sábado, 21 de janeiro de 2017

CRONOLOGIA DO HORROR

Dilma foi destituída. O Brexit venceu. Theresa May está disposta a pôr um ponto final nas negociações de saída se os antigos parceiros não fizerem o que ela quer. Vamos voltar a ser grandes, disse. Ter em conta o tiro de partida: ainda o Artigo 50 não foi accionado e o Reino Unido já se auto-excluiu do Mercado Único Europeu. A Turquia, membro da NATO, vive em situação de pré-ditadura, com mais de seis mil pessoas presas por delito de opinião. Apesar de uma vantagem de três milhões de votos, Hillary Clinton não sucedeu a Obama. Trump tomou posse e ditou as novas regras. Vamos reconstruir a América, disse. Marine Le Pen vai vencer as presidenciais francesas de Abril.

Hoje, em Koblenz, na Alemanha, tem início a Cimeira da Extrema-Direita Europeia: Marine Le Pen, da França, Frauke Petry, da Alemanha, Geert Wilders, da Holanda, Matteo Salvini, da Itália, Norbert Hofer, da Áustria, etc. A cimeira tem como objectivo prioritário levar os seus países a fechar as portas à imigração, acabar com o Espaço Schengen, sair da UE e da moeda única. Putin nunca se divertiu tanto. Por último mas não em último, Nigel Farage, antigo líder do UKIP, foi convidado (e aceitou) ser comentador político da Fox News. A sugestão partiu de Trump. Em pano de fundo, milhões de refugiados morrem gelados nos compounds da Turquia e da Grécia.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

NOVA ERA

Quando forem cinco da tarde em Portugal, Trump toma posse como 45.º Presidente dos Estados Unidos. John G. Roberts Jr., juiz do Supremo, preside ao juramento. A inauguração (chama-se assim à tomada de posse) decorre como sempre num dos terraços de acesso ao Capitólio. Acontece que o executivo da Casa Branca ainda não tem luz verde do Congresso: dos seus quinze membros, apenas dois têm a nomeação validada, estando sete na iminência de serem chumbados.

Pelas piores razões, hoje é um dia histórico. Começa uma Nova Era e ninguém sabe exactamente o que isso significa. Não foi por acaso que Theresa May fez o discurso que fez no passado dia 17. Se o fizesse depois da posse de Trump, a primeira-ministra britânica passaria aos olhos de todos como marionete de Washington. O statement de Lancaster House foi imposto pela Nova Era. Ao decretar que o Reino Unido abandona imediatamente o Mercado Único Europeu, qualquer que seja a duração das negociações do Brexit, Theresa May deixou claro estar disposta a bater com a porta de forma unilateral e a qualquer momento. Isso só acontece porque a partir de hoje começa uma Nova Era.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

ANNEMARIE & TEOLINDA


Hoje na Sábado escrevo sobre Todos os Caminhos Estão Abertos, de Annemarie Schwarzenbach (1908-1942), escritora e fotógrafa suíça, mas também arqueóloga, autora que tem sido tratada com indiferença pelos editores portugueses. Todos os Caminhos Estão Abertos, agora publicado, parece-me ser o segundo dos seus livros traduzido em Portugal. Em 2008, a Tinta da China publicou Morte na Pérsia, mas continuam por traduzir muitos títulos. Nem o facto de Annemarie ter vivido em Lisboa em 1941 (era então casada com um diplomata francês), ano em que a cidade foi ponto de passagem dos judeus em fuga do nazismo, suscita interesse de maior. Verdade que Annemarie é hoje uma figura de culto à margem da obra literária. A origem aristocrática, a beleza andrógina, a militância anti-fascista, as ligações amorosas com mulheres célebres (entre outras, Carson McCullers e Erika Mann), as histórias associadas às viagens que fez aos Balcãs, Turquia, Pérsia, Palestina, Iraque, Índia, etc., as expedições arqueológicas, as reportagens fotográficas da Grande Depressão americana, as tentativas de suicídio, a dependência da morfina e, last but not least, a circunstância de ter morrido aos 34 anos em consequência de ter caído de uma bicicleta, tudo contribui para o mito. Coligindo textos publicados na imprensa com inéditos, Todos os Caminhos Estão Abertos é o relato de uma viagem ao Afeganistão, entre 1939 e 1940, na companhia de Ella Maillart. As duas partiram de Genebra no carro de Annemarie e só a eclosão da Segunda Grande Guerra abreviou a aventura. No fatídico 1 de Setembro de 1939 estavam em Herat, sem saber do estado do mundo. A reportagem não está isenta de ironia. Annemarie não poupa na invectiva aos hábitos ocidentais, em especial britânicos, parodiando o seu (deles) formalismo por oposição à frugalidade adoptada por si e pela companheira: «nós viajámos sós, sem boy nem chauffeur e, até mesmo, sem gentleman.» A consciência da vaga nazi está presente na narrativa, em particular durante a travessia da Áustria. Apesar da empatia demonstrada pelas tribos afegãs, o tom é objectivo, quase neutro, porém “fotográfico”. É curioso verificar como a Cabul daqueles anos em pouco difere da Cabul descrita na actualidade. Mas tudo acaba em Port Said, no Suez. Quatro estrelas. Publicou a Relógio d’Água.

Escrevo ainda sobre Prantos, amores e outros desvarios, de Teolinda Gersão (n. 1940). Seria pleonástico insistir nos recursos discursivos da autora, patentes nos romances e contos que publicou a partir de 1981. A recente atribuição do Prémio Vergílio Ferreira, distinguindo o conjunto da obra, é um corolário justo. Catorze contos dão corpo a esta colectânea que assinala a sua passagem para o catálogo da Porto Editora. Numa escrita que flui com naturalidade, Teolinda narra episódios prosaicos com aparente displicência. Na realidade, esse universo “normalizado” não está isento de violência. Descrito num tom cordato, o quotidiano das pessoas comuns apresenta-se como o conhecemos: um labirinto de interditos. Traços distintivos que Teolinda manobra com exemplar eficácia: rigor vocabular, mordacidade, ausência de ênfase ou delíquio sentimental. Quase sempre histórias de mulheres da actual classe média urbana. A excepção é Alice in Thunderland, que fecha o volume. É o conto mais extenso, e afasta-se do imaginário precedente. Teolinda faz com ele a close reading da obra mítica de Lewis Carroll. Não foi a primeira nem será a última a ficcionar os recessos do reverendo Dodgson, mas, em português, ninguém escavou tanto. A tese é simples: Through a looking glass foi um truque. Quatro estrelas. Publicou a Porto Editora.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

CONCERTAÇÃO SOCIAL


De que serviu a gritaria de Assunção Cristas? O Governo aprovou o decreto que entra amanhã em vigor. O Presidente da República promulgou. Os parceiros assinaram o Acordo. A peixeirada da líder do CDS foi deprimente. Clique na imagem.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

MARIA CABRAL 1941-2017


Morreu no sábado, dia 14, em Paris, a actriz Maria Cabral, rosto mítico do Novo Cinema Português. Tinha 75 anos. A notícia foi dada hoje pela Academia Portuguesa de Cinema. Maria Cabral tornou-se célebre com O Cerco (1970), de Cunha Telles, tendo protagonizado vários outros filmes, tais como O Recado (1971), de Fonseca e Costa, Vidas (1984), também de Cunha Telles, No Man’s Land (1985) de Alain Tanner, e Um Adeus Português (1986), de João Botelho. Do seu casamento (1964-71) com Vasco Pulido Valente nasceu uma filha, Patrícia Cabral, que foi nos anos 1980 a mais iconoclasta crítica literária portuguesa.