sexta-feira, 17 de novembro de 2017

EUROSONDAGEM


Maioria de Esquerda = 55,6%. Sozinho, o PS ultrapassa a PAF em 5%. Clique na imagem do Expresso para ler melhor.

ARY

Brevíssima Antologia da Poesia Com Certeza
J.C. ARY DOS SANTOS / 1973

Morramos todos por isso
Mais por isto e por aquilo:
no açougue do toutiço
a poesia morre ao quilo.
/
Carne gorda carne magra
raramente entremeada
com açorda com vinagre
poucas vezes com mostarda
cheira mal diz a comadre
cheira bem fareja o frade
e logo responde o padre
em tom de falso derriço:
Morramos todos por isso
atados como o chouriço!
/
Só a textilopoesia
nesta meada das letras
muitas vezes desenfia
um colar de contas pretas:
Dona Ernesta vai à missa
toda bordada a missanga;
faz poemas com alpista
tira fonemas da manga
e devotada e artista
diz em tom de lenga-lenga
a oração concretista
da melhor raça podenga:
Deuspeus paipai é quepe
estes poemas fezpez:
— Melo e Caspa faz poemas
como quem tem dores nos pés.
/
Diz o Alexandre O'Neill
que às vezes lhe falta um til.
Ora ponha-o na cabeça
para ver como se acaba
o que depressa começa
quando a chegada desaba!
Mas se não fosse o O'Neill
Portugal não tinha Abril.
— Ai meu adeus pequenez
o que será deste mês
se nos não chove de vez?
Bem choveu. Ele que fez?
Tropeçou-nos de ternura
a todos como bem quis.
Em Lisboa amor procura
Alexandre Português
que é gaivota e não o diz.
/
Já o mesmo não direi
— que me desculpe o Pacheco —
de dona-fiama-irei-
-ao-fundo-do-mar-a-seco.
/
Descobriu monstros marinhos.
É certo. Mas foi por eles
que errando pelos caminhos
ficou cecília mais reles.
/
Vila do Conde é maior
que todo o fundo do mar
e o Zé Régio é o melhor
descobridor a cantar.
Se a poesia é uma ostra
em Portalegre cidade
acha a pérola quem mostra
a invenção da verdade.
Na varanda do suor
em tristalegre saudade
José Régio fez um filho
que lhe nasceu por amor
e já de maior idade.
/
Também Natália é parida
do parto de suas dores
e faz poemas que dançam
toucados de mosto e flores.
/
Natália ninfa nascida
na ilha de seus amores
quando Camões lhe deu vida
por outros descobridores.
/
Sei bem que tal não agrada
a Dom Frei Gastão da Cruz
que só não é agostinho
por falta de água e luz.
/
Mas um poeta mesquinho
a própria água reduz
quando mija em vez de vinho
desperdícios de alcatruz.
— Pois que mije a toda a hora
e que vá puxando à nora...
/
Mas há coisas que se puxam
que não podemos saber
coisas que nascem estrebucham
antes de alguém as dizer:
Viva o Zé Gomes Ferreira
quando inventa uma roseira.
Viva o Manuel da Fonseca
quando nos fala da seca
e viva Miguel que outorga
as livre mesmo que morda.
/
E tu e tu que me pões
um mago dentro da cama
filho do pai de Camões
Mário de rosas e lama
Cesariny Vasconcelos
nomes que a choldra não grama
porque tu não vais com eles
e ficas em verde rama
tocando no bolso esquerdo
os nomes de quem te chama.
/
Só é poeta quem perde
o corpo de quem mais ama
— Isto o dirá em verdade
o grande Eugénio de Andrade.

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

JAVIER CERCAS


Hoje na Sábado escrevo sobre O Monarca das Sombras, de Javier Cercas (n. 1962), um dos nomes centrais da literatura espanhola contemporânea. Com meia-dúzia de livros publicados no nosso país, os leitores sabem que O Monarca das Sombras, agora traduzido, retoma o tema nunca esgotado da Guerra Civil de Espanha, iniciado com Soldados de Salamina. Desta feita, a abordagem faz-se a partir da figura de Manuel Mena, o tio-avô que integrou as forças falangistas e, em 1938, com apenas dezanove anos, foi abatido durante a batalha do Ebro. Como sempre, o autor documenta o texto com grande minúcia. Ilustrado com fotografias de Manuel Mena e fac-símiles, o livro é um compósito de memórias e narrativa histórica, embora o autor o considere um romance. O primeiro parágrafo tem a secura e a precisão de um verbete de dicionário: nome, idade, função… Foi a forma encontrada para reconciliar-se com o passado. Não se trata de julgar, mas de tentar perceber o que levou um adolescente a escolher o lado errado da História, comprometendo e atormentando os vindouros com a vexata quaestio. Autor e primeiro narrador são a mesma pessoa: «Era tio paterno da minha mãe […] antes de ser escritor já pensava que um dia teria de escrever um livro acerca dele.» Mas há um segundo narrador que cita o autor pelo nome («A verdade é que Paco Cercas, avô de Javier Cercas…») e até faz hermenêutica com a obra respectiva. É esse narrador, doublé de historiador, que investiga e faz luz sobre os factos: «O resultado só pode descrever-se como uma carnificina indescritível.» Segue-se o sombrio inventário de baixas, locais de combate, identidade dos principais intervenientes, circunstâncias exactas da morte de Manuel Mena, etc. Como alguém disse, com propriedade, trata-se de um romance sem ficção. Porém, num detalhe fútil, o autor “derrapa”: nos anos 1950, a peseta tinha uma cotação residual, sendo fantasioso afirmar que «trezentas e quinze pesetas e noventa e seis cêntimos» correspondem ao equivalente «aproximado a trezentos e cinquenta euros actuais» Mas não será um deslize que afectará O Monarca das Sombras. Publicou a Assírio & Alvim. Quatro estrelas.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

AUSTRÁLIA


Ontem, dias depois da Nova Zelândia, uma maioria de 62% de australianos disse sim ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em Sydney e Melbourne a média foi de 84%. Num país onde a comunidade LGBT tem tanta força, é extraordinário que só agora o Governo e o Parlamento tenham mostrado vontade de legislar nesse sentido. O diploma final será publicado «antes do Natal», garantiu o primeiro-ministro Malcolm Turnbull. O líder da Oposição, Bill Shorten, afirmou: «Hoje celebramos, amanhã legislamos.» Sir Peter John Cosgrove, governador-geral de Sua Majestade, também se congratulou com o resultado. Várias personalidades já demonstraram o seu entusiasmo, entre elas Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, Tim Cook, o patrão da Apple, e David Cameron, ex-PM britânico. Gays australianos assumidos, como Ian Thorpe, o campeão olímpico de natação, Penny Wong, a líder dos trabalhistas, e Alan Joyce, CEO da companhia de aviação Qantas, foram alguns dos que se juntaram às manifestações de júbilo nas ruas de Sydney, Melbourne, Camberra e Perth. A Austrália torna-se assim o 26.º país a reconhecer, em todo o seu território, o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Imagem: celebração em Melbourne. Clique.

terça-feira, 14 de novembro de 2017

OITENTA ANOS


Faz agora 80 anos foi publicado Indícios de Oiro, de Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), poeta maior da língua portuguesa em qualquer época. Foi portanto em 1937 que estes poemas pela primeira vez se publicaram em livro. Nos anos 1970, 80 e 90 seriam publicados, em livro, outros inéditos do poeta. Convém lembrar a efeméride: oitenta anos.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

ANCRAGE?


Entrevistado hoje pelo jornal belga Le Soir, Puigdemont afirmou:

«Une autre solution que l’indépendance est possible. C’est toujours possible! J’ai travaillé pendant trente ans à obtenir un autre ancrage de la Catalogne dans l’Espagne!» Vero?

Lembrar que o ex-president fugiu para Bruxelas há dezassete dias, convencido que punha a Catalunha na agenda internacional. Já verificou que estar na capital da Europa, ou em Adelaide, na Austrália, é a mesma coisa. O flop diplomático é total. Não obteve, como pretendia, estatuto de exilado político, situação que evitaria os empecilhos judiciais em que está metido. Não conseguiu ser recebido por Juncker, nem por Tusk, nem sequer pela senhora Mogherini. Que se saiba, não conseguiu ser recebido na sede da Nieuw-Vlaamse Alliantie, o partido independentista flamengo que tem ministros no Governo e grande representação parlamentar. Admitindo que tenha havido um encontro privado com algum dirigente do N-VA, é pior a emenda que o soneto. Nenhum canal de televisão o convidou para uma entrevista em directo. Cereja em cima do bolo, não conseguiu ser convidado por nenhum grupo de eurodeputados para ir ao Parlamento Europeu.

E agora ainda tem Ada Colau à perna. A alcaldesa de Barcelona exige explicações sobre a fuga e as implicações económicas da DUI.

Clique na imagem do Soir.

domingo, 12 de novembro de 2017

WEB SUMMIT, PANTEÃO & FRIOLEIRAS


Paddy Cosgrave, o patrão da Web Summit, publicou no Twitter um comunicado explicando a escolha do Panteão para o jantar: os irlandeses celebram a morte e, nessa medida, queria que os seus convidados (um grupo restrito de investidores de topo) estivessem perto dos heróis de Portugal. Em Dublin, por exemplo, o mais importante jantar dos fundadores da Web Summit teve lugar na Christ Church Cathedral, ou seja, «in the largest crypt in the UK and Ireland.» Está explicado.

O aluguer de monumentos nacionais para a realização de eventos mundanos é possível porque o subsecretário de Estado da Cultura do Governo PSD/CDS, Jorge Barreto Xavier, impôs o Despacho n.º 8356/2014, de 24 de Junho, à Direcção Geral do Património Cultural. Um pro forma, pois já desde 2013 se faziam jantares no Panteão.

O cúmulo do ridículo é ver o PSD e o CDS a arrancarem os cabelos.

Clique nas imagens do Twitter e do jantar da Web Summit.