sábado, 26 de agosto de 2017

MACAU


Imagens do rescaldo do tufão Hato, anteontem. Nove mortos e cerca de duzentos feridos, centenas de desalojados e de lojas destruídas, prejuízos no valor de milhões de milhões. Até ontem, só havia água e electricidade nos organismos do Governo e da polícia, hospitais, embaixadas, casinos e hotéis de luxo. O aeroporto cancelou mais de 500 voos. As pessoas comuns, que vivem em prédios de 40 e mais andares, tiveram de safar-se sem elevadores. Mas tudo isto passou entre os pingos da chuva da imprensa portuguesa. Amanhã vai haver outro, quando forem 5 da madrugada em Portugal.

Mas até do ponto de vista sensacionalista, que faz vender jornais, o tufão Hato tem pontas por onde vale a pena pegar. Uma delas diz respeito à demissão do director dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos de Macau. O homem foi obrigado a demitir-se por ter mandado hastear o sinal de tempestade às 9 da manhã de quarta-feira (duas da madrugada em Lisboa), quando devia tê-lo feito duas horas mais cedo. E porquê só às 9? Porque às 8 da manhã ocorre a mudança de turno nos casinos, que funcionam ininterruptamente durante 24 horas. Macau tem mais casinos que Las Vegas, sabia? Com o sinal de tempestade hasteado antes das 8, ou mesmo às 8, ninguém poderia sair nem entrar. Às 9 permitiu isso tudo, e pior: centenas de milhares de pessoas vieram para a rua fazer a sua vida e caiu-lhes o inferno em cima.

Entretanto, já sabemos quase tudo sobre o tufão Harvey que ontem começou a fustigar o Texas.

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

A ESTUPIDEZ NÃO TEM IDEOLOGIA


Face ao destrambelho homofóbico, só me apetece citar o manifesto de 1971 do Front Homosexuel d’Action Révolutionnaire, publicado no jornal Tout!, então dirigido por Sartre.

«Nesta questão do puritanismo repressivo no interior da força revolucionária, é um teste capital a atitude frente à homossexualidade

Foi isto há 48 anos! O manifesto da FHAR foi publicado em Portugal pela Assírio & Alvim (quem diria), em 1974, e eu comprei-o ainda em Lourenço Marques. Além do manifesto, o volume inclui testemunhos de vária ordem, glossário de jargão homossexual, um breve historial dos movimentos gay europeus e americanos, iconografia de Tom of Finland e caricaturas de recorte Charlie.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

SAUNDERS & ZADIE


Hoje na Sábado escrevo sobre Lincoln no Bardo, o primeiro romance de George Saunders (n. 1958), contista laureado praticamente desconhecido no nosso país, embora duas das suas colectâneas de contos, entre elas a incontornável Pastoralia, estejam traduzidas. Lincoln no Bardo é a sua obra mais recente. Saunders pegou num episódio delicado, a depressão que tomou conta de Abraham Lincoln após a morte do seu terceiro filho, Willie, vítima de tifóide aos onze anos. Eram comentadas as visitas nocturnas do Presidente à cripta da criança, em Oak Hill, facto peculiar na medida em que não fora caso único: três dos seus quatro filhos morreram antes de atingirem a idade adulta (sobreviveu apenas o primeiro). Curiosidade adicional: o livro levou quatro anos a escrever mas o plot decorre todo ao longo de uma única noite. Saunders terá tido acesso a detalhes da reacção post mortem, e do excruciante sofrimento de Lincoln, servindo-se deles para pôr de pé o romance. Como sempre, o discurso não é linear. Dito de outro modo, Lincoln no Bardo não é um romance que siga o padrão canónico. O leitor comum talvez seja surpreendido por alguns tiques de escrita: nomes próprios grafados em letra minúscula, monólogos desconexos por via de certa filiação à literatura do absurdo, excertos de jornais da época (estava-se no auge da Guerra de Secessão), trechos de mnemónica, vozes fantasmáticas, citações e outro material avulso com que compõe um patchwork tendo como denominador comum a morte. Em suma, não é um livro fácil. No Tibete chama-se bardo ao “trânsito” entre morte e reencarnação. Isso explica o sentido do título do livro, ou seja, o karma que Saunders atribui a Lincoln. Não admira portanto que a sociedade americana seja vista pela intermediação mediúnica de fantasmas: caçadores, soldados, funcionários, assassinos, etc. Quem quiser encaixar Saunders numa genealogia, pode socorrer-se de Edgar Lee Masters e, em particular, na famosa Spoon River Anthology (1915) e as suas vozes do Além. Na realidade, Saunders pretendeu fazer a biografia de uma fase dolorosa da vida de Lincoln. E faz isso muito bem, ressalvado o excesso de pirotecnia semântica. Mas não é fácil escrever sobre os efeitos da depressão. Quatro estrelas. Publicou a Relógio d’Água.

Escrevo ainda sobre Swing Time, de Zadie Smith (n. 1975). Os idiossincráticos códigos de classe e as regras sociais atinentes continuam a ser o território de eleição da autora, que escreve a partir de um ponto de vista étnico, ou seja, sem ignorar a sua origem jamaicana: Sonho com a Jamaica, sonho com a minha avó. Recuo no tempo… Tal como em NW, uma história de Londres, Swing Time ilustra o lugar dos deserdados da sociedade de consumo. Escrito na primeira pessoa, pode ser lido como um compósito de memórias. A narrativa começa em 1982, ano em que tanto a narradora como a autora têm sete anos de idade. Como em obras anteriores, o tempo da acção é longo. Durante vinte e tal anos acompanhamos as vidas de duas amigas, ambas mestiças. Dois destinos, duas formas de encarar o mundo. A escrita de Smith é vertiginosa, rica de subtilezas, atenta aos detalhes mais prosaicos. Há quem veja na figura de Aimee, a estrela planetária com ambições filantrópicas, um ‘retrato’ de Madona. África não surge por acaso. Temas como a ajuda ocidental, a moda da adopção de crianças por estrangeiros ricos, mas também o turismo sexual, são desmontados pela autora. Quatro estrelas. Publicou a Dom Quixote.

COMING OUT

Quando leio intelectuais (sim, intelectuais) a gozarem com o coming out de forma leviana, penso sempre nos filhos que têm e naquilo que o futuro lhes pode reservar. Cuspir para o tecto dá sempre mau resultado.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

A VIDA COMO ELA É

Não sei se as pessoas deram por isso (os media nacionais não ajudam), mas a administração Trump de Agosto não tem nada a ver com a de Janeiro. Quem deu atenção ao discurso à Nação proferido anteontem, confirmou os sinais em crescendo nas últimas semanas. Quem não deu pelo discurso, é natural que não perceba do que falo. Resumindo: o Poder militar tomou conta da Casa Branca a partir do momento em que o general John F. Kelly assumiu o cargo de Chief of Staff, o que aconteceu no passado 31 de Julho. A razia operada desde então transformou a West Wing trumpiana numa West Wing praticamente institucional. Continuam por limar algumas arestas, mas a coisa mudou. A “América primeiro” foi pelo cano, como ficou claro no discurso: o Afeganistão volta a ser uma prioridade absoluta. Ao fim de sete meses de mandato, Trump é obrigado a cair na realidade. Continuará a dizer disparates no Twitter, claro que sim, mas as chancelarias internacionais já mudaram as linhas com que andaram a coser-se desde 20 de Janeiro.

terça-feira, 22 de agosto de 2017

HONRA A GRAÇA FONSECA


Nem sempre leio o DN e hoje só o fiz agora, alertado por terceiros. Numa longa e excelente entrevista concedida a Fernanda Câncio, a secretária de Estado da Modernização Administrativa, Graça Fonseca, assumiu publicamente ser homossexual:

«Como é óbvio isto foi uma questão muito pensada. E na verdade não é uma questão da privacidade, é uma questão de identidade. [...] E acho que se as pessoas começarem a olhar para políticos, pessoas do cinema, desportistas, sabendo-os homossexuais, como é o meu caso, isso pode fazer que a próxima vez que sai uma notícia sobre pessoas serem mortas por serem homossexuais pensem em alguém por quem até têm simpatia

O statement de Graça Fonseca enche-me de orgulho. Enquanto não houver mais pessoas como ela, Portugal não muda. Hoje é um dia muito importante para a comunidade LGBT. O jornal e a jornalista estão de parabéns. Mas Graça Fonseca tem o mérito a dobrar. Obrigado.

domingo, 20 de agosto de 2017

JERRY LEWIS 1926-2017


Com 91 anos, morreu hoje Jerry Lewis, um dos maiores comediantes de Hollywood. Celebrizou-se com a parceria que durante sete anos o ligou a Dean Martin: nada menos que dezassete filmes entre 1949 e 1956. A natureza da relação de ambos ainda hoje é motivo de controvérsia. Quando a dupla se desfez, impôs-se a solo como actor, realizador, guionista e produtor de cinema e televisão. Entre dezenas de outros, filmes como The Bellboy (1960) e The Nutty Professor (1963) ficaram na memória de todos. Kennedy, de quem era amigo, aconselhou-o a nunca tomar posições públicas sobre política. Distrofia muscular, diabetes e cancro da próstata foram algumas das suas doenças. Nos anos 1950 e 60 foi, de facto, o rei da comédia.