sábado, 20 de fevereiro de 2021

COLONIZAÇÃO


A pretexto do colonialismo português, o deputado socialista Ascenso Simões interroga-se hoje no Público: «[...] porque é que os portugueses da metrópole só podiam trabalhar em Angola e Moçambique depois de obterem uma carta de chamada

Isto não é exacto.

Para Angola sempre foi quem quis, quando quis e como quis. Por seu turno, o Estado destacava militares, polícias, agentes da PIDE, quadros superiores da Administração Pública, médicos, professores e juízes. Integrados no denominado Quadro Comum, os dirigentes máximos podiam ser colocados em qualquer Colónia.

Ao contrário, para Moçambique, era exigida carta de chamada, prática apenas extinta na segunda metade dos anos 1960. O Estado mantinha a prerrogativa de destacar os militares, funcionários e magistrados acima referidos. A carta de chamada era um documento obrigatório, emitido pelo Ministério das Colónias, mais tarde designado como do Ultramar. Atestava garantia de trabalho, alojamento, sustento e repatriamento.

A carta de chamada é uma das várias razões (existem outras) que explicam a diferença entre as colonizações de Angola e Moçambique.

Acrescendo o facto de, entre 1501 e 1752, a Capitania Geral do Estado de Moçambique — com capital na Ilha de Moçambique — ter sido governada a partir de Goa. Isso mudou em 1753 e Lourenço Marques passou a capital em 1898.

Imagem: mapa do tempo do Estado Novo. Clique.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

INTERDITOS DA GUERRA

Agora não se consegue ler um jornal sem tropeçar em artigos de opinião sobre Marcelino da Mata, tenente-coronel Comando falecido no passado dia 11, vítima de Covid-19. Em uníssono, a Direita considera-o um herói. Parte da Esquerda considera-o criminoso de guerra. O Presidente da República e as mais altas chefias militares fizeram questão de estar presentes no funeral. O ministro da Defesa não, mas enviou à Lusa um comunicado a enaltecer enfaticamente a carreira do militar falecido. A ironia é que 9,9 em cada dez portugueses nunca ouviu falar do homem.

Em vez de artigos de opinião, muitos deles canhestros, a imprensa tinha aqui um bom pretexto para investigar o dark side da Guerra Colonial. Passados 60 anos sobre o início do conflito — 4 de Fevereiro de 1961 —, está na altura de avaliar o que aconteceu. Por exemplo, explicar o que foi a Operação Mar Verde, concebida e executada por portugueses, na Guiné, em Novembro de 1970.

A referida operação, uma espécie de Baía dos Porcos à portuguesa, tem todos os ingredientes para interessar um grande número de leitores. Vejamos: nesse distante Novembro de 1970, o então capitão-tenente Fuzileiro Alpoim Calvão liderou um ataque à capital da Guiné-Conacry. Intuito: capturar Amílcar Cabral, líder do PAIGC / libertar prisioneiros portugueses / proporcionar o desembarque de oposicionistas de Sékou Touré / destruir os caças russos Mig que se supunha estarem no aeroporto da cidade, bem como as lanchas rápidas fornecidas pela URSS ao PAIGC. Marcelino da Mata foi um dos principais protagonistas da operação, que seria mais tarde discutida na ONU, embora Portugal dissesse que desconhecia o assunto.

Spínola e Marcello Caetano deram luz verde ao golpe. Mas a única coisa que os homens de Alpoim Calvão conseguiram foi destruir as lanchas rápidas e libertar um número indeterminado (entre 25 e 40) de prisioneiros portugueses. Tudo o resto falhou. Amílcar Cabral não foi encontrado, não havia Migs no aeroporto de Conacry, os oposicionistas da FLNG não conseguiram eliminar Sékou Touré. Em vez disso, os cem homens da FLNG foram presos, torturados e executados pela República da Guiné.

Em vez das redacçõezinhas em que os colunistas andam entretidos, a imprensa podia ilustrar os mais jovens sobre uma guerra de que eles quase nunca ouvem falar.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

CARMEN DOLORES 1924-2021


Morreu hoje Carmen Dolores, uma das mais respeitadas actrizes portuguesas de teatro, cinema e televisão.

Estreou-se nos palcos em 1945, embora já antes fizesse teatro radiofónico. Antes de retirar-se em 2005, no Teatro Aberto, pertenceu às companhias do Teatro da Trindade, Teatro Nacional D. Maria II, Teatro Nacional Popular e Teatro Moderno de Lisboa, interpretando clássicos como Raul Brandão, Tennessee Williams, Garrett, Dürrenmatt, Giraudoux, Brecht, Pirandello, Strindberg, Tchekhov, Turguêniev e outros. Como diseuse, foi grande divulgadora de poesia.

Viveu em Paris durante sete anos (1976-83), época durante a qual deu recitais de poesia no Centro Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian da capital francesa.

No cinema trabalhou sob direcção de António Lopes Ribeiro, Leitão de Barros, António de Macedo e José Fonseca e Costa. Em 2018, a sala principal do Teatro da Trindade, de Lisboa, passou a designar-se Sala Carmen Dolores. Foi várias vezes laureada e condecorada.

Publicou três livros de memórias: Retrato Inacabado (1984), No Palco da Memória (2013) e Vozes Dentro de Mim (2017). Faria 97 anos no próximo mês de Abril.

Clique na imagem.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

MST & VACINAS


Como se vê pela imagem, divulgada pelo Público no passado dia 12, Portugal contratualizou vacinas de cinco farmacêuticas, com a BioNTech/Pfizer à cabeça.

É pena que Miguel Sousa Tavares não tenha feito o trabalho de casa. Evitaria ter dito, como disse agora no Jornal das 8 da TVI, que o atraso na chegada das vacinas se deve a termos feito a maior encomenda à AstraZeneca/Oxford, talvez por ser «a mais barata». Mas o barato sai caro, acrescentou.

Como se vê pelo quadro, as doses da AstraZeneca/Oxford são pouco mais de metade das da BioNTech/Pfizer.

Lamentável, vindo de quem vem.

Clique na imagem.

domingo, 14 de fevereiro de 2021

CESARINY


UM POEMA POR SEMANA — Para hoje escolhi Pastelaria, de Mário Cesariny (1923-2006), o mais proeminente surrealista português.

Natural de Lisboa, Cesariny frequentou a Escola António Arroio e fez estudos de música com Lopes Graça. Além de notabilíssimo poeta, foi artista plástico, tendo recebido em 2005 o Grande Prémio de Arte da Fundação EDP. O espólio artístico encontra-se depositado na Fundação Cupertino de Miranda. 

Pelo facto de ser homossexual, viveu cinco anos (1953-58) com obrigação de apresentações regulares à polícia. Graças a bolsas da Gulbenkian, passou uma temporada em Paris, onde esteve preso, tendo, a partir de 1964, vivido vários anos em Londres.

Depois do 25 de Abril, alegadamente por veto do embaixador José Fernandes Fafe, o MNE recusou que ocupasse o cargo de adido cultural na embaixada de Portugal na Cidade do México. Em 1976 foi responsável pela representação portuguesa à Exposição Surrealista Mundial de Chicago.

Dias antes de morrer, Jorge Sampaio atribuiu-lhe Grã-Cruz da Ordem da Liberdade. Em testamento, Cesariny deixou mais de um milhão de euros à Casa Pia de Lisboa.

Aproveito para transcrever parte de um texto que publiquei em 2019 — «Tudo o afastava do establishment literário: de origem proletária, refractário aos salões bem pensantes, viveu de costas voltadas para a Academia, fez apostasia com o neo-realismo, teve problemas com a polícia de costumes, escreveu em jornais de Direita contra os militares e a Esquerda marxista, insultou gente influente e, pecado maior, nunca escondeu a sua predilecção por marujos.»

O poema desta semana pertence ao livro Nobilíssima Visão (1959). A imagem foi obtida a partir de Poesia, volume de obra completa publicado em 2017 pela Assírio & Alvim, organizado por Perfecto E. Cuadrado.

[Antes deste, foram publicados poemas de Rui Knopfli e Luiza Neto Jorge.]

Clique na imagem.