quinta-feira, 4 de novembro de 2021

JONATHAN FRANZEN


Hoje na Sábado.

Tem saudades de, ou quer saber como se vivia nos anos 70 do século passado? Então leia Encruzilhadas, o romance mais recente de Jonathan Franzen (n. 1959), primeiro título de uma anunciada trilogia sobre a América comtemporânea, A Key to All Mythologies. Desde as obras-primas de Updike, Roth e DeLillo que a literatura norte-americana não atingia tal fôlego, mas isso ficou estabelecido há vinte anos, quando Franzen publicou Correcções.

O título original, Crossroads, remete para um gangue de adolescentes da Comunidade de Deus. Tudo se passa num subúrbio de classe-média de Chicago, onde vivem os Hildebrandt. Russ, o patriarca da família, pastor na igreja local, via-se a si próprio, aos 47 anos, como um «tolo, obsoleto e repelente palhaço». Estamos nos últimos anos da Guerra do Vietname e, para os Hildebrandt , o Natal de 1971 desata o nó górdio das tensões (o romance ocupa-se de duas gerações da família). O plot inclui desastres, sexo, estupro, aborto, drogas, renascimento do cristianismo moderno, crises de fé, internamento psiquiátrico, costumes Navajo, contracultura hippie, guerra vs pacifismo, voluntariado, frustração, memórias recalcadas, ressentimento, psicanálise grupal, conflito étnico, dilemas morais, epifanias, crime, suicídio e blues de Robert Johnson. Leitores familiarizados com a cultura pop dos seventies, sobretudo música e cinema, identificam com facilidade os envios.

A mais-valia de toda a arquitectura romanesca encontra-se na forma como Franzen radiografa cada um dos cinco membros da família. Por exemplo, Perry (o filho mais novo), um toxicodependente de 15 anos intelectualmente sobredotado, terá sido inspirado na personalidade de David Foster Wallace, que foi íntimo do autor. Em suma, uma versão actual dos Buddenbrook de Thomas Mann não andaria longe deste quadro.

Encruzilhadas é realismo histérico (como James Wood bem observa) em todo o seu esplendor, calibrado com o virtuosismo a que Franzen nos habituou. A partir de incidentes paroquiais e das disfunções de uma família sem glamour, o autor constrói um épico irrepreensível, onde não faltam juízos morais: «Como podia uma nação que se intitulava cristã gastar milhares de milhões de dólares em armas mortíferas?» Nada que surpreenda quem conheça a obra do autor.

Doravante, a cidade fictícia de New Prospect passa a integrar a geografia da literatura contemporânea. E Marion, mulher mal amada, mãe de cinco filhos e co-autora dos sermões do marido, tem a espessura de uma heroína de Balzac.

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