sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

DISCURSO DIRECTO, 39

Estrela Serrano, O caso do procurador... Excerto, sublinhado meu:

«A detenção do procurador do Ministério Público Orlando Figueira por suspeitas de corrupção e branqueamento de capitais é um facto perturbador. Não porque outros agentes da justiça não tenham já anteriormente sido alvo de processos. Acontece, porém, que [...] o procurador Orlando Figueiras foi responsável por processos relacionados com políticos e altas figuras do Estado angolano — BES Angola e Caso Banif — e terá recebido “luvas” em milhares de euros para arquivar esses  processos. Orlando Figueira deixou as funções de procurador para se tornar consultor para a área de “compliance” do Activo Bank e para a sociedade de advogados BAS, ambos com ligações a Angola.  Isto é, além de luvas, o procurador terá sido também recompensado com emprego pelo arquivamento dos processos que envolviam aquelas altas figuras angolanas. [...]

O caso reveste-se ainda de contornos mais preocupantes quando se sabe que em 2012 a actual procuradora-geral, Joana Marques Vidal, impediu, com um voto contra, que o Conselho Superior do Ministério Público inquirisse o procurador Orlando Figueira sobre a entidade para quem estava a trabalhar. Não se sabe porque razão a procuradora-geral impediu que o procurador Figueira fosse inquirido.

Podemos sempre dizer que a justiça está a funcionar porque um procurador do Ministério Público foi detido e ficou em prisão preventiva. [...] Mas se relativamente aos políticos, dada a sua má reputação, ninguém se surpreende quando lhes são apontadas suspeitas de corrupção, um magistrado do Ministério Público, ainda por cima, especializado na investigação da corrupção, ser suspeito de corrupção e detido por perigo de fuga e de perturbação do inquérito, é um escândalo de proporções incalculáveis, capaz de arrastar indelevelmente a credibilidade da justiça

SOLMAR


A cervejaria Solmar, incluindo o mobiliário de José Espinho (Olaio) e os azulejos de José Pinto, vai ser classificada. O anúncio da Direcção-Geral do Património Cultural foi ontem publicado no Diário da República. Inaugurada em 1956, a Solmar ocupa o rés-do-chão do Ateneu Comercial de Lisboa, na Rua das Portas de Santo Antão. Fui lá duas ou três vezes, durante a temporada que passei em Lisboa entre Julho de 1964 e Fevereiro de 1965. Uma dessas vezes foi na noite em que ardeu o Teatro Nacional D. Maria II, que tinha em cena Macbeth, de Shakespeare. Sem razões especiais, nunca mais voltei à Solmar. Clique na imagem.

CHARME, DIZEM ELES

A Rádio Renascença vai mudar-se do Chiado para a Buraca. O palacete do século XIX situado na Rua Ivens foi vendido a um grupo de hotelaria, que o transformará em hotel de charme. O mesmo acontecerá ao edifício do Diário de Notícias, situado na Avenida da Liberdade, que em 1940 valeu o Prémio Valmor a Porfírio Pardal Monteiro. Lá para Outubro, o jornal muda-se para a Segunda Circular, junto à passagem aérea da Galp. No tempo em que as galinhas falavam (não me recordo do ano), esteve prevista a mudança da Avenida da Liberdade para o Parque das Nações. A possibilidade causou escândalo e lembro-me de ter assinado uma petição. Hoje ninguém mexe um dedo porque, de facto, não vale a pena.

LOGRO

O Governo de Passos & Portas andou a gabar-se de ter poupado 2.500 milhões de euros na renegociação de nove PPP rodoviárias. Todos ouvimos os corifeus do economês louvar a proeza. Mas Pedro Marques, ministro do Planeamento e das Infraestruturas, foi ontem ao Parlamento apresentar as contas reais: a poupança foi de 700 milhões de euros, ou seja, 28% do alardeado por Passos & Portas. Ouvido em audição conjunta nas comissões de Orçamento e Finanças e de Economia e Obras Públicas, o ministro também chamou a atenção para um detalhe lesivo dos contribuintes: nos termos dos novos contratos, as grandes reparações nas vias passam a ser da responsabilidade do Estado. Dito de outro modo, os accionistas privados fizeram um negócio da China.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

JOÃO DE MELO


Hoje na Sábado escrevo sobre Os Navios da Noite, colectânea de dezoito contos de João de Melo (n. 1949). Autor de seis romances e uma novela, é no conto que atinge maior conseguimento. Bom exemplo: Sic transit gloria mundi, um dos contos agora reunidos, faz o retrato de um país deslaçado: «O país não estava em condições de lhes dar o luxo de uma ilusão de beleza nem de conforto interior.» Sob a forma de monólogo, alguém que regressa após longa ausência indigna-se com a «comédia de enganos» em que todos participam. Não lhe resta senão libertar a corrente de consciência e dar voz ao discurso do desencanto. Denominador comum, a crítica social. Nos seus livros, João de Melo nunca foi indiferente à sorte dos desapossados, ao estigma das clivagens sociais, aos dramas da solidão. À sua maneira, cada um destes contos recupera esse padrão de preocupações. Em registos diferentes, O ponto de vista do vencido (reminiscências da Pide) e Navio de cruzeiro ao Sul (sobressalto em alto-mar), são alegorias da vulnerabilidade humana. Em suma, histórias comuns, matéria de sempre da literatura. Três estrelas.

DAVID NO MOTEL


Definitivamente, o dia ontem foi de David Mourão-Ferreira. Depois de, ao fim da tarde, na Biblioteca Nacional, Teresa Martins Marques ter lançado o seu Clave de Sol — Chave de Sombra. Memória e Inquietude em David Mourão-Ferreira, que Eugénio Lisboa e Fernando Pinto do Amaral apresentaram com o habitual desembaraço, teve lugar no outro extremo da cidade um evento de natureza diferente, porém davidiano. A comunidade do Motel 29 reuniu na Galeria Monumental um grupo alargado de happy few, num jantar seguido de serão. Camané cantou, Maria Alzira Seixo falou da Obra e leu poemas, Joana Morais Varela recordou o amigo, Ana Maria Pereirinha, André Gago, David Ferreira (o filho do poeta) e Raquel Marinho leram mais poemas. Manuel San Payo, o generoso anfitrião, recebeu todos com a tradicional gentileza.

A foto é de Vitorino Coragem. Nela podem ver-se, da esquerda para a direita, Camané, Raquel Marinho, Ana Maria Pereirinha, Cristina Carvalho, Maria Alzira Seixo e André Gago. Clique.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

DAVID


Na Biblioteca Nacional, é lançada logo ao fim da tarde (18:00) a obra que durante anos ocupou Teresa Martins Marques, Clave de Sol — Chave de Sombra. Memória e Inquietude em David Mourão-Ferreira. Trata-se da versão ampliada e refundida da tese de doutoramento da autora, provavelmente a pessoa que melhor conhece a obra de David, que faria hoje 89 anos.

Nas suas 816 páginas, o volume inclui inéditos (a organização do espólio de David é da responsabilidade de Teresa Martins Marques), correspondência, excertos do Diário Íntimo da juventude, esboços, esquemas prévios, etc. Teresa Martins Marques põe em pauta «novas linhas de leitura, que ultrapassam o rótulo de poeta do amor e da mulher, dando relevo às polarizações da memória e da inquietude, manifestadas sob a forma de melancolia, indecisão, deriva, angústia, medo, suspeita, ciúme, traição, culpa, remorso, ameaça, vingança, suicídio, agressão sexual e até mesmo assassínio

A apresentação será feita por Eugénio Lisboa e Fernando Pinto do Amaral. Maria Paula Mendes lerá poemas.

ESTRELA HALL

Por 3,5 milhões de euros, a embaixada do Reino Unido assinou com um privado o contrato-promessa de venda de um quarteirão em Campo de Ourique de que é proprietária há mais de duzentos anos. O busílis é que o quarteirão inglês inclui o edifício Estrela Hall, onde desde 1947 está instalada a companhia teatral inglesa The Lisbon Players, que há 69 anos faz parte da vida cultural da cidade. No mesmo quarteirão existe um edifício de habitação (cujos inquilinos seriam despejados com indemnização), o antigo British Hospital, a sede da Ordem dos Economistas, e dois cemitérios: o inglês e o judaico.

Considerado o seu evidente interesse público, a Junta de Freguesia de Campo de Ourique considera que a CML deve ter direito de preferência na aquisição do Estrela Hall, permitindo a continuação da actividade dos Lisbon Players, bem como do edifício do antigo British Hospital, onde seria instalada uma unidade de saúde de proximidade. Por unanimidade, a Assembleia Municipal de Lisboa, presidida por Helena Roseta, recomendou à Câmara que não permita a transacção. A ver vamos.

DISCURSO DIRECTO, 38

Ferreira Fernandes, hoje no Diário de Notícias. Excerto, sublinhado meu:

«Este ano letivo político começou a 4 de outubro, quando tanta gente honrada e sábia meteu os pés pelas mãos. Uns disseram "ganhámos", outros "perdemos", e o que se seguiu mostrou que estavam todos enganados. A política é dinâmica, mas deve cumprir aquela leizinha do 116. PSD e PP não ganharam porque não chegaram lá, ponto. Costa serviu-se da dinâmica, fez dos seus 86, em outubro, 122, ontem, e por isso governa, ponto. [...] Geringonça, o tanas! Este governo funciona: 122.»

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

OE APROVADO

O OE 2016 foi aprovado na generalidade com os votos do PS, BE, PCP e PEV. O PAN absteve-se. PSD e CDS votaram contra. As Grandes Opções do Plano tiveram o mesmo resultado. Amanhã começa a discussão na especialidade. Também hoje, foi aprovada a reposição dos feriados: PS, BE, PCP, PEV e PAN votaram a favor. O CDS absteve-se e o PSD votou contra. Foi a 1.ª vez que o PCP aprovou um Orçamento apresentado pelo PS.

DISPARATE


Chamo-lhe disparate para não chamar outra coisa. Diz o Público que a EMEL desenvolveu e lança hoje uma aplicação para smartphones que permite pagar, e até alargar o período de estacionamento, sem que o condutor tenha de dirigir-se ao parquímetro mais próximo. Esta notícia, editada por José António Cerejo, devia estar arquivada e foi publicada hoje por engano. É que eu tenho facturas que provam o funcionamento da aplicação há cerca de 18 meses. Cá em casa somos utilizadores dela desde 23-9-2014. A EMEL até nos deu um bónus no momento da adesão. Portanto, se a EMEL lança hoje alguma coisa, não é com certeza a gestão do estacionamento através dos nossos telemóveis.

CRONOLOGIAS


Saiu o primeiro volume de Cronologias do Portugal Contemporâneo, obra que assinala os 45 anos do Círculo de Leitores. A edição resulta de uma parceria do Círculo com a Fundação Francisco Manuel dos Santos e a RTP. Idealizada por António Barreto, que lançou o projecto e convidou os autores (Paulo Silveira e Sousa, António J. Ramalho e Octávio Gameiro), a obra divide-se em cinco volumes e oito mil entradas, cobrindo o período que vai de 1960 a 2015. O quinto sai em Setembro. A cada ano correspondem cinco secções: Política, Economia, Sociedade, Cultura e Internacional.

Não são só os grandes acontecimentos. Também ficou registada a pequena história, tais como estreias de filmes e peças de teatro, publicação de obras literárias e científicas, inaugurações e concertos, atribuição de prémios em várias áreas, processos judiciais, eventos desportivos, etc. As entradas são em regra curtas, e factuais.

Exemplo: «30 de Agosto de 1960 — O dirigente do PCP Júlio Fogaça é preso numa pensão da vila da Nazaré, juntamente com o seu companheiro, Américo Joaquim Gonçalves, operário fabril. A prisão e a investigação pela PIDE, a sua homossexualidade e as divergências na linha de orientação do partido terão contribuído para a sua posterior suspensão do PCP, em 1961, reforçando assim a direcção política defendida por Álvaro Cunhal. [...] Júlio Fogaça ficará detido em Caxias até Julho de 1970.» 

Extensa bibliografia, inclusivé electrónica, remete o leitor para fontes originais. O volume dispõe de índice onomástico.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

UK OUT

Ouvir a senhora Merkel dizer que a UE não faz sentido sem o Reino Unido dá a medida da akrasia universal. Naturalmente, não houve pateta do Komentariado indígena que não corroborasse. Adiante. Para quem não se lembra, o Reino Unido não assinou o Tratado de Roma (1957), acto fundador da CEE a que hoje chamamos UE. Dito de outro modo, não fez parte do núcleo fundador: França, Bélgica, Holanda, Itália, Luxemburgo e República Federal Alemã. A CEE, diziam eles, era uma extravagância, um nonsense.

Mas em 1973, dezasseis anos após o Tratado de Roma, foi admitido no clube. O pedido de 1961 fora vetado por De Gaulle, em termos inequívocos: «A natureza, a estrutura, a conjuntura, que são próprias da Inglaterra, diferem dos países continentais.» Os vetos franceses sucederam-se. Entretanto De Gaulle morreu (em 1970) e, em 1973, entraram o Reino Unido, a Dinamarca e a Irlanda.

Puro formalismo. Nenhum britânico se considera europeu, upstairs & downstairs continuam a dizer que vão à Europa assim que entram no comboio para Calais ou no ferry para Caen, o Banco de Inglaterra não abdicou da libra, a moeda única (o euro) é olhada com desdém, e o reino ficou de fora do espaço Schengen. Continuam na UE porque isso é do interesse de Washington, beneficiando de cláusulas de excepção inadmissíveis. Mesmo assim, são cada vez mais os britânicos que querem sair.

Cameron foi reeleito com a promessa do referendo, que se realizará a 23 de Junho. As cedências de Bruxelas não convencem ninguém. A recente tomada de posição de Boris Johnson, o popularíssimo e todo-poderoso mayor de Londres, foi um balde de água fria para o primeiro-ministro britânico, que sabe o que é ter do outro lado da barricada um homem com a influência de Boris. Mas não só: seis ministros do seu Governo declararam publicamente ir fazer campanha pela saída, juntando-se a 144 deputados conservadores que já estão a fazer o mesmo. Isto para dizer que o UKIP de Nigel Farage está muito bem acompanhado.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

MOVIFLOR


Nia Griffith, 59 anos, do Partido Trabalhista Galês, e Hannah Bardell, 32 anos, do Partido Nacional Escocês, assumiram ontem publicamente a sua condição de lésbicas, elevando para 35 o números de deputados declaradamente gays do Parlamento britânico (o escocês David Mundell é o único tory). Trinta e cinco. Na Assembleia da República, fora do armário, temos um. Por aqui se vê a força do lobby do mobiliário. A imagem mostra alguns desses deputados. Clique.