quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

MARINA PEREZAGUA


Hoje na Sábado escrevo sobre Yoro, de Marina Perezagua (n. 1978). Mais conhecida como contista, a espanhola chega à edição portuguesa com o único romance que publicou. Seria bom editar as colectâneas de contos. A escrita de Marina, que vive e lecciona em Nova Iorque, tem sido comparada com a de Djuna Barnes. A avaliação vale o que vale, mas dá a medida da recepção crítica. Sem prejuízo da fluidez, não é despiciendo que a estrutura deste romance deva quase tudo à matriz do conto. Tomemos como exemplo a história de Herculine Barbin, a/o hermafrodita, que pode ler-se como texto autónomo. O livro abre com uma enigmática declaração de interesses, assinada H., algures na República Democrática do Congo. Descobrimos então que aquele H, vogal muda em castelhano, inicial de Hiroxima, corresponde à identidade da narradora. Afinal, é das sequelas da bomba que Yoro trata, e em paralelo com a saga de Jim, o soldado americano que «viu e acariciou a pele» da mãe de Yoro. A narrativa contrapõe realidades distintas, duas em particular, Hiroxima e um incêndio no Congo. Corolário: a devastação não se mede pelo impacto imediato. As mortes individuais, «pela fome, a escravatura, a doença», acrescidas dos abusos sexuais que o status quo permite e finge ignorar, em nada se distinguem de um bombardeamento planificado. O que a autora sublinha é justamente o indizível: o genocídio japonês de 1945 e o quotidiano de certas zonas de África (nos nossos dias) são sobreponíveis. Uma tese escorregadia que Marina Perezagua defende bem, tendo como ponto de partida as minas de urânio, e a relação entre uma coisa e outra, de tão óbvia, dispensa grandes explicações. São vários os episódios que acentuam o carácter desconcertante da narrativa. Desde logo a peculiar gravidez da narradora. Mas também a descoberta, na Hungria, de «um vibrador [um pénis com dezoito centímetros] que os arqueólogos datavam do período Mesolítico…», um dos muitos artefactos sexuais que a autora descreve com minúcia nas páginas que dedica ao tema. O «prazer de matar» vem associado ao terceiro orgasmo: «Como vê, nunca poderá dizer que sou frígida.» Neste caso, terceiro não é número, mas género: orgasmo heterossexual, homossexual, assassino. Crime, disse ela. Quatro estrelas. Publicou a Elsinore.

BEST OF


O Best Of da Sábado saiu hoje. Aqui ficam a minhas escolhas:

Todos os Contos, Clarice Lispector / Relógio d’Água
Uma rapariga é uma Coisa Inacabada, Eimear McBride / Elsinore
Túnel de Pombos, John Le Carré / Dom Quixote
A Gorda, Isabela Figueiredo / Caminho
A Última Noite e Outras Histórias, James Salter / Livros do Brasil

Clique na imagem.

MÃE & FILHA


Para mal dos meus pecados, não faço parte da legião de pessoas que conhecia a Princesa Leia de Star Wars. Nem sabia que Carrie Fisher era filha de Debbie Reynolds (1932-2016), que morreu ontem durante os preparativos do funeral da filha. As gerações mais novas não sabem quem foi Debbie Reynolds, que protagonizou setenta filmes, mais coisa menos coisa. Tenho de voltar a ver The Unsinkable Molly Brown, que em 1964 emocionou a minha juventude. Vejam, para tomar o pulso a uma actriz imensa.

Na imagem, Debbie e a filha. Clique.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

BÍBLIA GREGA


Fico sempre surpreendido com a incapacidade de tantos em perceber o sentido de um texto. Será que só lêem duas linhas? Abreviando: o que ontem escrevi no Facebook sobre “especialistas de grego” (nos media) foi entendido como crítica à recente tradução do primeiro volume da Bíblia Grega, empreendida por Frederico Lourenço. Num país onde 99% das pessoas, grupo no qual me incluo, não domina os estudos bíblicos, e menos ainda as variantes dos cânones católico, hebraico e protestante, dando de barato que uma percentagem ligeiramente mais alargada tenha conhecimentos de latim e grego, num país como o nosso, dizia, faz-me espécie ver tanto especialista encartado. Eu também presumo que a tradução seja boa. E tenho boas razões para presumir. Frederico Lourenço tem provas dadas como tradutor de Homero e outros, não estando em causa a sua erudição ou proficiência literária. Mas presumir não é o mesmo que garantir. Passou-se o mesmo em 1995, com O Erro de Descartes, de António Damásio. O pessoal deu cambalhotas como se estivesse a comentar O Canto da Mocidade de Odette de Saint-Maurice.

Voltando à Bíblia Grega. Até ao momento, li uma recensão ao trabalho de Frederico Lourenço, publicada no Observador no passado 16 de Outubro. Um texto assinado por Frei Herculano Alves, franciscano capuchinho, biblista, professor da Universidade Católica do Porto. Francisco José Viegas, editor da Quetzal, reagiu em defesa do seu autor: «[...] só o pode fazer por uma de três razões: má fé, ignorância ou distração. Certamente que foi por distração. Há limites.» É tudo o que sei à margem dos Best of de imprensa.

Ainda ontem, um dos espantados com o meu post comentou por mensagem privada. Palavra puxa palavra, ele, um dos que ama esta versão, não sabia da existência de uma Bíblia Grega: «Mas então não é judaica

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

GEORGE MICHAEL 1963-2016


Vítima de paragem cardíaca enquanto dormia, George Michael (1963-2016), aliás Georgios Kyriacos Panayiotou, filho de pai cipriota grego e mãe inglesa, morreu ontem na sua casa em Oxfordshire. Tinha 53 anos. Em 1981 fundou com Andrew Ridgeley a banda Wham! que o tornaria conhecido em todo o mundo. Em 1987 saiu do armário, assumindo-se como gay, e passou a actuar a solo. Em Abril de 1998 foi preso num urinol público de Los Angeles por um polícia de nome Marcelo Rodríguez, membro do Squad Pretty, o corpo de polícias handsome que, actuando à paisana, induzia homossexuais a praticar sexo em locais públicos para depois lhes darem ordem de prisão, como também acontecia em Portugal antes de Abril de 1974. George Michael vendeu mais de cem milhões de discos, recebeu dezenas de prémios, e marcou de forma decisiva a música pop de língua inglesa. Crítico da invasão do Iraque, lançou em 2002 o álbum Shoot the Dog (os cães são Bush e Blair), cujo vídeo promocional inclui um urinol da Casa Branca, em referência explícita ao episódio de 98.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

EX AEQUO

Não gosto de classificações ex aequo, sejam prémios ou listas dos melhores do ano. O ex aequo é uma forma de escapismo, de não deixar de fora ninguém que, pelas mais variadas razões, não “pode” ficar de fora. Outra coisa que me intriga: como se alinham os livros, ou filmes, músicas, peças de teatro, bailados, exposições de artes plásticas, etc., metidos no saco sem fundo do ex aequo? Por ordem alfabética do título? Por ordem alfabética do autor? Por ordem cronológica de publicação ou exibição? Por data de nascimento do autor? Arbitrariamente? O arbítrio é da responsabilidade do publicista-mor ou do lobby dominante? Já não gostava no tempo dos livros ou filmes ao par, agora em quarteto ou aos molhos de meia-dúzia não se pode levar a sério.

ERA UMA VEZ

Para que servem os serviços de informações? Anis Amri, o tunisino suspeito do atentado da Breitscheidplatz, em Berlim, no passado dia 19, foi abatido durante um operação stop de rotina, na Piazza I Maggio, em Milão. A polícia italiana nem sabia da sua presença no país. Enfim. Vamos todos fingir que acreditamos na versão oficial.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

ELENA FERRANTE


Hoje na Sábado escrevo sobre Escombros, de Elena Ferrante (n. 1943). Chave: «Uma história é antes o precipício das mais diversas experiências, acumuladas ao longo da vida.» Quem o diz é a autora, numa das entrevistas coligidas para a nova edição do livro de 2003 que foi agora reeditado em Itália. Esta versão alargada vem acrescida de duas novas secções: “Tesselas 2003-2007”, intercalando ensaios, correspondência e quatro entrevistas; e “Missivas 2011-2016”, dezassete entrevistas, uma delas de Isabel Lucas. O sucesso planetário do quarteto napolitano (constituído pelos romances A Amiga Genial, História do Novo Nome, História de Quem Vai e de Quem Fica, História da Menina Perdida) deu azo a uma enxurrada de entrevistas para todo o mundo, respondidas sempre por email, tendo Ferrante incluído nesta reedição as suas preferidas. A tradução portuguesa acaba de chegar às livrarias. Longe da exuberância descritiva e da vertigem vocabular dos romances acima citados, bem como daqueles que reuniu em Crónicas do Mal de Amor, a nitidez persiste como regra. Três itens centrais: o direito ao anonimato, a “verdade” em literatura, a defesa intransigente do feminismo. Sobre este último tópico, bem defendido do ponto de vista teórico, faz ouvir uma voz desalinhada: «Temo a linearidade das militâncias, em literatura têm um péssimo efeito.» Aí está um desabafo que não seria possível nos anos 1960. Entretanto, reage com frieza à desconfiança e mesmo hostilidade que o seu anonimato suscita em Itália: «Como se o meu gesto de me subtrair fosse um comportamento ofensivo e digno de culpa.» Clareza desarmante sobre a obra: «Eu escrevo sobre experiências comuns, dilacerações comuns, e a minha máxima obsessão [é ser] capaz de tirar, camada após camada, a gaze que enfaixa a ferida, e chegar à história verídica da chaga.» O princípio não se esgota na epopeia de Elena e Lila. O mesmo tipo de preocupação matiza o diálogo que estabelece com Mario Martone a propósito do guião para cinema de Um Estranho Amor. O filme chocou-a, provocando-lhe «um grande mal-estar», mas a carta de Maio de 1995, inacabada e nunca enviada ao realizador, é um dos momentos altos do livro. Resumindo, Escombros é uma obra decisiva para entender o fenómeno Elena Ferrante. Cinco estrelas. Publicou a Relógio d’Água.

Escrevo ainda sobre António Ferro. Um Homem por Amar, de Rita Ferro (n. 1955), sua neta. Já vi chamar romance a muita coisa, menos a uma biografia. Mas é o que sucede com este livro. Além de cronologia histórica, o volume inclui textos inéditos e mais de duzentas páginas de correspondência do biografado, ou seja, do intelectual modernista que, ironia suprema, construiu a persona de Salazar. Jornalista, escritor, editor da revista Orpheu, director do Secretariado da Propaganda Nacional (1933-50), ideólogo do Estado Novo, impulsionador da Exposição do Mundo Português (1940), fundador do Museu de Arte Popular (1948) e, mais tarde, ministro plenipotenciário (1950-56) em Berna e Roma, António Ferro é uma figura incontornável do século XX português. Verdade que, na primeira parte do volume, Rita Ferro intercala trechos pessoais, mas isso faz parte do protocolo de qualquer biografia. O livro descreve, com minúcia, episódios da vida familiar e profissional, a Política do Espírito, sua mulher Fernanda de Castro, querelas modernistas, as entrevistas famosas (entre outras, com Poincaré, Colette, Mussolini, o Papa Pio XI e Primo de Rivera), perfis de Salazar, políticos e artistas, etc., tudo contextualizado em notas de rodapé. Um ajuste de contas. Três estrelas. Publicou a Dom Quixote.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

TERROR

O atentado contra a feira de Natal da Breitscheidplatz, em Berlim, já fez 9 mortos. Estão confirmados mais de 50 feridos. O método utilizado foi o do atentado de Nice em Julho passado: um camião atropelou deliberadamente as pessoas que estavam no local. A Breitscheidplatz fica muito perto da Kurfürstendamm (vulgo Kudamm), uma das avenidas mais movimentadas da cidade, zona comercial e turística por excelência. Alegadamente, o camião era conduzido por um polaco.

DISPARATE DO ANO


Pôr em risco a democracia? Alguém no DN anda a desatinar. Parece-me evidente que o Governo não pode cair na esparrela da lei de excepção. Mas daí aos riscos para a democracia vai um passo e tanto! Espero que Luis Filipe Castro Mendes, o ministro da Cultura, não repita o erro de Isabel Pires de Lima, que fez uma lei de excepção para João Bénard da Costa. Isso sim, foi um momento triste para o regime democrático.

Clique nas imagens do Diário de Notícias.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

EUROSONDAGEM


Maioria de Esquerda = 54,8%. Sozinho, o PS ultrapassa a PAF. Clique na imagem do Expresso para ler melhor.

TIRO AO LADO


Que raio de raciocínio é este? É evidente que a média salarial muda consoante o tipo de actividade. Até na antiga URSS era assim. Um catedrático ganha mais do que uma mulher-a-dias tal como um médico ganha mais do que um caixa de supermercado. O insert (a imagem) é do Público mas podia ser de outro jornal qualquer. E é fatal. Porque se um juiz ganha, em média, 4.000 euros por mês, um trabalhador da hotelaria e restauração ganharia... 2.520 euros. É o que nos diz a operação de subtrair 37%. Será? A reportagem é um choradinho por haver «Licenciados a ganhar 2,5 euros à hora, trabalho nocturno pago a menos de cinco euros...» O problema é serem licenciados? Se não forem licenciados está tudo bem? O problema é haver trabalhadores pagos por esses valores. A licenciatura é irrelevante. Sejamos claros: a regressão das condições de trabalho, em todas as actividades, é um facto. Estamos a viver um Caetanismo II. Discutir o assunto sob o prisma do canudo é não ter noção da realidade.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

BOB DYLAN


Hoje na Sábado escrevo sobre Crónicas, de Bob Dylan (n. 1941), autor que corrobora o que a Antiguidade Clássica nos ensinou: todo o poeta é um cantor. Só um profundo desconhecimento do que é a poesia justifica a celeuma gerada em torno da atribuição do Prémio Nobel da Literatura. Afinal, a poesia começou por ser cantada. Crónicas, agora reeditado, é o primeiro volume das memórias do homem que deveio porta-voz de uma geração. Começa com a chegada a Nova Iorque em 1961: «O que quer que eu andasse a fazer estava a dar resultado, e eu tencionava continuar assim. Sentia que estava a chegar a algum lado.» Numa prosa escorreita, Dylan descreve peripécias da sua vida pessoal, o quotidiano de Manhattan, em especial o milieu do Village, encontros com artistas e poetas, detalhes relacionados com a música que escreveu, política americana, o activismo de Joan Baez, retratos de terceiros, provocações dos media, como quando a revista Esquire publicou «um monstro de quatro caras» — a sua, misturada com as de Malcolm X, Fidel e Kennedy. Aguardar a reedição da sua poesia completa, do curioso livro que é Tarântula e, já agora, dos seis volumes de ensaios sobre arte. Quatro estrelas. Publicou a Relógio d’Água.

ALEPO

A devastação de Alepo é a nossa vergonha diária. Não podemos dizer que não sabemos, mesmo sabendo pouco (nós, os que até lemos os jornais de referência, europeus e americanos, seguimos a BBC e a Al Jazeera, conversamos com amigos ‘bem colocados’ nos corredores da diplomacia), porque cada fonte tem a sua verdade, mas, seja ela qual for, Alepo é um ferrete. Isto dito, faz-me confusão ler que as tropas de Bashar Al-Assad executaram, anteontem, milhares de civis. O meu problema é de ordem semântica. Executar não é o mesmo que provocar milhares de mortos durante uma intervenção militar. Quando bombardearam Londres, os alemães não ‘executaram’ ninguém. O Blitz, sobretudo o de Setembro de 1940, provocou milhares de mortos, mas isso não foi uma execução. Foi um acto de guerra. Nada disto desculpa Assad, Putin, Khamenei, Erdoğan, Obama, Hollande e pessoal menor. Convinha usar as palavras exactas. O horror não é transferível por efeito de propaganda. Ou nos explicam em que circunstâncias se verificaram as ‘execuções’ ou estamos no domínio do agitprop que nada resolve. As dezenas de milhares de mortos de Alepo não precisam de álibi diplomático-jornalístico.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

CRÓNICA DE FRANKFURT



Estava por fazer a crónica dos seis dias que passei em Frankfurt na semana passada. Chegada num domingo de sol radioso e cinco graus negativos. A partir das quatro da tarde nunca mais vi sol. Foram dias cinzentos, com vento, nevoeiro cerrado, gelo nas pontes e fiapos de neve. Frankfurt não é uma cidade exaltante, mas respira civilização e dinheiro. Quem conhece os museus de Nova Iorque, Londres, Paris, Madrid, Amesterdão, etc., não descobre nada de novo no Städel, excepto, claro, um excepcional acervo de pintura alemã, aliás magnífica. Mas não faltam os nomes universais, de Watteau a Picasso, sem esquecer Andy Warhol e outros contemporâneos reunidos na luminosa ala subterrânea. Noutro registo, a Kunsthalle é de visita obrigatória: várias alas com exposições temporárias de clássicos e novíssimos. Haverá mais uma dúzia de museus. A zona de Rathaus, onde fica o Römer (a Câmara da cidade desde 1405), encontra-se transformada num estaleiro por causa da recuperação das fachadas conforme modelo dos séculos XV a XVII. Contudo, consegui entrar na Igreja de São Nicolau e ouvir o carrilhão ao vivo. O caos atinge o paroxismo com as famosas barracas de Natal a entupirem. A Feira ocupa todo o centro da cidade, mas em Rathaus, devido às obras, representam um estorvo. 

Os amantes de ópera, bailado e música clássica têm muito por onde escolher. Frankfurt tem duas óperas: a Velha (1880), em Opernplatz, e a Nova (1951), na Willy Brandt Platz. A Alte Oper foi bombardeada em 1944, reconstruída e reaberta em 1981 como sala de concertos. Os espectáculos de ópera passaram todos para a Nova, um edifício magnífico com uma programação de primeiríssima água. Durante a minha estadia estiveram em cena La Bohème, de Puccini, Eugen Onegin, de Tchaikovsky, Ezio, de Gluck e Der Goldene Drache, de Peter Eötvös. No sábado, dia 10, estreou Die Zauberflöte, de Mozart, que queria muito ver, mas o regresso a Lisboa foi na véspera. Além das óperas há recitais a solo, como o do barítono Johannes Martin Kränzle, marcado para hoje.

Sobre gastronomia, item que desatina os puritanos, diz-me a experiência de cinco visitas (num lapso de dez anos) que em Frankfurt come-se muito bem a partir de uma média de 70 euros por boca. Média casal: 140. Este valor corresponde a uma refeição composta por couvert, uma garrafa de água, uma garrafa de vinho, dois pratos principais, uma sobremesa, um café e um chá. Por esse valor temos direito a cozinha de qualidade, serviço irrepreensível, asseio absoluto, bom ambiente, decoração adequada e conforto. Os indígenas jantam muito cedo, mas os restaurantes de que vou falar estão cheios às onze da noite. Praticamente não há turistas. Não cito restaurantes de luxo, nem de chefs com estrela Michelin. Os exemplos situam-se, pelo padrão de Lisboa, algures entre a Bica do Sapato e o Solar dos Presuntos. Pela minha experiência, o custo de vida subiu, da Primavera de 2014 para cá, uns dez por cento. Cinco moradas a que regresso sempre: o Charlot (italiano), em Opernplatz, a Brasserie An Der Alten Oper, que fica mesmo ao lado — ambos virados para a Alte Oper  —, o The Ivory Club (cozinha colonial indochinesa), em Taunusanlage, o Meyer, em Große Bockenheimer Straße, e o Zarges no extremo oposto da mesma rua. Desta vez descobrimos um restaurante turco fabuloso, o Sümela, em Taubenstraße. E um indiano simpático, o Taj Mahal, do outro lado do rio, em Schweizer. O hotel onde costumamos ficar, o Steigenberger Frankfurter Hof, tem quatro restaurantes: o Français (nunca experimentei), estrelado, vocacionado para milionários do Dubai; o Oscar, bastante simpático; o Hofgarten, vulgar; e o Breeze by Lebua, cozinha asiática de fusão, que experimentei agora. Carote-ote-ote. A simpatia do staff e a decoração não justificam os cifrões. O senhor Lebua passa metade do ano em Banguecoque e a outra metade em Frankfurt. Tudo visto, o italiano Charlot continua imbatível, servindo o melhor ragú que jamais comi. Consta que a Brasserie An Der Alten Oper tem Varoufakis entre os clientes famosos. (Os empregados são gregos.) O Sümela foi toda uma experiência turca a roçar o erótico. E o Ivory Club voltou à sua melhor forma. Não vale a pena tentar comer barato. Frankfurt não é Lisboa. Uma refeição de 30-40 euros, para duas pessoas, é um desastre.

Por último, uma experiência inédita. No regresso a Lisboa, no aeroporto, fui obrigado a tirar os sapatos (mas não o cinto), minuciosamente analisados, primeiro à mão, depois no raio X, por um funcionário azedo que esteve mais de cinco minutos a apalpar-me de frente e de trás, tarefa que incluiu massagem da zona dos tornozelos e calcanhares. Não estou a reclamar, limito-me a descrever um facto. Normas de segurança são normas de segurança. Como nunca me tinha acontecido nada tão intrusivo, em lado nenhum (em Miami, em 2008, tive de despir o blazer e despejar o saco a tiracolo), fui apanhado de surpresa.

Por falar do aeroporto de Frankfurt, o 4.º mais movimentado da Europa, registo com agrado que certas áreas (o acesso às portas 52-70), se não são novas, foram renovadas de ponta a ponta, com equipamento novo: passadeiras rolantes, placards, sinalética, assentos, lugares reservados para deficientes, mesas para computadores, lojas, restaurantes, salas de repouso com espreguiçadeiras, etc. Tudo a brilhar de limpeza. Na Primavera de 2014 ainda as casas de banho eram imundas. Agora são luminosas, amplas e limpas.

A imagem ao alto foi obtida na passada quinta-feira, dia 8, ao meio-dia, a partir de uma das pontes que atravessam o Meno. A de baixo mostra as barracas de Natal em Hauptwache, uma espécie de Rossio local. Clique nelas para ver melhor.

POIS


Capa da última Time. Nenhuma surpresa na escolha. O punctum do retrato, feito pelo fotóografo Nadav Kander, está na cadeira Luís XV. Se fosse Hillary provavelmente seria fotografada numa cadeira Mies van der Rohe. Clique na imagem.

GUTERRES NA ONU


Guterres fez ontem o juramento como secretário-geral das Nações Unidas. À cerimónia assistiram, entre outros, o Presidente da República e o primeiro-ministro António Costa. A foto é de Reinaldo Rodrigues para o Diário de Notícias. Clique na imagem.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

RAP

Numa das cem entrevistas que deu nos últimos dez dias, Ricardo Araújo Pereira lamentou-se ao jornal i da impossibilidade de fazer «um sketch sobre marrecos, coxos e mariconços». Já sabíamos que, em Portugal, consoante a origem social ou lugar cativo na hierarquia de classes, os homossexuais masculinos se dividem em três grupos: homossexuais, gays e bichas.

O primeiro grupo subsume os altos cargos do Estado, diplomatas, catedráticos, membros do Gotha, maçons de topo, deputados, banqueiros, gestores, brokers, o baronato das Grandes empresas e políticos avulsos. Fora do círculo das duzentas pessoas que controlam o Who’s Who, o silêncio é de regra. O segundo, dito gay, engloba os representantes da intelligentsia, antiquários, decoradores, estilistas e, de um modo geral, happy few com boa imprensa. No terceiro, o das bichas tout court, cabe tudo o que sobra, com destaque para artistas e cabeleireiros. Até aqui, nada de novo.

Mas Ricardo Araújo Pereira lamenta não poder achincalhar os mariconços. Eu não sei o que é um mariconço. Será uma bicha de call center? Um entertainer? Lamento pelo Ricardo, homem culto e inteligente, de quem gosto, mas assim não vamos lá. A sorte dele é ser o Ricardo, caso contrário teríamos meio mundo a dizer dele o que Mafoma não disse do toucinho.

Nota lateral: no mundo de língua inglesa o termo queer é usado com orgulho. E não há forma de traduzir queer senão por bicha.

sábado, 10 de dezembro de 2016

ITALO CALVINO


Esta semana escrevo na Sábado sobre Um Otimista na América, de Italo Calvino (1923-1985), o italiano que nasceu em Cuba, lutou na Resistência italiana contra os nazis e viveu treze anos em Paris. Nome central da Literatura do século XX, autor de romances e ensaios, Calvino também escreveu este diário da primeira viagem que fez aos Estados Unidos, entre Novembro de 1959 e Maio de 1960, a convite da Fundação Ford, depois de abandonar o Partido Comunista Italiano em Agosto de 1957. Em 1961, já com provas revistas, desistiu de publicar o livro, «demasiado modesto como obra literária e não suficientemente original como reportagem jornalística», confissão feita a Luca Baranelli, de certo modo contrariando a sua própria premissa: «Os livros de viagens são uma maneira útil, modesta e no entanto completa de fazer literatura.» Seria preciso esperar por 2014 para que Um Otimista na América visse a luz do dia. Calvino não foi o primeiro, nem terá sido o último intelectual marxista a deixar-se fascinar pelos Estados Unidos, melhor dito, a América. Em 1948, já Simone de Beauvoir publicara o magnífico L’Amérique au Jour le Jour, relato da sua estadia de quatro meses no ano anterior. Mas há uma diferença de tom: enquanto a Beauvoir, que visitou o país praticamente em cima do fim da guerra, usa um arsenal de reticências, Calvino não disfarça o fascínio pelo “milagre” americano. Nada lhe escapa: costumes, arquitectura, o Village pós-Henry James, volatilidade do quotidiano, hábitos e tiques do meio literário (viajou na dupla qualidade de escritor e consultor literário da editora Einaudi), colégios privados, psicanálise, a obsessão com o agendamento de qualquer compromisso, dress code e códigos de classe, imigrantes italianos, ensino da literatura, cultura da negritude, o Mardi Gras, a intolerância do segregacionismo, o Sul profundo, sexo e automóveis, vida nocturna, Las Vegas, imprensa, peculiaridades das mulheres, hotéis (item que também seduziu a Beauvoir), os vinhos do Vale de Sonoma, Chicago vs Nova Iorque, ditadura da publicidade, o porquê da Broadway “entortar” a partir da Rua 10, etc., em suma, um minucioso tour d’horizon sobre a sociedade americana. Seria pleonástico acrescentar que tudo flui em prosa excelentíssima. Cinco estrelas. Publicou a Dom Quixote.

domingo, 4 de dezembro de 2016

ATÉ JÁ


Desiludam-se: não vou almoçar com Mario Draghi. Clique na imagem.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

CAIXA

Paulo Macedo, que estava na calha para vice-governador do Banco de Portugal, aceitou ser o próximo CEO da Caixa Geral de Depósitos. Apesar dos salários “milionários”, que se vão manter, o BE e a comissão de trabalhadores da Caixa aplaudem a escolha de Costa. Rui Vilar fica como Chairman. O PCP aos costumes disse nada.

Os nomes da nova administração, da qual fará parte Esmeralda Dourado, seguem hoje para Frankfurt, ou seja, para o BCE. Lembrar que Esmeralda Dourado foi convidada para CEO da Caixa e recusou, levando à escolha do António Domingues.

Macedo foi administrador executivo e director-geral do Millennium BCP, director-geral dos Impostos (auferindo 23 mil euros mensais, em vez dos cinco mil da tabela da Função Pública) entre 2002 e 2007, fundador da seguradora Médis, ministro da Saúde (2011-15), sendo neste momento administrador da Ocidental Vida.

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

ISABELA FIGUEIREDO


Por amanhã ser feriado, a Sábado saiu hoje. Nesta edição escrevo sobre A Gorda, de Isabela Figueiredo (n. 1963). Não é novidade mas convém repetir: a autora mudou o paradigma da literatura pós-colonial em língua portuguesa. Dito de outro modo, pôs um ponto final nos relatos delicodoces da borrasca imperial. Fez isso ao publicar o corrosivo Caderno de Memórias Coloniais, obra estudada em várias universidades, sobretudo anglo-americanas, e não amacia o tom no romance A Gorda, acabado de chegar às livrarias. Como Isabela não tem medo das palavras, nem escreve para agradar aos lobbies dominantes, o resultado desconcerta os incautos. Em Portugal há temas que qualquer aspirante a escritor interiorizou como interditos. O resultado é uma ficção dissociada da realidade. Os mais inteligentes (estou a falar da geração sub-50) deslocam o epicentro das narrativas para fora de fronteiras, e os outros, com raras excepções, debitam prosas pífias sobre vacuidades. Isabela faz tudo ao contrário. Chama as coisas pelos nomes, ignora os moldes que sobraram do nouveau roman, exorciza o beatério pequeno-burguês e fornica a céu aberto: «Montada sobre ele […] não pertenço a lugar algum, sexo e cérebro são uma esfera de luz-prata na qual nos suspendemos por segundos, não mais, cegos, só dor luminosa no lugar do nada…» Nenhum resquício de auto-complacência: internato da Lourinhã, formação escolar, clivagens sociais, gastrectomia como móbil, impecilhos da meia-idade, fronda dos professores durante o socratismo, Diktat alemão, o filho que não houve, doença e morte do pai e da mãe. Nos interstícios, percalços de um amor proibido. Mesmo quando nos fala de psichés de umbila ou de botecos da Arrentela, Isabela não faz outra coisa senão desmontar os clichês do realismo indígena. Tudo visto da outra margem. A história de Maria Luísa, a tal que deveio Gorda, expatriada de Moçambique aos 12 anos de idade, crescendo e fazendo-se mulher até ao regresso da família dez anos mais tarde. O fluxo de consciência ou, se preferirem, o monólogo interior, isenta-se de qualquer espécie de edulcorante: «A triagem remeteu-me para a psicanalista do Campo de Santana, na qual passaria os cinco anos seguintes a matar o papá.» Desenganem-se aqueles que supõem A Gorda uma obra sobre as sequelas da descolonização. Não é. O livro inclui a trilha sonora adequada. Da lista proposta recomendaria One, dos U2. Cinco estrelas. Publicou a Caminho.

Escrevo ainda sobre Paris França, de Gertrude Stein (1874-1946). A minha geração ainda se lembra dela, porque ela foi uma percursora do que mais tarde se chamaria literatura gay. Em 1903, Gertrude publicou Q.E.D., o primeiro livro em que o termo gay foi utilizado no sentido actual. Mesmo em 1933, quando saiu The Autobiography of Alice B. Toklas (as memórias de Gertrude por intermédio da voz de Alice, sua companheira de toda a vida), ainda era pouco comum. Tendo vivido parte da infância em Paris, Gertrude regressou aos Estados Unidos para fazer estudos universitários (medicina, psicologia e filosofia), radicando-se em Paris aos 26 anos. Não admira que a obra suscite curiosidade. Afinal, trata-se do livro em que Gertrude discorre sobre a cidade onde viveu até morrer. Pela sua casa passaram todos os Modernistas, bem como toda a gente que foi importante na primeira metade do século XX. Picasso, Hemingway e Pound eram habitués. Mas Paris França não se ocupa do salão da Rue de Fleurus. É uma memorabilia dos primeiros anos, cheia de aforismos: «a França podia ser civilizada sem pensar no progresso». Os puritanos vão execrar o lugar de destaque dado à gastronomia. Quatro estrelas. Publicou a Relógio d’Água.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

OE 2017 APROVADO

O OE 2017 foi hoje aprovado em votação final global. Votaram a favor o PS, o BE, o PCP, o PEV e o PAN. O PAF (PSD+CDS) votou contra. Igualmente aprovadas, com a mesma votação, as Grandes Opções do Plano. E vamos no segundo Orçamento de Estado da maioria de Esquerda.

TRAGÉDIA

A queda do avião da LAMIA que transportava para Medellín a equipa de futebol do Chapecoense, provocou 76 mortos. Sobreviveram cinco passageiros: três jogadores (Alan, Danilo e Jackson), um dos 21 jornalistas que acompanhavam a equipa, e uma hospedeira de bordo. A equipa brasileira ia disputar o primeiro jogo da final da Copa Sul-Americana, que se realiza na Colômbia.

TERROR


É muito estranho o silêncio dos media nacionais (aparentemente só o Observador se ocupou do caso) relativamente ao ataque de ontem na Universidade Estatal do Ohio, situada em Columbus. Até porque o quadro docente inclui portugueses. Tudo começou às 10 da manhã locais, quando um rapaz somali de 18 anos atropelou aleatoriamente vários estudantes do campus, ferindo outros com uma faca de talho. Por junto parece haver onze vítimas. A polícia abateu o atacante no local. A Ohio State University foi fundada em 1870. 

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segunda-feira, 28 de novembro de 2016

CAIXA DOIS

A ver se a gente se entende. As declarações de rendimento & património dos detentores de cargos políticos têm, por Lei, que ser entregues no Tribunal Constitucional. Sublinhar: cargos políticos. Um bom princípio.

A partir daí, o TC, após análise, e em caso de irregularidade ou omissão, devia alertar os interessados. Não havendo resposta, o TC teria por obrigação accionar os mecanismos adequados num prazo razoável (digamos, um mês). Não imagino que mecanismos possam ser esses.

Isto dito, em circunstância nenhuma os media teriam acesso às referidas declarações. Quem diz os media diz qualquer tipo de coscuvilheiro. Naturalmente que, em casos de natureza judicial, o Ministério Público poderia, mediante autorização prévia de um juiz, ter acesso a elas. Para o interesse público é irrelevante saber se A ou B têm veleiros, mansões ou carros de alta cilindrada.

CAIXA UM

António Domingues demitiu-se ontem de CEO e Chairman da Caixa Geral de Depósitos. A decisão tem efeitos a 31 de Dezembro. Devia tê-lo feito no dia em que começou o folhetim entrega-não-entrega declaração de rendimentos & património ao Tribunal Constitucional. Além de Domingues, também bateram com a porta Emídio José Bebiano Moura da Costa Pinheiro, Henrique Cabral de Noronha e Menezes, Paulo Jorge Gonçalves Pereira Rodrigues da Silva (administradores executivos), Pedro Norton de Matos, Angel Corcóstegui Guraya e Herbert Walter (não-executivos). Ainda sobram quatro, um deles Rui Vilar.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

SONDAGEM DA CATÓLICA


O PS encontra-se à beira da maioria absoluta. Maioria de Esquerda = 57%. PAF = 36%. CDS empatado com CDU: 6% cada.

Resultados do CESOP da Universidade Católica para o Diário de Notícias, a RTP, o Jornal de Notícias e a Antena Um.

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quinta-feira, 24 de novembro de 2016

EUCANAÃ FERRAZ


Hoje na Sábado escrevo sobre Poesia, do brasileiro Eucanaã Ferraz (n. 1961). Não é a primeira vez que o autor escolhe Portugal para publicar obras inéditas no Brasil. Foi assim com Desassombro, sucede de novo com Poesia, grosso volume de mais de seiscentas páginas que colige a poesia publicada entre 1990 e 2016, editado com a seriação invertida (começa pelo mais recente, fecha com o de estreia). Carlos Mendes de Sousa assina o extenso prefácio: «Este livro é o livro que esperávamos.» Com efeito, raras vezes o grão voz devém com tanta nitidez. O poeta celebra a vida em versos de exemplar tessitura: «Você não entendeu nada, como eu poderia / pôr um porre ou um raio de sol ou um Tylenol / sobre a tristeza, se ela é a verdade que fala? // Você não sabe amar, meu bem, não sabe / o que é o amor, como na canção. Que foi / que lhe ensinaram na escola?» Mas o arroubo amoroso não o distrai do mundo, e a tensão retórica (e prosódica) tem momentos deveras conseguidos: «De repente a cúpula de Santa Maria in Trastevere hasteou a tarde / bizantina no ouro das linhas retas». Leitura obrigatória. Cinco estrelas. Publicou a Imprensa Nacional.

AFINAL FORAM NOVE

A restauração portuguesa não passou de 17 para 34 Estrelas Michelin, como chegou a ser antecipado, mas de 17 para 26. Nada mau.

Dois saltam de uma para duas estrelas: The Yeatman e Il Gallo d’Oro, o primeiro no hotel homónimo de Vila Nova de Gaia, o segundo no Funchal.

Com uma estrela entram Alma (Lisboa), Loco (Lisboa), Lab by Sergi Arola (Sintra), Casa de Chá da Boa Nova (Leça da Palmeira), Antiqvvm (Porto) e William, no Hotel Reid’s Palace do Funchal. O L’And Vineyards de Montemor-o-Novo, que tinha perdido a sua em 2015, volta a ter uma.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

PRÉMIOS & ESTRELAS

Por uma série de razões, as pessoas impressionam-se muito com prémios, sem terem em conta os factores objectivos e subjectivos que os determinam. Isto vale para Literatura, Ciência, Música, Arte, Teatro, Cinema ou Gastronomia. Adiante. Agora estamos na fase Estrela Michelin.

No momento em que escrevo, Portugal detém dezassete estrelas em catorze restaurantes. Três (o Belcanto, o Ocean e o Vila Joya) com duas, os restantes com uma estrela cada. Logo ao fim da tarde são anunciadas as Estrelas 2017 para Portugal e Espanha. Sim, é o que estão a pensar. Existem padrões específicos para cada região: Europa, Reino Unido, Península Ibérica, Estados Unidos, Médio Oriente, Ásia, etc. Consta que Portugal passará das actuais 17 para 34. O dobro, portanto.

Enfim, eu conheço alguma coisa do universo estrelado português (a Fortaleza do Guincho, o Eleven, a Casa da Calçada, o Pedro Lemos, o Ocean, o Henrique Leis, o São Gabriel e o Gallo d’Oro) e, francamente, não percebo um salto desta natureza. A ver vamos. A título de curiosidade: nenhum dos meus restaurantes preferidos faz parte desta lista. Mas gostos não se discutem.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

QUASE DOIS, AFINAL


Alguns media portugueses insistem, como acabo de ler, que a vantagem de Hillary sobre Trump é de «cerca de um milhão de votos». Que raio de fontes consulta esta gente? Na realidade, Hillary tem 1,7 milhões de vantagem sobre Trump. Não serve para ser eleita. Mas isso é outro campeonato.

Hillary obteve 63,6 milhões de votos (48%) e Trump 61,9 milhões (46,7%).

Imagem do Independent. Clique.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

FILLON AFASTA SARKOZY

Com 44,1 % dos votos expressos, François Fillon, 62 anos, primeiro-ministro de Sarkozy entre 2007 e 2012, venceu a primeira volta das Primárias da Direita francesa. Alain Juppé (28,6 %) ficou em segundo lugar, contra as sondagens que o davam como vencedor absoluto logo à primeira. Sarkozy (20,6 %) em terceiro vê-se afastado da corrida.

domingo, 20 de novembro de 2016

PRIMÁRIAS DA DIREITA EM FRANÇA

Realizaram-se hoje as Primárias dos candidatos de Direita às presidenciais francesas de Abril do próximo ano. Até às quatro da tarde (cinco em França) já tinham votado 2,5 milhões de eleitores. Quando forem 19:30 em Portugal haverá projecções. Se nenhum candidato obtiver 50%, terá de haver segunda volta. Para votar, cada eleitor pagou dois euros.

Candidataram-se:

Alain Juppé, 71 anos, republicano, antigo primeiro-ministro e actual maire de Bordéus, o favorito das sondagens;
Bruno Le Maire, 47, republicano;
François Fillon, 62, republicano, antigo primeiro-ministro;
Jean-François Copé, 52, republicano;
Jean-Frédéric Poisson, 53, democrata-cristão, maire de Rambouillet;
Nathalie Kosciusko-Morizet, 43, republicana;
Nicolas Sarkozy, 61, republicano, antigo Presidente da República.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

TRAGÉDIA

A capotagem e explosão de um camião-cisterna cheio de combustível, na região de Tete, em Moçambique, provocou 73 mortos e 110 feridos em estado grave. No momento em que escrevo é provável que o número de mortos seja superior. Aconteceu ontem ao fim da tarde e o feedback noticioso tem sido residual. Se fosse na Europa tínhamos folhetim televisivo para vários dias.

ELE LEU O GUIÃO

Ontem, Lobo Xavier repetiu o óbvio na Quadratura do Círculo: o affaire CGD está mal contado. Mas disse mais: «Eu não vou em peças de teatro sobretudo quando conheço o enredo. Como eu li o guião, não vou em peças de teatro mal contadas.» Para os menos esclarecidos, acrescentou: «Havia uns senhores que tinham belíssimos lugares nos sítios onde estavam e foram desafiados pelo governo para tratar da Caixa. Puseram as suas condições, como acontece sempre, e foi-lhes prometido, foi-lhes prometido até por escrito... etc.» Sendo Lobo Xavier amigo de António Domingues, está-se mesmo a ver que não fez as afirmações que fez sem ter conferido. Isto não deixa nada bem o ministério das Finanças. E é pena, porque Centeno é o homem certo no lugar certo.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

RUY CINATTI


Hoje na Sábado escrevo sobre Obra Poética de Ruy Cinatti (1915-1986). A sua publicação é um acontecimento. Acaba de sair o primeiro volume, organizado e anotado por Luis Manuel Gaspar, com prefácio de Joana Matos Frias e cronologia de Peter Stilwell. Nas suas 1.407 páginas em papel bíblia, colige todos os livros de poesia que o autor publicou em vida. Em próximo volume será publicada a obra póstuma. Cinatti foi sempre um outsider da cena literária nacional. Nascido em Londres, homem de formação científica (agronomia e antropologia), católico-pagão, oxbridge, arredio aos círculos que controlaram a vida cultural portuguesa entre os anos 1940 e 1980, radicado em Timor por longos períodos, não-marxista, viajante permanente, o seu perfil nunca encaixou no padrão dominante. Sirva de exemplo um título como Nós Não Somos Deste Mundo (1941). Salvo Gaspar Simões, Sena, Joaquim Manuel Magalhães e Fernando Pinto do Amaral, a intelligentsia assobiou sempre para o lado. O presente volume resgata o autor do silêncio a que foi votado, em grande parte pelo seu sentido de estranhamento: «Vulnerável, sim, até ao ponto / de ter provado, entre mãos e enigmas, / mas sem confronto, / frutos ácidos. […]» O volume inclui uma tábua de notas e variantes. Cinco estrelas. Publicou a Assírio & Alvim.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

UM MILHÃO


Afinal, a diferença entre Hillary e Trump é de um milhão de votos, a favor da candidata Democrata. Conheço as normas constitucionais há pelo menos 50 anos, não questiono a legalidade do sistema — quem o fez foi Trump, em 2012 , mas temos de convir que é perverso e desmotivador para quem vota.

Ficam duas imagens, uma em português, outra em inglês. Clique em cada uma.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

PORQUÊ?


O Galo de Barcelos de Joana Vasconcelos, plantado na Ribeira das Naus, foi concebido para ser doado ao Rio de Janeiro para celebrar os 450 anos da fundação (1565) da cidade. Mas nunca atravessou o Atlântico. Que eu tenha lido, a recusa ou desistência não foram explicadas. Alguém sabe porquê?

A mim não me incomoda nada, é um adereço urbano como qualquer outro. Mas gostava de perceber o que terá provocado a sua permanência em Portugal: decisão da Prefeitura carioca ou da artista?

Se ainda não viu, saiba que o Galo tem nove metros de altura, estrutura oca, nove quilómetros de cabos, dezasseis mil azulejos, dezasseis mil lâmpadas led coloridas e detalhes em ferro.

Clique na imagem.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

CLARO COMO ÁGUA

Entrevistado ontem pela CBS no prestigiado 60 Minutos, Trump não podia ter sido mais claro:

«O que vamos fazer é encontrar as pessoas que cometeram crimes ou que têm antecedentes criminais, em especial membros de gangues e traficantes, um número estimado entre dois e três milhões de pessoas. Uns serão presos, outros deportados. Estão aqui ilegalmente. É muito importante, vamos garantir a nossa fronteira

Também confirmou que o Muro na fronteira do México vai ser mesmo construído, «em concreto endurecido, vergalhão e aço. Sou muito bom nisso, chama-se construção.» Assegurou ainda que seria revogada a ordem executiva de Obama que impede a deportação de jovens sem antecedentes criminais.

A VIDA COMO ELA É

Reince Priebus, 44 anos, presidente do Comité Nacional Republicano, foi ontem nomeado White House Chief of Staff. É o lugar mais importante a seguir ao Presidente (o vice-presidente não tem poderes executivos), funcionando, de facto, como “primeiro-ministro”. Na realidade, quem faz todas as escolhas e mexe todos os cordelinhos é o Chief of Staff. Para seu conselheiro foi escolhido Stephen Bannon, 62 anos, responsável pela estratégia eleitoral de Trump. Bannon fundou em 2007 e é chairman da Breitbart News, um influente site de notícias ultra-conservador. Quem tiver os pés na terra adivinha o que aí vem.

sábado, 12 de novembro de 2016

COMEÇOU

Mike Pence, 57 anos, governador do Indiana, actual vice-presidente eleito dos Estados Unidos, foi ontem designado para chefiar o Gabinete de Transição. Primeira tarefa: despedir os quatro mil funcionários que trabalham para a Casa Branca, as agências governamentais e outros organismos estatais. Pence é um conservador radical, cristão evangélico e defensor do Criacionismo. Advoga a proibição do aborto e da procriação medicamente assistida, o fim das pesquisas com células estaminais, o fim dos direitos humanos associados às pessoas LGBT, o fim da educação sexual no ensino, o reforço do Patriot Act, a deportação imediata de imigrantes ilegais (incluindo crianças nascidas nos Estados Unidos), o controlo das fronteiras mesmo para turistas e, last but not least, o fim das leis anti-tabagismo. Até anteontem, o lugar esteve ocupado por Chris Christie, 54 anos, governador de New Jersey.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

TRUMP & EDP


Este mapa mostra, a vermelho, a presença da EDP RENOVÁVEIS nos Estados Unidos, país onde opera desde 2007. Hoje, em Wall Street, as acções da empresa caíram 1,07 USD$. Não é preciso explicar o motivo, pois não?

Além dos EUA e de Portugal, a empresa opera em Espanha, França, Bélgica, Polónia, Roménia, Itália, Reino Unido, Canadá, México e Brasil.

Clique na imagem para ler melhor.

EUROSONDAGEM


Maioria de Esquerda = 54,9%. Sozinho, o PS tem o mesmo score que a PAF. Clique na imagem do Expresso para ler melhor.

LEONARD COHEN 1934-2016


Aconteceu na passada segunda-feira, dia 7, mas só ontem a notícia foi divulgada: Leonard Cohen morreu. Tinha 82 anos. Poeta, compositor e cantor, Cohen pôs-nos todos a cantar Hallelujah, a canção de 1984 que se tornou um hino de dimensão planetária. Canadiano de origem judaica (era praticante), deixou álbuns memoráveis, como, entre outros, Songs of Leonard Cohen (1967), Songs from a Room (1969), Songs of Love and Hate (1971), o meu preferido, New Skin for the Old Ceremony (1974), Death of a Ladies’ Man (1977), Various Positions (1984), I’m Your Man (1988), The Future (1992), Dear Heather (2004), Old Ideas (2012), Popular Problems (2014) e You Want It Darker (2016). Entre 1956 e 2012 publicou catorze livros de poesia e dois romances: The Favourite Game (1963) e Beautiful Losers (1966). Em 2011 recebeu o Prémio Príncipe das Astúrias na categoria Literatura. Desde os anos 1990 que o seu nome era apontado para o Nobel da Literatura.

WEST WING

Por enquanto são especulações, mas, a confirmarem-se, não auguram nada de bom. Sarah Palin, 52 anos, antiga governadora do Alaska e membro destacado do Tea Party, tem estado a ser apontada como futura responsável pela pasta do Interior, ou seja, “ministra” da segurança interna. Trump vai cair na rasteira? Por seu turno, Rudy Giuliani, 72 anos, antigo mayor de Nova Iorque (no 11 de Setembro era o patrão da cidade), seria o próximo Attorney General, ou seja, a figura de topo do sistema judicial. Para a Defesa iria o senador Jeff Sessions, 69 anos, um crítico da NATO que defende o degelo das relações com a Rússia. As Finanças ficariam nas mãos de Jamie Dimon, 60 anos, actual CEO e chairman do JP Morgan. Mas não era Trump que não queria nada com Wall Street? Cereja em cima do bolo: Newt Gingrich, 73 anos, islamófobo assumido, o homem que quis destituir Clinton por causa do alegado blowjob de Ms Lewinsky, parece destinado a ser o próximo Secretary of State, ou seja, o ministro dos Negócios Estrangeiros. Gingrich é um acérrimo defensor do TTIP, o acordo transatlântico de comércio livre que Trump queria rasgar. A ver vamos.

PERDER NA SECRETARIA


Afinal os resultados oficiais só fecharam esta madrugada. Hillary rompeu a barreira de sessenta milhões de votos, obtendo mais 280.646 do que Trump. Não lhe serve de nada, mas os eleitores americanos devem reflectir se é mesmo no figurino de ‘Grandes Eleitores’ que querem continuar. Em 2012, Trump execrou o sistema que agora lhe deu a vitória. Hillary não foi liquidada como proclama a opinião indígena. Isso não faz sentido. Hillary não ganhou a Casa Branca porque o quadro constitucional americano é diferente do europeu. Na Europa teria ganho por um voto, nos Estados Unidos perdeu apesar da vantagem de 280 mil votos sobre Trump. Dito de outro modo, perdeu nos termos da Lei, não perdeu por ser fria ou por ter feito operações plásticas. Clique na imagem para ver os detalhes.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

ZIMLER & LAWRENCE


Hoje na Sábado escrevo sobre o romance mais recente de Richard Zimler (n. 1956), O Evangelho segundo Lázaro. O livro parece uma provocação. Face ao título, um leitor que tenha ouvido falar da Bíblia sem nunca a ter folheado julga estar perante a versão ficcionada de um dos livros históricos da sagrada Escritura. Isso não acontece. Zimler escreve sobre a ressurreição de Lázaro, ocorrida quatro dias após a sua morte. O episódio vem narrado no Evangelho segundo João, e apenas nesse, porquanto os de Mateus, Marcos e Lucas fazem silêncio sobre o controverso milagre. (O Lázaro citado no Evangelho de Lucas é outro.) Este Lázaro que narra o romance de Zimler é aquele a quem o apóstolo João se refere como Lázaro Zebedeu, o de Betânia, alvo de atenção de artistas de várias épocas, sendo Rembrandt e Van Gogh os mais conhecidos. Sabemos que João rompeu as balizas dos Evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas), dilatando de um para três anos o tempo da narrativa. Zimler faz mais, pois preenche as lacunas que João omite. Dito de outro modo: ao jeito de um thriller, explica as circunstâncias da ressurreição de Lázaro. Estamos no domínio da ficção pura, como de regra num romance. Verdade que Zimler parte dos estudos hermenêuticos que a figura do “discípulo amado” (Lázaro) tem suscitado até aos nossos dias. Faz isso de forma envolvente, como demonstrado no texto dirigido ao bem-amado: «Quero que saibas isto […] se alguma vez te sentires receoso ao cair da noite, enrolar-me-ei por trás de ti e abraçar-te-ei no lugar onde se esconde o trovão, tal como sempre fiz.» Amigos desde crianças, a ligação de Jesus a Lázaro teria sido um dos detonadores da conjura que levou à crucificação. Em matéria tão sensível como a de recriar o quarto Evangelho, Zimler calibra bem o plot, indiferente à querela académica que tem rodeado a figura de Lázaro. A fechar, o volume dispõe de um útil glossário de termos hebraicos. O autor optou por grafar os nomes próprios na «versão habitual ao tempo da colonização romana da Terra Santa e não nas versões modernas», embora Lázaro, o narrador, seja designado de duas formas: Eliezer, o nome hebraico, e Lazarus, o equivalente grego. Quatro estrelas. Publicou a Porto Editora.

Escrevo ainda sobre Crepúsculo em Itália, de D.H. Lawrence (1885-1930). A posteridade fixou o seu nome  como autor de O Amante de Lady Chatterley, o romance de 1928 que só em 1960 seria publicado no Reino Unido. Mas Lawrence, homofóbico apesar do Bloomsbury, romancista, poeta e ensaísta, também escreveu livros de viagens. Crepúsculo em Itália foi o primeiro. A recente tradução portuguesa inclui o prefácio de Jan Morris, que o classifica como «reportagem metafísica». Lawrence era então um principiante, facto que não belisca a qualidade da obra. «Concebido como uma série de ensaios» (Morris), relata a viagem que fez com Frieda von Richthofen, sua amante, em vésperas da Primeira Guerra Mundial. O leitor interessado na Itália deve começar pela página 51. O que fica para trás é um texto (eivado de teologia bávara) premonitório do conflito a haver. O pavor do campo e a descrição do lumpemproletariado traduzem bem a proverbial rudeza: «Estes operários italianos trabalham o dia inteiro […] no seio da desintegração, como larvas no queijo apodrecido. […] A recordação do vale do Ticino é para mim uma espécie de pesadelo.» Ou seja, um balde de água fria na tradição arcádica. Quatro estrelas. Publicou a Tinta da China.

PAPA MIGAS


As pessoas, e são muitas, que andam a chorar baba e ranho pela morte do Pap'Açorda original (1981-2016), que agora funciona, mal, no primeiro andar do Mercado da Ribeira, podem, se quiserem, ir ao PAPA MIGAS. Continuam lá os famosos lustres, o reposteiro de veludo, o longo balcão, as cadeiras rosa-de-rosa e o resto. Portanto, só não volta ao n.º 57 da Rua da Atalaia quem não quiser. A gerência mudou de mãos, sim, sendo agora da responsabilidade de um conhecido restaurateur do bairro. Não falo de cor: jantei lá ontem, depois da estreia do magnífico Novo Dancing Eléctrico, de Enda Walsh, no Teatro da Politécnica (Artistas Unidos), e foi uma grata surpresa reencontrar o espaço julgado perdido. Para já, só serve jantares. Gostei francamente.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

A VIDA COMO ELA É

Sejamos claros: o Trump da campanha acabou com a sua vitória. Exemplo muito simples: o homem que andou meses a dizer que Hillary devia estar presa, por corrupção e crimes contra os interesses americanos, é o mesmo que hoje exorta os americanos a saldar «a grande dívida de gratidão» que têm com ela... «pelos serviços prestados ao nosso país.» Não é preciso fazer desenho, pois não?

REGRAS

Como a contagem de votos prossegue, tudo muda a cada minuto. Neste momento, Hillary já ultrapassou Trump em trinta e tal mil votos. Mas a vantagem pode inverter-se. Seja como for, nada disto muda o resultado. A partir do momento em que Trump obteve os 271 Grandes Eleitores necessários à eleição (e ele tem 279), a coisa ficou decidida.

ACONTECEU

Trump ganhou as eleições. No momento em que escrevo [10:47], quando ainda falta apurar resultados, o candidato Republicano detém 279 votos no colégio eleitoral, contra 218 de Hillary. No tocante a votos expressos, Trump tem uma vantagem de 150 mil. Ambos romperam a barreira dos 58 milhões de votos.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

AS DUAS AMÉRICAS


A mais recente previsão do FiveThirtyEight, quando faltam menos de quatro horas para a abertura das urnas na Costa Leste. Aguardar para ver. Clique na imagem.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

ENTRADA DE LEÃO, SAÍDA DE SENDEIRO

James Comey, o director do FBI, veio ontem dizer que afinal não existe evidência de crime, ou qualquer outro tipo de ilegalidade, no conteúdo dos emails de Hillary que a agência sinalizou no fim do mês passado. O assunto tinha sido encerrado em Julho, ilibando Hillary, até que a carta de 28 de Outubro veio baralhar tudo. Agora, em carta enviada ontem aos congressistas, Comey afirma nada haver a apontar à candidata, encerrando de vez as investigações.

A VER VAMOS


A 24 horas da abertura das urnas é esta a previsão do FiveThirtyEight. Mas convém não deitar foguetes antes de tempo. Em termos de votos, a média de todas as sondagens dá 48,4% a Hillary e 45,3% a Trump. Sobre Grandes Eleitores (e são necessários 270 para garantir a eleição), Hillary conta para já com 294 e Trump com 242. A ver vamos.

sábado, 5 de novembro de 2016

SENA


A Guerra & Paz deu à estampa mais um volume da correspondência de Jorge de Sena, desta vez com Eugénio de Andrade. Mais de seiscentas páginas onde estão coligidas 146 cartas de Sena, 119 de Eugénio e 12 de Mécia de Sena, tudo escrito entre 1949 e 1978. Sob a designação de carta incluem-se postais. O volume foi organizado por Mécia e Isabel de Sena, mas as notas, extremamente rigorosas (sem elas perdia-se grande parte do contexto), são de Jorge Fazenda Lourenço. O índice remissivo permite aceder com facilidade a pessoas, obras e publicações avulsas. Depois dos volumes dedicados a Mécia, Eduardo Lourenço, Guilherme de Castilho, Vergílio Ferreira e José-Augusto França, editados pela Imprensa Nacional, bem como os dedicados a Carlo Vittorio Cattaneo e António Ramos Rosa, editados pela Guimarães, a Guerra & Paz tem vindo a divulgar a correspondência seniana: Sophia de Mello Breyner Andresen, Raul Leal, Delfim Santos, João Gaspar Simões e agora Eugénio. Como sempre, Sena fala de tudo (costumes, literatura, vida académica, política, gossip, viagens) sem poupar nos elogios a terceiros. Eugénio fala dele próprio.

GAP

O estudo da Aximage ontem divulgado no Jornal de Negócios e no Correio da Manhã apresenta os seguintes resultados:

PS — 38,3% / PSD — 28,7% / BE — 9% / CDU [PCP+PEV] — 7,3% / CDS — 6,4%. Dito de outro modo: maioria de Esquerda = 54,6% / PAF = 35,1%. Quase vinte pontos de diferença (19,5%) é um gap e tanto!

Nota curiosa, os indecisos são apenas 2,2%.

QUEM DIRIA HÁ UM ANO?

Há um ano era puro delírio, mas o facto é que foi ontem aprovado (na generalidade), com apoio do PS, BE, PCP e PEV, o segundo Orçamento de Estado elaborado pelo Governo de António Costa. Estamos a falar do OE 2017.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

BREXIT

Leio nas redes manifestações de júbilo com a decisão do Tribunal de Londres sobre a exigência de votação parlamentar para accionar o art.º 50. É muito estranho, porque grande parte dessas manifestações tem sido subscrita por mulheres, e não me lembro de as ter visto exigir que a Assembleia da República votasse o resultado do referendo ao aborto.

Eu não gosto de referendos, sejam eles sobre que tema forem. Mas, estando consagrados na Lei, o seu resultado tem de ser respeitado. O resultado foi claro: 52% dos votantes no referendo não querem continuar na UE. Portanto, quem quer torcer a realidade deve emigrar para a Coreia do Norte. Ou lutar pela abolição dos referendos.

Downing Street recorreu da decisão e mantém o fim de Março como a data em que dará início formal à saída.Theresa May falou ontem mesmo com Merkel e Juncker, a quem garantiu que Brexit means Brexit.

O que o Tribunal conseguiu foi uma dilação de prazos. Na prática, o Reino Unido já saiu. Em Janeiro não assumirá, como lhe competia, a presidência da UE. A alta-finança corrigiu a pontaria. Além de pequenas minudências que envolvem bolsas, financiamentos, projectos, etc., que têm estado a ser cancelados nos últimos meses.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

LE CARRÉ & ADÍLIA


Hoje na Sábado escrevo sobre O Túnel de Pombos, o livro de memórias de John le Carré (n. 1931), o tipo de obra que deixa toda a gente a salivar. A origem do título vem revelada no prefácio, servindo de parábola à vida e obra do autor, que foi diplomata e trabalhou durante vários anos nos serviços secretos britânicos. Ainda por lá andava quando publicou os primeiros quatro livros, entre eles o celebrado O Espião que Saiu do Frio (1963). Isso explica a necessidade do pseudónimo, forma de tornear a Lei dos Segredos Oficiais. O Túnel de Pombos consiste numa colecção de episódios que pontuam a vida do autor. Trinta capítulos são inéditos, os outros oito tiveram publicação prévia entre 1994 e 2014 na Inglaterra e nos Estados Unidos. A dificuldade reside na escolha, porque le Carré tem uma escrita de primeiríssima água e um sentido de humor vintage. A introdução sinaliza o modus operandi do livro: «Estas são histórias verdadeiras, contadas de memória […] A verdade real reside, se reside algures, não nos factos, mas nos matizes.» Fica tudo dito. No texto mais longo e duro do livro, le Carré expõe a complicada relação com o pai: «Demorei muito tempo a conseguir escrever sobre Ronnie, vigarista, fantasista, preso ocasional e meu pai.» Os restantes têm outro carácter. A partir de incidentes da vida diplomática, filmes realizados com base em livros seus, a Guerra Fria, a presença de ex-nazis de altas patentes no sistema judicial e na polícia da antiga RFA, o apoio de segmentos da classe média alemã ao grupo Baader-Meinhof, o momento em que Brodsky soube que tinha ganho o Nobel da Literatura de 1987, Alec Guinness doublé de Smiley, os preparativos para uma entrevista com Bernard Pivot, o chalé suíço, as idiossincrasias de Richard Burton, os encontros com Arafat, a coragem do repórter de guerra Jerry Westerby, o degelo de Gorbachev, o esquizofrénico encontro com um dos patrões da máfia russa na Moscovo de 1993 (o pós-Perestroika encontra-se dissecado em três romances seus), o cartão de crédito de Stephen Spender, etc., le Carré preenche quase quatrocentas páginas de leitura compulsiva e imprescindível. Cinco estrelas. Publicou a Dom Quixote.

Escrevo ainda sobre Bandolim, Adília Lopes (n. 1960). Após trinta livros de poesia, chegou o tempo de Adília escrever parte das suas memórias. Bandolim não é outra coisa senão um diário, ilustrado com uma dúzia de retratos. Não faz sentido metê-lo numa colecção de poesia. O livro dispensa a “nobilitação”. Todas as anotações aqui reunidas corroboram a persona de Adília. Histórias da infância e adolescência, ditos em família, apontamentos de Lisboa e em especial sobre a zona de Arroios, participações em festivais de poesia, episódios da vida escolar, Kristeva e a teoria das catástrofes, a gata Faruk, Amadeo no Beaubourg, intertextualidades, Érico Verissimo (onde tudo começou), recordações dos anos 1970, Barthes, tradições orais, farmácias, Joyce, a Bíblia, o texto do catálogo de uma exposição, psicanálise e darwinismo, o Liceu Pedro Nunes, os Abba & Wagner, Newton, trocadilhos, aforismos, dois ou três poemas, mas também citações de Camilo, Lispector, Campos, Dickinson, Craveirinha, Cernuda, D. Francisco Manuel de Melo e muitos outros. Servindo-se de uma ironia corrosiva, Adília elevou o Kitsch ao cânone: «Eu nunca saí da casa da infância. Ainda tenho os tesouros quase todos.» Num tom aparentemente desfocado, Bandolim diz mais que muitos cartapácios autobiográficos. Quatro estrelas. Publicou a Assírio & Alvim.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

DIA 8 VEREMOS


A sondagem mais recente, publicada hoje no New York Times.

Apesar das manobras de James B. Comey, o director do FBI que no passado 28 de Outubro quebrou a regra de, nos últimos 60 dias da campanha, não se pronunciar sobre qualquer candidato (e ele fez mais do que pronunciar-se), os americanos continuam a apostar em Hillary. Em abaixo-assinados de altos-funcionários do FBI, editoriais, artigos de opinião assinados por políticos e juízes, etc., Comey tem sido acusado de ter feito o que se julgava impossível desde os ominosos tempos de Hoover.

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segunda-feira, 31 de outubro de 2016

CAPAZES DE TUDO

A carta que James B. Comey, director do FBI, enviou ao Congresso na passada sexta-feira, 28 de Outubro, revelando, numa prosa cheia de insinuações, ter descoberto novos emails de Hillary, dá a medida de como os ultra-conservadores tudo farão para impedir Hillary de vencer as eleições. A América profunda não tolera a ideia de ter uma mulher na Presidência.

O episódio ganha contornos obscenos na medida em que esses emails teriam sido descobertos no computador pessoal do congressista Anthony D. Weiner, ex-marido de Huma Abedin, a principal assessora de Hillary (vice-directora da campanha). Weiner está a ser investigado por alegadamente ter trocado selfies do seu pénis com uma adolescente. Tudo isto é caricato.

Em Julho, o FBI tinha encerrado o inquérito aos mails de Hillary, deixando claro que ela não difundiu material classificado através do seu computador privado. No momento em que Trump cai a pique, vem muito a propósito refocilar no lixo.

TERROR

Com 59,36% dos votos, o evangelista Crivella ganhou o Rio de Janeiro. Freixo obteve 40,64%. A abstenção foi de 27%. Terror absoluto.

domingo, 30 de outubro de 2016

O COLAPSO DO RIO

Marcelo Crivella deve ganhar hoje a segunda volta das eleições municipais do Rio de Janeiro. Já tinha ganho a 1.ª volta com 27,8% e prevê-se que hoje obtenha o dobro.

Em Portugal quase ninguém sabe quem é Crivella, 59 anos, cantor gospel, bispo evangélico da Igreja Universal do Reino de Deus e defensor do criacionismo. Não caiu do céu, está na política activa desde 2002. Actualmente milita no PRB, de extrema-direita. Não vale a pena elencar tudo aquilo que Crivella abomina e se propõe proibir. Ao pé dele, Marine le Pen é uma mulher moderada.

O seu opositor é Marcelo Freixo, 49 anos, deputado estadual, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, tendo-se destacado na investigação ao tráfico de armas e à ligação de políticos a grupos paramilitares. Em 2014 foi o deputado mais votado do Brasil. No filme Tropa de Elite 2: o inimigo agora é outro (2010), de José Padilha, a figura do personagem Diogo Fraga é inspirada nele. Actualmente milita no PSOL, partido dissidente do PT.