete de crise. Já toda a gente percebeu que chegámos ao turning point.

Os gilets jaunes queixam-se do custo de vida e da carga fiscal. É muito provável que tenham razão. Voltamos a falar quando Marine Le Pen correr com Macron do Eliseu. Será mais rápido do que gostaríamos. Vai acontecer, não por mérito seu (dela), mas porque Macron e a sua clique criaram todas as condições para que assim fosse.

Clique na imagem.

FUNDAÇÃO MÁRIO SOARES


Confirmam-se os piores prognósticos: com o orçamento reduzido de forma drástica, a Fundação Mário Soares arrisca-se a ficar reduzida à biblioteca e arquivo pessoal do fundador do PS e antigo Presidente da República.

Arquivos importantes, como os de Afonso Costa, Bernardino Machado, Bento de Jesus Caraça, Amílcar Cabral, o testamento de Buíça (o regicida), etc., serão provavelmente transferidos para a Torre do Tombo. Embora grande parte do acervo esteja digitalizado, esse trabalho encontra-se por concluir.

Depois da morte de Soares, o conjunto dos subsídios privados caiu para metade e, nalguns casos, para menos de 10% (a Fundação EDP passou de 75 mil para 7 mil euros). Acabou a edição de livros, a organização de conferências e exposições, bem como a classificação e arquivo de espólios de natureza histórica.

Ao contrário de Eanes, Sampaio e Cavaco, que, no fim dos respectivos mandatos, instalaram os seus gabinetes em instalações preparadas para o efeito (Eanes no andar de um prédio de apartamentos da Avenida 5 de Outubro; Sampaio na Casa do Regalo, um palacete mandado construir por Dom Carlos, situado no topo da Tapada das Necessidades, que teve de ser completamente restaurado, sofrendo obras profundas, incluindo o jardim envolvente; Cavaco numa ala do Convento do Sacramento, em Alcântara, adaptada para o efeito), Soares optou por instalar o gabinete na sua Fundação.

Se acontecer o pior, é uma parte da nossa História que fica (se ficar) com acesso dificultado a historiadores, investigadores, jornalistas e estudantes. Trágico.

Na imagem, um dos átrios da Fundação Mário Soares. Clique.

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

OE 2019 APROVADO


Com os votos do PS, BE, PCP, PEV e PAN, o OE 2019 foi aprovado hoje em votação final global. É o quarto Orçamento de Estado aprovado pela maioria de Esquerda, sem nunca ter havido necessidade de orçamentos rectificativos (como aconteceu com todos os orçamentos de Passos & Portas). No discurso de encerramento, o primeiro-ministro anunciou que Portugal vai liquidar, até ao fim de Dezembro, o empréstimo do FMI.

Clique na imagem do Público.

LARGO JOSÉ SARAMAGO


O Campo das Cebolas vai passar a designar-se Largo José Saramago. O PSD e o CDS votaram contra, tendo os sociais-democratas alegado que a decisão configura «um substancial desrespeito à história da cidade». Para quem não sabe, o Campo das Cebolas ocupa toda a área compreendida entre a Rua dos Bacalhoeiros e a Rua Infante Dom Henrique, sendo atravessado pela Rua da Alfândega.

Fernando Medina lembrou que a designação ‘Campo das Cebolas’ nunca esteve registada na toponímia da cidade. No local, encontra-se a Fundação José Saramago, que desde 2012 ocupa a Casa dos Bicos, uma extensão do Museu da Cidade.

Clique na imagem.

VITORINO NEMÉSIO


Hoje na Sábado escrevo sobre Poesia 1916-1940, o primeiro volume da obra completa de Vitorino Nemésio (1901-1978), poeta, ficcionista, dramaturgo, ensaísta, memorialista e cronista. Em boa hora a Imprensa Nacional, em parceria com a Companhia das Ilhas, decidiu reeditar a Obra. A este volume seguir-se-ão outros três de poesia, mais três de ficção e teatro, quatro de ensaio, e ainda seis de diário e crónicas. O presente volume, da responsabilidade de Luiz Fagundes Duarte, colige a poesia da juvenília — ou seja, a que foi publicada antes de 1935 —, acrescentando-lhe dois livros centrais à maturidade do autor: O Bicho Harmonioso (1938) e Eu, Comovido a Oeste (1940). Inclui também o prefácio escrito por Nemésio quando pela primeira vez organizou a sua poesia ‘completa’. Leitor de português na Universidade de Montpellier, foi ali que Nemésio deu à estampa La voyelle promise (1935), mas, passados 83 anos, não faz sentido continuar a publicar o livro em francês: as edições bilingues servem para preservar o texto original. Seria pleonástico insistir na importância da poesia nemesiana: «Mas então isto que é? Que violino engoli? / Que frauta rude aveludou a minha noite?» Uma voz de oiro. Cinco estrelas. Publicou a Imprensa Nacional em parceria com a Companhia das Ilhas.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

MARIALVISMO

Com os votos do PCP, PEV, PSD, CDS e 43 deputados do PS (incluindo o presidente do grupo parlamentar), o Parlamento aprovou a descida do IVA para as touradas, chumbando a proposta do Governo para o OE2019.

O BE, 40 deputados do PS e o deputado do PAN, votaram contra.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

IDIOTIA, BIRRAS & CHUVA DOURADA


Convém ler para perceber a natureza do homem. É pior do que se avalia à distância, mas nem todas as percepções, deste lado do Atlântico, são correctas. Há outro lado curioso: um livro destes, com este tipo de informação sobre assuntos de Estado, seria possível em Portugal?

Por exemplo, aqui ou em qualquer outro país europeu, seria possível publicar um livro sobre Chefes de Estado ou de Governo, em funções, com cenas de natureza sexual explícita?

Bob Woodward cita o episódio escabroso, transcrito de um relatório da CIA, sobre cenas de chuva dourada... na suíte presidencial do Ritz Carlton de Moscovo, com prostitutas contratadas para o efeito. Episódio gravado e filmado pelo FSB (ex-KGB) da Rússia. Quem viu House of Cards não fica surpreendido. Mas isto não é uma série de ficção. Estamos a falar de um livro de História em tempo real, escrito pelo jornalista mais respeitado da América.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

BERNARDO BERTOLUCCI 1941-2018


Agora que Bertolucci nos deixou, talvez não fosse má ideia a RTP transmitir um ciclo de filmes seus, começando com o extraordinário Novecento, que entre nós se chamou 1900. Como muito gente estará lembrada, o filme, devido à sua duração, era exibido em duas partes, de 160 minutos cada, a primeira no São Jorge, e a segunda no Mundial, que já não existe (era na Rua Martens Ferrão, em Picoas, junto ao palácio Sotto Mayor). Nunca mais se fez um filme como Novecento, hoje mais do que nunca importante, porque ajuda a explicar os últimos cem anos.

Mas também me apetecia rever O Conformista, A estratégia da aranha, La Luna, A tragédia de um homem ridículo, Os sonhadores. Bertolucci é um mestre de interditos, sem as transgressões operáticas de Visconti, os álibis intelectuais de Antonioni, ou a cenografia do excesso que fez a imagem de marca de Fellini, e talvez por isso, até por ter construído a obra no início do ocaso do cinema europeu, não gozou da idolatria votada a este trio de conterrâneos.

Vá, não custa nada, e não é preciso ir buscar o filme que deu novos usos à margarina, nem o outro que lhe valeu um óscar.

METRO & DESINVESTIMENTO


O desinvestimento do Estado no SNS, em obras públicas, transportes e comunicações, verificado entre 2011 e 2015, por opção de Passos, Portas, Gaspar e Maria Luís, reflecte-se agora no nosso dia-a-dia. Salvam-se as autoestradas, geridas, felizmente, por parcerias público-privadas.

O que se passou esta manhã na linha verde do Metro de Lisboa (carruagens cheias de fumo), o que passa há oito meses consecutivos com os comboios da REFER, as falhas notórias do Serviço Nacional de Saúde, etc., são consequência imediata desse desinvestimento.

Sobre o Metro, em particular, convém lembrar o estado em que se encontram as estações de Arroios e do Areeiro. A primeira está encerrada desde Julho de 2017, prevendo-se a reabertura para Novembro de 2019. A segunda tem metade do cais encerrado: embora concluído, o prolongamento feito entre 2008 e 2014 nunca foi aberto. Ao fim de dez anos de obras, os utentes continuam a ter de sair pelo lado Sul, porque o lado Norte, com acesso directo à estação de comboios, mantém-se encerrado. A Câmara lava as mãos.

Não chega ter posto travão no desinvestimento. O Governo tem mesmo de intervir a fundo nessas áreas. O SNS e os transportes públicos são mais importantes que as reivindicações salariais dos sectores profissionais do costume.

Na imagem, uma das entradas da estação do Intendente, esta manhã. Clique.

domingo, 25 de novembro de 2018

25 DE NOVEMBRO


Faz hoje 43 anos Portugal esteve à beira da guerra civil. Eu tinha chegado há exactamente dezassete dias, ou seja, naquele 8 de Novembro em que o VI Governo Provisório mandou dinamitar os emissores da Rádio Renascença, controlada pela extrema-esquerda.

Sobre o 25 de Novembro, transcrevo do meu livro de memórias:

Dias depois desse reencontro aconteceu o 25 de Novembro. Passei o dia no Estoril, a tal ponto alheado dos acontecimentos que fui com o Jorge jantar a Lisboa e a seguir ao cinema. O Galeto teria talvez uma dúzia de clientes, mas no primeiro balcão do Império éramos os únicos espectadores. Só no comboio de regresso a casa soubemos do recolher obrigatório. O passeio impediu que tivéssemos visto Duran Clemente a ser substituído por Danny Kaye — The Man from the Diner’s Club foi o sinal inequívoco de que o PREC tinha acabado.

Com a imprensa nacionalizada desde a intentona de 11 de Março de 1975, o Governo impôs um período de nojo. Não se publicaram jornais durante mais de quinze dias. Quem quisesse saber o que se passava em Portugal, ouvia a BBC ou comprava o Monde. A excepção era o Expresso, que durante dois meses (entre 5 de Novembro de 1975 e 7 de Janeiro de 1976) foi bissemanário, saindo às quartas e sábados. A edição extra era feita por Vicente Jorge Silva e Helena Vaz da Silva.

Dos restantes, o primeiro a reaparecer foi o Diário Popular, que voltou à rua a 11 de Dezembro, mantendo Jacinto Baptista na direcção. Nesse mesmo dia começou a publicar-se um jornal ultraconservador, O Dia, dirigido por Vitorino Nemésio. O Diário de Notícias esteve fechado praticamente um mês, voltando às bancas a 22 de Dezembro. Victor Cunha Rego era o director, e Mário Mesquita o adjunto. [...]

Entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975, o Diário de Notícias fora porta-voz do Partido Comunista. Depois do saneamento dos 24, a direita lançou um slogan tonitruante: O diário é do povo, não é de Moscovo! Luís de Barros, marido de Maria Teresa Horta, era o director, mas quem de facto mandava era Saramago.

A contra-revolução não surpreendeu ninguém. O detonador foi a demissão de Otelo Saraiva de Carvalho do comando da Região Militar de Lisboa. Vasco Lourenço, que o substituiu, pôs um travão nas veleidades da extrema-esquerda militar e civil. Ao mesmo tempo, Soares induziu Pinheiro de Azevedo a cessar funções, dando origem à greve do Governo, com início a 19 de Novembro. Ministros e deputados trocaram Lisboa pelo Porto. Francisco Sá Carneiro estava na RFA. A Constituinte suspendeu os trabalhos por oito dias. Para quem estava de fora, a história conta-se numa frase: Soares e os militares moderados fizeram abortar a Comuna de Lisboa, pondo fim a dezanove meses de excessos. Se quisermos ver as coisas com distanciação histórica, diremos, com Jorge Silva Melo — «ao deixar Soares ser apoiado pela direita a partir da Alameda, é o 25 de Novembro que nasce». Vale a pena meditar.

Grosso modo, os militares moderados eram representados pelo fleumático Grupo dos Nove, que em Setembro forçara a substituição de Vasco Gonçalves por Pinheiro de Azevedo. A mudança foi decisiva. De nada valeu aos pára-quedistas terem ocupado o comando da 1.ª Região Aérea (Monsanto) e as bases de Tancos, Monte Real, Montijo e Ota. A sua acção foi pouco mais que simbólica. O poder de fogo havia sido transferido para o Norte, Costa Gomes obteve de Cunhal a neutralidade do PCP, e o Regimento de Comandos da Amadora, liderado por Jaime Neves, obrigou a Polícia Militar a render-se.

Quando a normalidade foi reposta, um tenente-coronel de que pouca gente ouvira falar, Ramalho Eanes, assumiu a chefia do exército. Sete meses depois, a 27 de Junho de 1976, com o apoio de Soares e de toda a direita, mesmo a mais revanchista, Eanes tornou-se o primeiro Presidente eleito por sufrágio directo e universal. Otelo e Pinheiro de Azevedo também concorreram. [...]» — Eduardo Pitta, Um Rapaz a Arder, Lisboa: Quetzal, 2013.

DONE


Os líderes dos 27 aprovaram esta manhã o termos do acordo de saída do Reino Unido. Ao dossier de 500 páginas divulgado no passado dia 14, juntou-se hoje um protocolo de 26 páginas que estabelece as bases do relacionamento do reino de Sua Majestade com a UE a partir de 29 de Março de 2019. Por exemplo, os 27 vão manter o direito de pescar em águas britânicas.

Agora falta o mais difícil: aprovar o Acordo no Parlamento britânico (a votação deverá ocorrer a 11 de Dezembro). Na hipótese provável de um chumbo, quem sai a perder é o Reino Unido. Uma saída à bruta, como pretendem os adversários de Theresa May, prejudicaria toda a gente, a começar pelos britânicos.