O que eu penso sobre o bairro onde vivo há 23 anos. Texto publicado no n.º 21, Setembro-Novembro de 2020, da revista da Junta de Freguesia.
Quando em 1997 me mudei para Alvalade encontrei uma realidade diferente daquela a que estava habituado. Cascais, onde vivia, tem praias e população jovem. Lembro-me de, no primeiro dia, sentado numa antiga e muito conhecida pastelaria da Rua de Entrecampos, ter sentido quão diferente era o território.
A mudança trouxe vantagens, e ter passado a fazer a pé o trajecto entre casa e o ministério não foi coisa pouca. Por outro lado, em vinte anos, muito mudou. O ciclo da vida renovou gerações e a organização administrativa da cidade, agregando o Campo Grande e São João de Brito a Alvalade, faz com que a realidade de 1997 não coincida com a de 2020.
Com os seus espaços verdes, campus universitários, equipamentos culturais, gastronomia global, comércio de todo o tipo e mais de 30 mil habitantes, Alvalade é provavelmente a parcela mais “moderna” de Lisboa. Decerto João Faria da Costa, o urbanista que desenhou Alvalade na segunda metade dos anos 1940, ficaria satisfeito com a qualidade dos continuadores.
Afinal, parte significativa do edificado (escolas, blocos de apartamentos, núcleos residenciais como as Estacas ou São Miguel, etc.) que marca o perfil da freguesia saiu dos ateliers de Ruy d’Athouguia, Formosinho Sanchez, José Segurado, Filipe Nobre Figueiredo, Miguel Jacobetty Rosa e Porfírio Pardal Monteiro. Dito de outro modo, uma visita guiada à arquitectura portuguesa não pode ignorar Alvalade.
O novo século viu desaparecer lugares míticos, como os cinemas Quarteto e Londres, o primeiro com quatro salas e ciclos de cinema alternativo, o segundo com duas salas e o glamour das estreias. Não foram os únicos a desaparecer, mas são porventura os que perduram no imaginário popular.
Nenhuma cidade está imune à mudança e Lisboa não é excepção. A diferença está toda em Alvalade, que tem sabido resistir ao ar do tempo, sucessivamente Estado-Novista, burguesa desalinhada, covil do Cinema Novo, soixante-huitard, eternamente janota…