sábado, 3 de março de 2018

TANTO BARULHO PARA NADA

Afinal, o que o Presidente da República queria era um debate alargado sobre o financiamento dos Partidos. Desde que o conteúdo do diploma fosse explicado, podia ter ficado como estava. Marcelo dixit: «A minha recomendação era muito simples. Têm de discutir e explicar aos portugueses aquilo que querem aprovar. Fizeram isso.» Foi a posição defendida pelo PS desde o início, mas os deputados foram mais papistas que o Papa e fizeram alterações pontuais.

Ontem, com os votos do PS, BE, PCP, PEV e PSD, o Parlamento aprovou as alterações. O CDS e o PAN votaram contra.

quinta-feira, 1 de março de 2018

LISBOA & NORTON


Hoje na Sábado escrevo sobre Acta Est Fabula: Epílogo, último volume das memórias de Eugénio Lisboa (n. 1930). Após cinco volumes que cobrem o período que vai de 1930 a 2015, Epílogo é uma homenagem a Maria Antonieta, a companheira de sempre — «Aconteceu o inconcebível: partires, deixares-me sem ti» —, falecida no Verão de 2016. Nem podia ser de outro modo: «Publicar um livro de memórias que ignorasse este acontecimento, como se nada se tivesse passado, pareceu-me inconcebível e quase afrontoso.» Numa prosa sem qualquer espécie de delíquio, Eugénio Lisboa reconstrói a perda excruciante. Páginas admiráveis. Na página 37 começa o diário de dois anos decisivos da vida de Eugénio Lisboa. As entradas, que vão de Agosto de 2015 a Julho de 2017, permitem acompanhar (nos primeiros 12 meses ainda na companhia de Maria Antonieta) com minúcia as memórias, a rotina, as leituras e as ‘embirrações literárias’ do autor, sem esquecer o sulfuroso ponto de vista sobre política nacional e internacional, a gata Ísis, a filha mais velha, as netas, os amigos. Vários poemas intercalam o texto. Os momentos difíceis, que foram quase todos os deste período, matizam o tradicional sarcasmo: «Leio e escrevo como quem se droga, para esquecer. Mas o problema é que não quero esquecer.» Contudo, sobra espaço para o desacerto com o gosto de muitos: «Um senhor Gonçalo M. Tavares, que toda a gente lambusa, tontamente, escreve romances alemães, com gente alemã. Só há um inconveniente: é que ele é português.» A cena literária é comentada com acidez por quem nunca escreveu para alinhar com a Academia (a que pertence!) ou seduzir os novos, o que explica o enfado com os bonzos mediáticos e a iliteracia de muitos agentes culturais. Ensaísta heterodoxo, Eugénio Lisboa teve uma vida preenchida: em Moçambique foi gestor de uma petrolífera (mais tarde, em Paris, director mundial Compagnie Française de Pétroles) e professor de Literatura, docência prolongada nas universidades de Pretória e Estocolmo, depois, durante dezassete anos, conselheiro cultural na embaixada de Portugal em Londres (1978-95), presidente da Comissão Nacional da Unesco e, por fim, catedrático visitante em Aveiro. Cinco estrelas. Publicou a Opera Omnia.

Escrevo ainda sobre A Vida é um Tango, de Cristina Norton (n. 1948). Depois de publicar meia dúzia de romances, a autora deu agora à estampa este interessante livro de contos. A paleta de temas é muito variada. Há contos sobre as sequelas da ditadura militar argentina, como acontece com A Mãe da Plaza de Mayo, sobre um triângulo amoroso entre duas irmãs e o marido da mais velha, sobre uma pintora alcoólica, sobre uma empregada doméstica com fétiche por fardas de soldados («as botas engraxadas e o cheiro a caserna transportavam-na ao sétimo céu num abrir e fechar de pernas»), etc. A vida de Frida Kahlo e, em particular, a amputação da sua perna direita, dá azo a uma bela evocação, mas não propriamente a um conto. Por outro lado, O bambolear de Adélia, se desenvolvido, poderia dar lugar a uma novela. É o conto melhor estruturado do conjunto. Buenos Aires e Paris servem de cenário a várias histórias, mas isso não constitui surpresa: a autora nasceu na primeira e estudou na segunda. Cristina Norton tem uma escrita que recupera o ar do tempo de forma hábil. Quatro estrelas. Publicou a Oficina do Livro.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

EM QUE FICAMOS?

A propósito da Fronda contra Fernando Negrão, lembrei-me, como terá acontecido a muita gente, do caso ‘Inadiáveis’.

Transcrevo do meu livro de memórias:

«Em Abril de 1979, com o país em transe, 37 dos 73 deputados do PSD desvincularam-se do partido, permanecendo no Parlamento como independentes. Ficaram conhecidos como inadiáveis. Um mês antes, inspirado no modelo sensacionalista do Sun, Vítor Direito lançou o Correio da Manhã, que seria o porta-voz de todos os adversários de Sá Carneiro.» — cf Um Rapaz a Arder, Quetzal, 2013.

Os inadiáveis fundaram um partido político, a ASDI, cujos fundadores foram Magalhães Mota, Sousa Franco, Sérvulo Correia e outros. Eram apoiados, fora do Parlamento, por Rui Machete, Ernâni Lopes, Jorge Miranda, etc. Todos adversários de Sá Carneiro.

Hoje não há tomates para estas tomadas de posição. Os ideólogos do Compromisso Portugal (Observador) deviam aproveitar para fundar um partido de Direita à maneira deles, dizendo claramente ao que vêm.