Hoje na edição online da Sábado.
Desapareceu aos 96 anos a maior romancista portuguesa do século XX. Agustina deixou-nos na madrugada desta segunda-feira, após doze anos de reclusão da vida pública, a que se viu forçada pelo acidente vascular cerebral sofrido no início de 2007. Estava ainda na memória de todos a obra mais recente, A Ronda da Noite, saída dos prelos no Outono de 2006. Rembrandt serviu de pretexto para contar a história dos Nabascos, família que não suportava amadores, «fosse na arte, fosse nos negócios ou na política…» Absolutamente vintage.
Nascida em Vila Meã, Amarante, a 15 de Outubro de 1922, foi sempre uma mulher do Norte. Ali casou, ali lhe nasceu uma filha — a escritora e artista plástica Mónica Baldaque —, ali se fez à vida literária. Estreada em 1948, com Mundo Fechado, Agustina escreveu cerca de cem livros, em todos os géneros: ficção (romances, novelas e contos), dramaturgia, literatura infantil, biografia, ensaio, crónica, viagens, memórias e artigos de opinião. Em 1954, A Sibila fez dela uma autora respeitada. Iam longe os tempos das diatribes de Jaime Brasil. Saudada por Aquilino, Régio, Pascoaes e Ferreira de Castro, Agustina tornava-se a primeira escritora a quebrar o domínio do Partido Comunista na vida cultural portuguesa. Eduardo Lourenço falou mesmo do surgimento de uma «literatura nova».
A medida do reconhecimento pode avaliar-se pelo facto de, logo em 1962, ter integrado a delegação nacional ao congresso da Comunità Europea Degli Scrittori, realizado em Florença. Ao lado de Sophia de Mello Breyner Andresen, Urbano Tavares Rodrigies, Natália Correia, José Cardoso Pires e Orlando da Costa, a presença de Agustina, uma conservadora de convicções fortes, era a nota dissonante. Mas em 1974 Agustina era já um nome incontornável. Sem surpresa, a implosão do Estado Novo contribuiu para lhe reforçar a aura.
Aos romances que podem ser lidos como trilogia da revolução — As Pessoas Felizes, 1975, Crónica do Cruzado Osb., 1976, e As Fúrias, 1977 —, seguiram-se outros nos quais, sob variados ângulos, teceu a narrativa do país. Exemplo de grande conseguimento, Os Meninos de Ouro, de 1983, põe em pauta o destino de Francisco Sá Carneiro (doublé de José Matildes), o primeiro-ministro morto na última noite da campanha presidencial de 1980. Picante suplementar, o romance mete Sophia e o primo Ruben A. entre as personagens. E assim se foi consolidando a imagem de autora de culto.
Ao contrário de outros, nunca o espírito do tempo a impediu de tomar posições claras. A título de exemplo, veja-se o desassombro com que apoiou o referendo à despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Também nunca se esquivou a polémicas, como as que envolveram o facto de ter sido mandatária de Freitas do Amaral nas eleições presidenciais de 1986 (em 1976 tinha apoiado Eanes); as posições assumidas enquanto vogal da Alta Autoridade para a Comunicação Social; bem como a heterodoxa gestão do Teatro Nacional D. Maria II, do qual foi directora entre 1990 e 1993. Está na memória de muitos a recordação de ter patrocinado na Casa de Garrett a exibição da revista Passa por mim no Rossio, de Filipe La Féria. O mesmo se diga da época em que dirigiu O Primeiro de Janeiro, jornal do Porto com largas tradições na vida da cidade.
A cumplicidade com Manoel de Oliveira deu azo a vários filmes: Francisca, o primeiro, feito a partir de Fanny Owen, romance de 1979 que mete Camilo no plot; o segundo, Vale Abraão, inspirado no romance homónimo de 1991, etc. Estaria na calha outro, sobre A Ronda da Noite, mas o projecto caducou com a saída de cena de Agustina.
Outro romance passado ao cinema foi A Corte do Norte, com realização de João Botelho. É provável que os filmes tenham alargado o número de leitores, conquanto Agustina nunca tenha sido uma autora bestseller.
Doutorada honoris causa por várias universidades, entre elas a Tor Vergata de Roma, Agustina recebeu todos os prémios e condecorações que há para receber no nosso país. Em 2004 foi a vez do Prémio Camões. Membro da Academia das Ciências de Lisboa, da Academia Brasileira de Letras e da Academie Européenne des Sciences, des Arts et des Lettres, jamais a obra foi beliscada pelo exercício de cargos públicos ou funções institucionais.
A morte surpreendeu-a hoje na casa da Rua do Gólgota. Mas vamos continuar com ela. A editora Relógio d'Água tem estado a reeditar a obra, prevendo-se para breve o volume da correspondência (inédita) trocada com Juan Rodolfo Wilcock, o poeta e escritor argentino de quem foi amiga.
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