sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

EUROPA 2016

Lamento desapontar o Calvinismo bem-pensante, mas o que está a passar-se na Escandinávia é repugnante. Estou a falar de refugiados. A Dinamarca e a Suécia, reinos soberanos, têm todo o direito às suas idiossincrasias. A Hungria e a Polónia, que são hoje Estados proto-fascistas, idem. Mas ao menos os húngaros foram coerentes: fizeram um muro. Isto de receber, para UE ver, e depois confiscar ou repatriar, ultrapassa todos os limites. Em 1938, na conferência de Munique, muita gente elogiou a complacência de Chamberlain. Até darem pelo equívoco foi um tirinho. Receio que 2016 seja um ano tenebroso.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

DYLAN THOMAS


Hoje na Sábado escrevo sobre Retrato do Artista Quando Jovem Cão, de Dylan Thomas (1914-1953), obra que, mais de meio século passado sobre a tradução de Alfredo Margarido, regressa às livrarias pela mão de José Lima, que juntou no mesmo volume toda a ficção do autor, incluindo o romance inacabado Aventuras no Comércio de Peles, os contos dispersos por jornais e revistas, bem como os da fase final (reunidos entre as páginas 381 e 448), antecedendo os da juvenília. Em texto preambular, o tradutor justifica a ausência de notas de rodapé que apoiariam o leitor menos versado em mitologia clássica, cultura bíblica, lendas celtas, expressões populares, usos e costumes galeses. Uma cronologia fecha o volume. O título paródico remete para Joyce, mas apenas como homenagem remota. Além de poesia, contos e textos para a rádio, Thomas escreveu guiões para cinema. O carácter experimental e fragmentário dos primeiros contos explica a alegada filiação surrealista, mito que o autor alimentou a partir da publicação (em 1936) de alguns contos e poemas na revista vanguardista Contemporary Poetry and Prose. O traço distintivo foi esquecido em 1940, ano de publicação de Retrato do Artista Quando Jovem Cão, colecção de contos autobiográficos que iluminam os anos anteriores a 1939, vividos entre Swansea e Londres. A escrita elegíaca e o imaginário panteísta vêm em linha recta do ofício de poeta. Um conto emblemático, e um dos mais conhecidos, Uma visita ao avô, faz parte do livro. Precocemente consagrado, Thomas era conhecido na rua onde morava como “o Rimbaud de Cwmdonkin Drive”. Alheado da política, a sua vaguíssima adesão ao marxismo foi uma forma de identificar-se com os autores ingleses mais influentes do tempo. Na realidade, o seu companheiro de pubs era o poeta Roy Campbell, militante da extrema-direita. Quando Retrato do Artista… saiu, Thomas era o mais famoso poeta inglês vivo. O seu segundo livro vendeu em dois meses o mesmo número de exemplares que os de Auden vendiam em dez anos. Vítima de alcoolismo, a morte aos 39 anos impediu que escrevesse um romance à altura da obra de poeta. Cinco estrelas.

Escrevo ainda sobre A Mulher da Lama de Joyce Carol Oates (n. 1938), de novo a contracorrente da ficção dominante. A história traumática de Meredith Ruth Neukirchen, ou M.R., a mulher que no romance é escolhida para dirigir uma universidade da Ivy League, subsume várias das obsessões da autora: abuso, poder, identidade, questões de género, psique feminina. Meredith veio do outro lado do espelho: resgatada da lama (em sentido literal: a mãe, louca, queria esconder a filha de Satã) por um caçador, cresce em casa dos Skedd, uma família de acolhimento. Mas quem é ela, afinal? Jewell Kraeck, a rapariguinha salva pelo Rei dos Corvos? Jedina, aquela que não escapou? (Os nomes estão trocados porque Jewell assumiu a identidade da irmã mais nova.) Ou Meredith Ruth, a jovem adoptada pelos Neukirchen que se tornaria uma académica de créditos firmados? Foram eles, os Neukirchen, quem lhe mudou o nome. O plot intercala passado e presente: lama e luz. Meredith Ruth vive em permanente mnemónica. O presente impõe o seu cortejo de horrores quotidianos, tais como doenças e guerra. O passado é é muito longe. Quatro estrelas. Publicou a Sextante.

DISCURSO DIRECTO, 33


Jorge Sampaio ao Expresso. Excerto:

«Tenho uma boa esperança, sincera, em relação àquilo que o professor Rebelo de Sousa, como Presidente da República, pode fazer pelo país. Uma pessoa com tantas capacidades tem agora esta grande ocasião de demonstrar que pode ser estadista numa situação que é difícil e em que o revigoramento da função presidencial vai estar na ordem do dia

A imagem é do Expresso. Clique.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

ANEDOTA & NAZISMO

Servir refeições sem vinho e tapar nus em mármore para não ferir a sensibilidade de Hassan Rohani, presidente do Irão, foi uma patetice do Estado italiano. Uma anedota.

O que se passou no Parlamento dinamarquês faz regredir a Europa 70 anos. Facto: 81 dos 109 deputados dinamarqueses votou o confisco de bens aos refugiados que entrem na Dinamarca. A Lei é clara: os refugiados são autorizados a conservar consigo até dez mil coroas (o equivalente a 1.340 euros), mas o excedente é confiscado para financiar o asilo. Dado extremamente preocupante: 70% da opinião pública dinamarquesa concorda com a decisão do Borgen. A Suíça também confisca valores superiores a mil francos (900 euros) e, pelo andar da carruagem, estamos aqui estamos na Noite de Cristal. Isto já não é uma anedota. É um assunto muito sério.

RAZÕES


Fernanda Câncio assina hoje no Diário de Notícias uma reportagem sobre o voto em Marisa Matias. Sou uma das pessoas que Fernanda Câncio ouviu. Resumo do meu statement:

Voto sempre no PS ou em candidatos apoiados pelo PS [que nestas presidenciais] teve um comportamento completamente desastroso. Costa foi inteligente em distanciar-se. Sampaio da Nóvoa [era] uma candidatura muito artificial: era o candidato do Livre, nunca me convenceu. Aliás se houvesse segunda volta entre Marcelo e Nóvoa, eu não ia votar. Não querendo votar contrariado num candidato em que não acreditava, nem na Maria de Belém que teve uma declaração de voto contra o casamento de pessoas do mesmo sexo [andei] muito tempo a pensar votar em branco. Mas depois comecei a ouvir a Marisa, a gostar do que ela dizia. Informei-me sobre o percurso dela, e gostei. No fundo, ela convenceu-me. Havendo um deserto do outro lado, a personalidade dela impôs-se. Foi o discurso dela, a postura dela; o BE não é para aqui chamado. E votei com toda a convicção. [Conheço] muito mais gente nestas circunstâncias, tudo burgueses que oscilam entre PS e PSD. Marisa sensibilizou imensa gente, é ver como em todos os distritos andou nos 10%, não só nas grandes cidades. Tenho amigos de direita, direita mesmo, que votaram nela. As pessoas gostam dela. E se para mim não pesou nada o facto de ser mulher, acho que as mulheres sentiram muito esse apelo. Começam a sentir que se não forem elas a puxar por elas, nunca mais.

É isto que eu penso, escrevo e assino, ao contrário de outros que guardam de Conrado o prudente silêncio (cf. Boileau). Disse.

Imagem: Diário de Notícias. Clique.

ENTÃO O CPA?


No portão? Mas há com certeza uma guia assinada e datada. Portanto é só ir ler o que diz o Código do Procedimento Administrativo. Portão ou boudoir, o acto teve de ser datado.

A manchete é do Diário de Notícias. Clique.

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

O MEU MILHÃO É MAIOR QUE O TEU

Os números são tramados. No discurso em que assumiu a derrota, Sampaio da Nóvoa afirmou: «Pela primeira vez na nossa democracia, um candidato independente alcançou um milhão de votos.» Não é exacto. Nóvoa obteve, de facto, 1.060.800 votos. Sucede que, em 2006, apresentando-se contra o candidato oficial do PS, que era Soares, Manuel Alegre, concorrendo como independente, obteve 1.138.297 votos. Dito de outro modo, Alegre teve mais 77.497 votos do que Nóvoa. As percentagens foram diferentes porque a abstenção deu um salto. Mas estamos a falar de votos. Alegre exige uma retractação de Nóvoa: «Tem de haver rigor e memória histórica. Ele, portanto, que faça o favor de corrigir, caso contrário corrijo-o eu

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

DETALHES

Vejo por aí gente a arrancar as vestes por causa do “rombo” que as candidaturas de Marisa Matias, Maria de Belém e Edgar Silva teriam feito no score de Sampaio da Nóvoa. Presumo que não tenham feito contas.

Supondo, para fazer a vontade aos Illuminati, que Marisa Matias, Maria de Belém e Edgar Silva não tinham concorrido, e os partidos a que pertencem não tivessem apresentado nenhum candidato, e os eleitores dos três votassem todos em Sampaio da Nóvoa, o antigo reitor obteria 41,21% (em vez dos 22,9% que obteve). Com o ser uma fantasia, não era suficiente para impedir a vitória de Marcelo à primeira volta. No limite, seria menos desgostante para o segundo classificado. Afinal, perder por 11% não é o mesmo que perder por 29% de diferença.

Lembrar, de passagem, que Marcelo obteve mais 420 mil votos do que a PAF nas Legislativas de Outubro.

UPGRADE

Substituir Cavaco por Marcelo é o equivalente a trocar Marco Paulo por Leonard Cohen. Digamos que é um upgrade e tanto.

NÚMEROS


Agora que os números oficiais são conhecidos, confirma-se: Vitorino Silva, vulgo Tino de Rans, ficou em 6.º lugar, praticamente empatado com Edgar Silva. Sublinhar que Tino de Rans ultrapassou o candidato do PCP nos Açores, Aveiro, Braga, Bragança, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria, Porto, Viana do Castelo e Viseu. Não foram diferenças residuais. Em Viseu, Tino obteve mais do triplo dos votos conseguidos por Edgar, em Vila Real quase o triplo, no Porto e em Viana do Castelo mais do dobro, na Guarda o dobro.

Deve-se aos dois mandatos de Cavaco o estado a que isto chegou.

Imagem: capa do Público, com foto de Miguel Manso. Clique.

domingo, 24 de janeiro de 2016

A VIDA COMO ELA É


Marcelo é o novo Presidente da República. Ponto. Votei, com convicção e gosto, em Marisa Matias, na esperança de que pudesse disputar a segunda volta. A realidade trocou-nos as voltas. Se hoje à tarde me tivessem dito que Maria de Belém e Edgar Silva ficariam praticamente empatados com 4% dos votos, levava a informação à conta de boutade. Mas foi isso que aconteceu. O que me espanta é que alguém com o discurso de Paulo Morais possa ter mobilizado cerca de cem mil eleitores. A imagem mostra os resultados dos cinco principais candidatos, no momento em que estão por apurar duas freguesias.

A imagem é do Expresso. Clique.

LINHAGEM


A mulher ou o homem que vamos eleger hoje para Chefe de Estado dará continuidade à linhagem estabelecida, a partir de Outubro de 1910, por Teófilo Braga. Teófilo, que era poeta e filósofo, foi «de facto», entre 6 de Outubro de 1910 e 23 de Agosto de 1911, o primeiro Presidente da República. Voltaria a sê-lo após a revolta de 14 de Maio de 1915, que levou à resignação de Manuel de Arriaga (1911-15). Sucederam-lhe Bernardino Machado, que exerceu o cargo duas vezes (1915-17 e 1925-26); Sidónio Pais (1917-18, assassinado); João do Canto e Castro (1918-19); António José de Almeida (1919-23); Manuel Teixeira-Gomes (1923-25), escritor notável que trocou o tédio da função pelo hedonismo de Bougie. A carta de resignação exprime a vontade em dedicar-se exclusivamente à literatura. Teixeira-Gomes foi para a Argélia fazer o mesmo que anos mais tarde faria Paul Bowles em Marrocos. É então que Bernardino Machado regressa, cumprindo o seu segundo mandato.

O golpe de 28 de Maio de 1926 instaura a ditadura militar, e José Mendes Cabeçadas, oficial da Armada, assume o cargo de PR durante um mês. Sucede-lhe Manuel Gomes da Costa, oficial do Exército, que exerce o cargo durante dez dias. Sucede-lhe o general António Óscar de Fragoso Carmona (1926-51), titular do cargo até morrer, ou seja, durante cerca de 25 anos. Carmona foi, em simultâneo, o último Presidente da ditadura militar e o primeiro da ditadura civil. Entre a sua morte, em Abril de 1951, e a eleição do sucessor, em Agosto do mesmo ano, o cargo de PR foi exercido por Salazar.

O sucessor de Carmona foi o general Francisco Craveiro Lopes (1951-58), mais tarde marechal da Força Aérea. Sendo do domínio público as suas simpatias pela Oposição moderada, Salazar impediu um segundo mandato. Sucedeu-lhe o almirante Américo Thomaz (1958-74), fonte inesgotável do anedotário nacional. Thomaz foi deposto pelo golpe militar de 25 de Abril de 1974.

Com o colapso do Estado Novo, António de Spínola, general do Exército, foi nomeado PR pela Junta de Salvação Nacional. Exerceu o cargo durante cinco meses, resignando na sequência da abortada manifestação da Maioria Silenciosa, agendada pela extrema-direita para 28 de Setembro de 1974. Por decisão da Junta, sucede-lhe Costa Gomes (1974-76), outro general do Exército.

Após a aprovação (1976) da Constituição da República, todos os presidentes cumpriram dois mandatos: Ramalho Eanes (1976-86), o único militar; Mário Soares (1986-96); Jorge Sampaio (1996-2006) e Cavaco Silva (2006-16).

Na imagem ao alto vemos Francisco Craveiro Lopes (ao centro) em Moçambique, em 1915. Clique.