sábado, 26 de junho de 2021

TERRORISMO OU SIMPLES ESTUPIDEZ?

A forma como todos os canais de televisão têm estado a fazer a cobertura da pandemia ficará nos anais como epítome de abjecção.

O agitprop político percebe-se. É lamentável, mas faz parte do jogo democrático. O espírito pidesco é outra coisa. Vem isto a propósito dos checkpoints montados na Gare do Oriente (e outras partes) a pretexto das normas de circulação, aos fins-de-semana, na Área Metropolitana de Lisboa.

Vamos admitir que os assalariados de serviço, tendo nascido todos depois de 1974, não conheceram o Portugal da ditadura. Não é desculpa para terem um polícia dentro da cabeça. E é isso que tenho visto, pessoas a serem inquiridas como se estivessem numa Esquadra, o mesmo acontecendo a agentes da PSP e da GNR que, em vez de um seco não respondo (a perguntas idiotas), aturam a caterva.

quinta-feira, 24 de junho de 2021

SEIS ESCOLHAS


Hoje na Sábado

Começar pelo princípio: Marilynne Robinson (n. 1943), voz maior da literatura norte-americana, está de volta com Jack. Com acção em Gilead, a cidade que empresta o nome ao título do romance que a fez vencer o Pulitzer de Ficção em 2005, o livro conta a história de Jack Boughton, filho “problemático” de um pastor presbiteriano. Já o conhecemos de Gilead, Home e Lila, os romances anteriores da tetralogia. O ponto crítico está na ligação amorosa de um homem branco com uma mulher negra, na América dos anos 1950. Ser professora e filha de um bispo metodista influente na comunidade negra não isenta Della Miles dos interditos da lei. Mas a vexata quaestio nem sequer reside aí. Para Marilynne Robinson, a questão central é pôr em pauta o tipo de país em que a América se transformou. O dilema de Hamlet paira como uma sombra nas discussões “teológicas” de Jack e Della. Notável. Publicou a Relógio d'Água.

Finalmente podemos ler Luto em português. Trata-se do romance mais traduzido e premiado do guatemalteco Eduardo Halfon (n. 1971), judeu mizrahim que nos faz mergulhar no horror de um país destroçado pela guerra civil. No Verão de 1981, antes de completar dez anos, o narrador muda-se com os pais para os Estados Unidos. O relato será feito a partir da Flórida, a pretexto da memória de um tio que nunca conheceu: «Chamava-se Salomón. Morreu aos cinco anos, afogado no lago Amatitlán.» Filtrada pelas raízes familiares — polacas por parte da mãe, libanesas do lado paterno —, a escavação do passado expõe o conflito entre culpa e curiosidade. Publicou a Dom Quixote.

A Trilogia da Cidade de K. traz de volta os livros mais famosos de Agota Kristof (1935-2011), a escritora que fugiu para a Suíça após o fracasso da Revolução Húngara de 1956. Radicada em Neuchâtel, tornou-se cidadã helvética e publicou a obra em francês. Reunidos em volume único, O Caderno Grande (1986), A Prova (1988) e A Terceira Mentira (1992) contam a história de dois gémeos amorais, vítimas da guerra e toda a espécie de iniquidades. Escrito em capítulos muito curtos, O Caderno… suscitou controvérsia quando foi publicado, dando origem a um processo judicial (as cenas de sexo e crime foram consideradas pornográficas). Os outros dois romances têm uma estrutura mais convencional, desdizendo, cada um a seu modo, as “verdades” do Caderno… Publicou a Relógio d'Água.

Sessenta anos após a sua primeira publicação, Chamada Para o Morto volta às livrarias, desta vez com uma introdução escrita para assinalar a data pelo próprio John le Carré (1931-2020). O livro marca o “nascimento” de Smiley, o espião improvável com quem Le Carré cresceu e amadureceu. Chamada Para o Morto é o primeiro de nove romances centrados na figura desse erudito da cultura alemã que fará dos serviços secretos a sua razão de vida (a mulher, Lady Ann Sercomb, trocou-o por um piloto cubano de Fórmula Um). O plot gira em torno do alegado suicídio de Samuel Fennan, funcionário do Foreign Office britânico. Foi o primeiro, mas já era vintage. Publicou a Dom Quixote.

Condensar a história inglesa entre o século V e o fim dos anos 1990 numa síntese rigorosa, foi o que fez Simon Jenkins (n. 1943) ao escrever esta Breve História de Inglaterra. Em menos de quatrocentas páginas, o autor faz um tour d’horizon deveras estimulante, que nos leva da Alvorada Saxónica ao legado de Thatcher, dissecando temas tão importantes como a Reforma religiosa (o conflito com o Papa) ou o Estado-Providência criado em 1945. A obra inclui uma cronologia de datas-chave, bem como a lista de todos os soberanos e primeiros-ministros do Reino Unido. Publicou A Esfera dos Livros.

A morte de Marcelino da Mata, controverso oficial dos Comandos, acordou velhos fantasmas da Guerra Colonial. Um deles, porventura o mais polémico, foi a invasão falhada da Guiné-Conacry, em Novembro de 1970. Efectuado por via marítima, o golpe visava capturar Amílcar Cabral, líder do PAIGC, libertar prisioneiros portugueses, levar os oposicionistas de Sékou Touré ao poder, e destruir os caças russos Mig. Operação Mar Verde, de António Luís Marinho, expõe os factos com exemplar minúcia: Amílcar Cabral não foi encontrado, não havia Migs no aeroporto de Conacry, os oposicionistas da FLNG não conseguiram eliminar Sékou Touré. Portugal desmentiu tudo. Prefaciado por Guilherme Alpoim Calvão, responsável pela tentativa desse coup d'État, o volume inclui dezenas de fotografias, índice onomástico e, em anexo, documentação militar. Um documento para a História. Publicou a Temas & Debates.

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quarta-feira, 23 de junho de 2021

UM TORNEIO PARA TODOS?


A UEFA não permitiu que o Allianz Arena, onde esta noite jogam as selecções alemã e húngara, fosse iluminado com as cores da bandeira arco-íris, símbolo da comunidade LGBTI. A acção visava dar um sinal à Hungria, país da UE que recentemente aprovou legislação discriminatória da comunidade homossexual. 

Heiko Maas, ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, já criticou a decisão da UEFA: «Es stimmt, auf dem Fußballplatz geht’s nicht um Politik. Es geht um Menschen, um Fairness, um Toleranz. Deshalb sendet die UEFA das falsche Signal. Aber man kann heute ja zum Glück trotzdem Farbe bekennen im Stadion und außerhalb.» — Sinal errado, diz ele.

A ver vamos se a equipa alemã toma posição logo à noite.

A ideia de iluminar o estádio com as cores LGBTI partiu de Dieter Reiter, presidente da Câmara de Munique (capital do Estado da Baviera), que afirmou: «Queremos enviar um sinal claro à Hungria e ao mundo

Em protesto contra a UEFA, vários estádios alemães vão iluminar-se com as referidas cores assim que começar o jogo do Allianz Arena. A decisão da UEFA é tanto mais contraditória quanto a própria organização publicou um statement no Twitter, ilustrado com o símbolo do arco-íris, defendendo a inclusão da comunidade LGBTI no mundo do futebol.

Mas, como toda a gente sabe, o futebol é o último reduto da vida colectiva a seguir a divisa da rainha Vitória: «Homossexualidade? Isso não existe.» A soberana referia-se em particular às lésbicas.

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domingo, 20 de junho de 2021

VASCO GRAÇA MOURA


UM POEMA POR SEMANA — Para hoje escolhi os fantasmas coloquiais de Vasco Graça Moura (1942-2014), voz central da poesia portuguesa contemporânea e um dos intelectuais mais influentes do século XX português.

Natural do Porto, advogado, deputado à Assembleia Constituinte, eurodeputado no Parlamento Europeu (1999-2009), exerceu vários cargos institucionais, tais como, entre outros, os de secretário de Estado em dois Governos Provisórios (no IV, da Segurança Social; no VI, dos Retornados), director-geral da RTP, presidente da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, representante de Portugal no Conselho da Europa, presidente da comissão executiva das comemorações do centenário de Fernando Pessoa, presidente da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (1988-95), comissário de Portugal para a Exposição Universal de Sevilha, director da Fundação Casa de Mateus, membro do conselho consultivo da FLAD, membro do conselho-geral da Comissão Nacional da UNESCO, director do Serviço de Bibliotecas e Apoio à Leitura da Fundação Calouste Gulbenkian e, nos dois últimos anos de vida, presidente do CCB.

Além de poesia, escreveu ensaio, ficção, crónicas e um diário, tendo organizado antologias de poesia e prosa. Traduziu Dante, Shakespeare (os sonetos), Petrarca, Rilke, Villon, Ronsard, Moliére, Voltaire e outros.

Em 1998 foi-lhe atribuída a Medalha de Ouro da Cidade de Florença pelas suas traduções de Dante. Mais tarde (2002), o ministério italiano da Cultura distinguiu-o pelas traduções de Dante e Petrarca. Uma das marcas da sua passagem pela IN-CM foi a edição integral da Enciclopédia Einaudi. Em Portugal recebeu todos os prémios que havia para receber, incluindo, em 1995, o Prémio Pessoa. Foi condecorado várias vezes, em Portugal e no Brasil.

Militante do PPD/PSD, apoiou a reeleição de Eanes (contra o candidato da AD) e, a partir de 1986, liderou o Movimento Contra o Acordo Ortográfico. Por mais de uma vez recusou ser ministro da Cultura. Homem de Direita, o seu ecumenismo é reconhecido por todos os quadrantes ideológicos. Teve quatro filhos de três casamentos. À data da sua morte vivia com a investigadora Maria Bochicchio.

O poema desta semana integra A Furiosa Paixão Pelo Tangível (1987). A imagem foi obtida a partir do primeiro volume de Poesia Reunida, publicado pela Quetzal em 2012.

[Antes deste, foram publicados poemas de Rui Knopfli, Luiza Neto Jorge, Mário Cesariny, Natália Correia, Jorge de Sena, Glória de Sant’Anna, Mário de Sá-Carneiro, Sophia de Mello Breyner Andresen, Herberto Helder, Florbela Espanca, António Gedeão, Fiama Hasse Pais Brandão, Reinaldo Ferreira, Judith Teixeira, Armando Silva Carvalho, Irene Lisboa, António Botto, Ana Hatherly, Alberto de Lacerda e Merícia de Lemos.]

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