sábado, 16 de março de 2019

INSCRIÇÃO, OF COURSE


Numa altura em que, acerca do estado do mundo, em geral, e da situação política portuguesa em especial, ninguém sabe o que pensam os artistas, os escritores e os intelectuais portugueses com visibilidade mediática, este statement de Leonor Antunes, a artista plástica escolhida para representar Portugal na Bienal de Veneza deste ano, é eloquente:

«A situação no mundo é bastante triste, com países que se estão a tornar regimes fascistas e populistas. Se tivéssemos um regime diferente, de direita, eu nunca teria aceitado o convite. [...] A situação que vivemos é muito grave. Vivo em Berlim, o governo não é assim tão desinteressante, mas a extrema-direita está no parlamento e era uma voz até há muito pouco tempo proibida, digamos. Sou uma estrangeira que vive em Berlim e não são esses os valores que quero dar à minha filha. Se estivesse o PSD ou o CDS no governo, eu não aceitaria. Embora sejam partidos democráticos, defendem valores em que não acredito

Leonor Antunes está muito acima do patamar partidário, não havia necessidade, mas a frontalidade (a inscrição) é de louvar.

Passou-se isto durante a conferência de imprensa em que foi anunciada a sua escolha entre dezasseis artistas a concurso, doze homens e quatro mulheres, escolha feita por um júri constituído por Cristina Góis Amorim, Nuno Moura, Catarina Rosendo, Jürgen Bock e Sérgio Mah.

A Direita já começou a dar pinotes. Nuno Melo exige a sua cabeça: Tem que ser substituída. Nonsense. Barreto Xavier esperneou.

Leonor Antunes tem 47 anos, vive em Berlim desde 2005, e obras suas fazem parte das colecções de museus importantes em vários países: Reino Unido, Alemanha, França, Espanha, Brasil, México e Estados Unidos. Em Portugal pode ser vista na Gulbenkian e em Serralves.

O trabalho que vai apresentar em Veneza, Uma costura, uma superfície, uma dobradiça e um nó, será exposto no Palazzo Giustinian Lolin, exposição comissariada por João Ribas, antigo director artístico de Serralves.

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sexta-feira, 15 de março de 2019

MASSACRE NA NOVA ZELÂNDIA


Quatro terroristas brancos, supremacistas, atacaram duas mesquitas na cidade de Christchurch (seiscentos mil habitantes), na ilha Sul da Nova Zelândia.

Até ao momento estão confirmados 49 mortos e mais de 50 feridos em estado grave. As duas mesquitas estão separadas uma da outra por pouco mais de seis quilómetros. A maioria dos mortos (41) estava na mesquita de Deans Avenue.

Através de Patsy Reddy, governadora-geral da Nova Zelândia, Isabel II (a rainha) tem estado a acompanhar a situação.

Antes do massacre, o australiano Brenton Tarrant, membro do bando terrorista, escreveu no Twitter um statement de ódio: ‘The Great Replacement’. Deduz-se das suas palavras que o ataque visou vingar a condenação a prisão perpétua de Darren Osborne, autor do ataque à mesquita de Finsbury Park, em Londres (2017).

A equipa de críquete do Bangladesh, que está em Christchurch e se preparava para a ir a uma das mesquitas, encontra-se sob fortes medidas de segurança.

Dois sinais preocupantes: o porta-voz da polícia local diz que a culpa é das fronteiras abertas à imigração; os media neo-zelandezes não utilizam palavras como terrorismo e terroristas.

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quinta-feira, 14 de março de 2019

FOLHETIM BREXIT


Continuam as votações em Westminster, que hoje começaram mais cedo.

Por 334 votos contra 85, foi rejeitada a hipótese de um segundo referendo. Ainda se usa o termo cabazada? Entre os 334 que votaram contra a hipótese de um segundo referendo, estão 18 deputados trabalhistas (a maioria dos trabalhistas absteve-se).

Por 412 votos contra 202, foi aprovada uma moção para estender o art.º 50 até 30 de Junho. Para surpresa de todos, Steve Baker foi um dos que votou contra. E explica porquê no Twitter.

Por 314 votos contra 312, foi chumbada a tentativa de tirar o Brexit das mãos do Governo, entregando o processo aos Comuns. Por apenas dois votos, Theresa May não perdeu o controlo do Brexit.

Agora resta saber se os 27 estão dispostos a prorrogar o Brexit até 30 de Junho. Em princípio, a Itália e a Polónia vão vetar. E Bruxelas já fez saber que o pedido tem que ser muito bem fundamentado: não é automático.

Clique no tuíte de Steve Baker.

RICHARD ZIMLER


Hoje na Sábado escrevo sobre Os Dez Espelhos de Benjamin Zarco, o romance mais recente do ciclo sefardita de Richard Zimler (n. 1956). O Holocausto continua a ser um dos temas centrais da obra do autor. Trata-se de ficcionar a “culpa” sentida por Benjamin e seu primo Shelley, dois sobreviventes que carregam o peso desse acto de transgressão (a sobrevivência em si mesma). O ponto não é despiciendo: houve quem sobrevivesse aos campos e fosse morto no regresso a casa. Citado de passagem a pretexto da relação amorosa de George com Shelley, o pogrom de Kielce (Polónia), ocorrido em 1946, é eloquente. Para quem vê de fora, parece estranho, mas Zimler dilucida a questão, manipulando com desenvoltura as várias personagens e os tempos da história. Dividida em seis capítulos, a narrativa vai de 1944 a 2018. Uma das chaves encontra-se num manuscrito do século XVI que só na actualidade, depois de lido, esclarece parte do sentido do plot. A fechar, um glossário hebraico/português ajuda o leitor interessado nos interstícios da intriga. Quatro estrelas. Publicou a Porto Editora.

COMER O BOLO E FICAR COM ELE


A esquizofrenia dos parlamentares britânicos ultrapassou todos os limites. Ontem, em duas votações diferentes, rejeitaram o hard Brexit, ou seja, uma saída sem acordo. A primeira votação incidiu sobre o diploma do Governo, chumbada por 312 votos contra 308. Chumbo à tangente. Mas uma segunda votação, incidindo já sobre a nova redacção do diploma (a denominada emenda Spelman), teve resultado mais folgado: 321 votos contra 278. Também rejeitaram uma extensão do art.º 50 até 22 de Maio.

Os cavalheiros e as cavalheiras querem comer o bolo e ficar com o bolo.

Hoje é o terceiro capítulo. Theresa May vai tentar aprovar uma pequena prorrogação técnica do art.º 50, que vigoraria até 30 de Junho, mas Bruxelas já fez saber que o pedido teria que ser muito bem fundamentado. E, claro, aprovado por unanimidade pelos outros 27 Estados-membros, tarefa difícil, porque tanto a Itália como a Polónia tencionam vetar a extensão.

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quarta-feira, 13 de março de 2019

ATÉ QUANDO?


Em vez de se preocupar com publicidade partidária em períodos de campanha eleitoral, um disparate sem classificação, a Comissão Nacional de Eleições devia sensibilizar as autarquias a removerem do espaço público os outdoors gigantes que abastardam o espaço público.

Em Lisboa, sirvam de exemplo o Marquês de Pombal, o Saldanha, o Campo Pequeno, Entrecampos, a Praça de Espanha e outras áreas nobres da cidade.

Para não ferir nenhuma sensibilidade ideológica, e todas estão representadas em Lisboa (incluindo proto-partidos ainda não legalizados), a imagem reporta a um anúncio comercial, o qual não faz sentido ter aquelas dimensões.

Será que queremos, como gente insuspeita quis em 1974-75, ser iguais à Albânia?

TAXA ZERO


Para obviar à desordem aduaneira que se prevê após um Brexit sem acordo, o Reino Unido vai manter em zero as taxas de 87% dos produtos importados de países da UE. Os 13% não contemplados incluem carne de bovino, atum em lata, calçado, vestuário, lingerie masculina e feminina em fibra sintética e automóveis.

Com carácter temporário, a medida visa evitar duas coisas. Primeiro, o choque imediato que representaria o previsto acréscimo de nove mil milhões de libras junto dos importadores britânicos. Segundo, impedir a Irlanda do Norte de transformar-se num paraíso de contrabandistas.

Clique na imagem do Guardian.

terça-feira, 12 de março de 2019

BREXIT AGAIN


Por 391 contra 242 votos, o Parlamento britânico chumbou novamente o acordo de saída controlada da UE.

A questão da fronteira da Irlanda do Norte, parte integrante do Reino Unido, com a República da Irlanda, continua a ser a pedra no sapato dos parlamentares.

Face à derrota, os Comuns votam amanhã duas opções: sair sem nenhum acordo (a forma mais sensata de resolver o assunto), ou pedir uma extensão curta do art.º 50.

Patético como sempre, Corbyn, o líder trabalhista, exorta os deputados a aprovarem a sua opção sugar-Brexit.

Imagem de Theresa May após a divulgação do resultado. Clique.

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No momento em que a sociedade se confronta com o sexo clandestino dos padres, a história de Amaro e Amélia (com aborto pelo meio) vem muito a propósito.

Em 2008, adaptei para os mais novos O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queiroz. A segunda edição do livro foi agora posta à venda, ao preço imbatível de 4 euros por exemplar, por se tratar de uma edição exclusiva para o Pingo Doce, editada pela Glaciar de Jorge Reis-Sá.

Mantém as ilustrações originais de Carla Nazareth — razão determinante para ter autorizado a reedição —, que são magníficas. Difere da edição de há 11 anos pelas dimensões: 25cmx23cm em 2008, 20cmx20cm actualmente. Capa dura e grafismo limpo.

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domingo, 10 de março de 2019

LIA EM ALTA DEFINIÇÃO


Lia Gama foi a entrevistada de ontem no programa Alta Definição, do jornalista Daniel Oliveira, na SIC. Vi agora. Um daqueles momentos raros de televisão.

Lia, que no próximo dia 24 vai receber o prémio Sophia Carreira (assunto omisso da conversa), expõe a sua vida com uma naturalidade desarmante, por vezes crua: violência doméstica na infância, maioridade aos 13, Paris, vigilância da Pide, o teatro, o dedo amputado do fotógrafo Sérgio Guimarães, outros amores, noitadas, bezanas, o casamento, os meses de Angola nos anos de brasa da guerra colonial, o filho, a disciplina do actor, a solidão.

Conheci a Lia em Lourenço Marques, no dia do meu 21.º aniversário (1970), em circunstâncias peculiares. Ainda há três dias estivemos juntos, a rir-nos muito, mas ela foi incapaz de mencionar que estava para sair a entrevista, tal como, na conversa com Daniel Oliveira, não faz referência aos autores que interpretou, e foram alguns dos maiores (Shakespeare, Gorki, Beckett, Genet, Sartre, Fassbinder, Gombrowicz e outros), nem aos encenadores com quem trabalhou, e também aí podia ter puxado dos galões, porque trabalhou com toda a gente que importa. Quem a ouvir, parece que só fez teatro de boulevard na companhia de Vasco Morgado. Também não fala dos filmes, e foram tantos, de realizadores tão diferentes como Manoel de Oliveira, Fernando Lopes, Fonseca e Costa, Solveig Nordlund, Alberto Seixas Santos, Joaquim Leitão, Alain Tanner e outros. Nenhuma pose, apenas a vida como ela tem sido. Vale a pena ir ver.

Na imagem, Lia Gama fotografada por Jorge Gonçalves durante a representação de Aos Que Nasceram Depois de Nós, de Brecht, dirigida por Jorge Silva Melo para os Artistas Unidos e Companhia de Teatro de Braga, em 1998.

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