sábado, 29 de setembro de 2018

FLOP


Vi esta tarde a exposição de Mapplethorpe no Museu de Serralves. A primeira, desde que me conheço, em Portugal e no estrangeiro, sem legendas. Um panfleto impresso em nano-lettering é tudo o que há. Não substitui as legendas, como implica saber ler mapas.

As exposições não são feitas para intelectuais, nem as pessoas são obrigadas a saber que o autor fez muitos auto-retratos. Entre os fotografados há artistas célebres, galeristas, poetas, actores, modelos, gente que a minha geração conhece, mas os mais novos ignoram. Não se trata, portanto, de haver só 159 retratos (em vez de 179). A exposição está mal montada. Também não há catálogo. Lamentável.

A ver se a gente se entende. Eu gostava de dizer bem da exposição de Mapplethorpe, um artista da minha geração, que frequento desde 1983, dos dois lados do Atlântico. Infelizmente, a exposição, tal como está, é um desastre. A ausência de legendas não é um detalhe menor.

Um exemplo. Um casal jovem comentava a foto de William S. Burroughs com a espingarda, uma foto de 1981, tinha o escritor 67 anos: Esta do velho é porreira. Nenhum deles sabe quem é William S. Burroughs. Ignoram portanto que, em 1951, numa festa onde as lendas de Guilherme Tell eram macaqueadas, Burroughs matou Joan Vollmer (mãe do seu filho) com um tiro na cabeça. Se soubessem, a foto ganhava outro sentido.

Quando pessoas identificam, no acervo exposto, a recriação de A Morte de Marat (1793), de Jacques-Louis David? E assim sucessivamente.

Exemplos como estes multiplicam-se. Portanto, pendurar 159 fotografias sem contexto, não serve para nada.

CORPO, IDENTIDADES


No decurso de Carmina 3 foi lançada uma antologia de poesia sobre o corpo na poesia portuguesa, organizada por Ana Luísa Amaral e Marinela Freitas. Faço parte dos 40 antologiados. Comigo estão, entre outros, Adília Lopes, Al Berto, Alberto Pimenta, Alexandre O’Neill, Ana Hatherly, Ana Marques Gastão, António Botto, Armando Silva Carvalho, David Mourão-Ferreira, Eugénio de Andrade, Florbela Espanca, Gastão Cruz, Helga Moreira, Irene Lisboa, Isabel de Sá, Jorge Sousa Braga, José Carlos Ary dos Santos, Luís Miguel Nava, Luiza Neto Jorge, Maria do Rosário Pedreira, Maria Teresa Horta, Mário Cesariny, Mário de Sá-Carneiro, Natália Correia, Nuno Júdice, Pedro Homem de Mello, Rosa Maria Martelo, Sophia de Mello Breyner Andresen. 344 páginas sem interditos. Ontem, Ana Luísa Amaral, João Rios, Rui Spranger e Isaque Ferreira, leram alguns dos poemas seleccionados. Foi desse modo vibrante que a festa acabou. A Fundação Cupertino de Miranda está de parabéns.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

O SEXO DA POESIA E DA CRÍTICA


Intervenção em Carmina 3, hoje à tarde, na Fundação Cupertino de Miranda.
Clique na imagem. 

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

CARMINA 3


A partir de hoje vou estar em Vila Nova de Famalicão, a convite da Fundação Cupertino de Miranda, para discutir poesia e identidades. Comigo vão estar Ana Luísa Amaral, Maria Teresa Horta, Rosa Maria Martelo, Livia Apa, Marinela Freitas, Catherine Dumas, Graça Capinha, Anabela Mota Ribeiro, Jorge Sousa Braga, Fernando Aguiar, Helga Moreira e Isabel Pires de Lima.

BALDWIN & OZ


Hoje na Sábado escrevo sobre Se Esta Rua Falasse, do americano James Baldwin (1924-1987). Vá-se lá saber porquê, o autor só agora teve uma obra sua traduzida em Portugal. Não estou a contar com o ensaio sobre a revolta dos negros americanos inserido em volume colectivo. Romancista, dramaturgo, poeta e ensaísta, Baldwin foi também um empenhado activista dos direitos civis, dentro e fora dos Estados Unidos (viveu dez anos em Paris e, a partir de 1970, em Saint-Paul-de-Vence). Negro e homossexual pobre do Harlem, tudo o afastava do meio literário. Contudo, o carácter autobiográfico do primeiro romance, Go Tell It on the Mountain (1953), colocou-o no radar da crítica americana, inglesa e francesa. Se Esta Rua Falasse, publicado em 1974, chegou agora pela mão de José Mário Silva. «Alonzo, vamos ter um bebé.» Feita por auscultador, a revelação dá o tiro de partida à primeira parte do romance. Clementine e Alonzo, 19 e 22 anos respectivamente, o par de namorados da rua Beale, estão separados por um vidro como de regra nos palratórios das prisões. Alonzo está preso por um estupro que não cometeu. O facto de ser um adolescente com excesso de hormonas não fazia dele o violador de Victoria Rogers, a porto-riquenha que o apontou na line-up da esquadra depois de haver sido «forçada a praticar as mais inimagináveis perversões sexuais.» Alonzo teve o azar de ficar na mira de um polícia racista. Narrada por Clementine, a história segue passo a passo a saga de duas famílias sem recursos, apostadas em provar a inocência de Alonzo. Em síntese, pode-se dizer que Baldwin faz o retrato da comunidade negra na América dos seventies, os anos do racismo puro e duro. Por fim, Alonzo sai em liberdade sob fiança (no dia em que o pai comete suicídio) e a criança nasce. A origem do dinheiro é obscura. O julgamento não cabe no plot. O título é uma parábola da desigualdade social: Se a rua Beale pudesse falar… É isso que Baldwin (antigo membro dos Panteras Negras) quis vincar. Os avanços e recuos cronológicos ajudam a contextualizar o ar do tempo. Cinco estrelas. Publicou a Alfaguara.

Escrevo ainda sobre Caros Fanáticos, do israelita Amos Oz (n. 1939), autor que dispensa apresentações. Defensor do direito dos palestinianos a um Estado independente, voz incómoda para Tel Aviv, juntou em  três ensaios sobre questões controversas de Israel. Questões de vida ou de morte, diz ele, ao caracterizar as reflexões. O livro abre com o ensaio que dá o título ao conjunto, adaptação alargada de conferências feitas na Alemanha. Centra-se no fanatismo islâmico, da Al-Qaeda ao Daesh, passando pelo Hezbollah e outros grupos radicais. O ódio identitário deu azo a uma «vaga de rejeição do outro», instalando o fanatismo universal. É interessante a forma como introduz comentários a obras suas de ficção, sinalizando temas concretos. O segundo, Luzes e não uma única luz, baseia-se num livro da filha. Judaísmo enquanto cultura «e não apenas como religião, e nação.» É porventura o mais erudito dos três. O terceiro, Sonhos de que Israel se deve libertar rapidamente, estatui de modo peremptório: «Se não houver aqui dois estados, e rapidamente, haverá apenas um.» (E será árabe.) Perturbador? Decerto. Amos Oz sabe do que fala. Cinco estrelas. Publicou a Dom Quixote.

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

HELENA ALMEIDA 1934-2018


Com 84 anos, morreu esta madrugada Helena Almeida, uma das mais importantes artistas plásticas portuguesas do século XX. Ainda a semana passada vi obras suas na Tate Modern, em Londres. Quem estiver em Madrid encontra novos trabalhos seus na Galeria Helga de Alvear.

Clique na foto de 1976.

SERRALVES & MAPPLETHORPE

Na conferência de imprensa dada esta manhã pelo Conselho de Administração da Fundação de Serralves, terminada há pouco, Ana Pinho foi peremptória:

O Conselho de Administração não mandou retirar quaisquer obras da exposição [...] Todas as fotografias foram escolhidas exclusivamente pelo curador [...] As 20 obras não foram expostas por iniciativa do curador [...] Não haverá complacência com a falta de verdade.

Ana Pinho estava ladeada por Isabel Pires de Lima, José Pacheco Pereira, Manuel Ferreira da Silva e Manuel Cavaleiro Brandão.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

A FALÁCIA DO INFARMED

O tema da transferência para o Porto da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, vulgo Infarmed, ocupa várias páginas do Público. A choradeira de Rui Moreira não me interessa. Só lhe fica mal dizer que levou aquilo a sério. Qualquer pessoa com sentido prático percebia que, sem medidas radicais de logística e tesouraria (e porventura de natureza legislativa), a mudança não era viável. Tudo isso é claro desde 21 de Novembro de 2017, data em que o ministro da Saúde anunciou ao país uma medida que não tinha condições de concretizar a 1 de Janeiro de 2019.

O que me interessa no dossiê do Público são os números do relatório do grupo de trabalho criado pelo Governo para avaliar a viabilidade da mudança, mais os da Porto Business School sobre o funcionamento do Infarmed.

Dizem-nos esses números que as obras de adaptação do edifício onde o Infarmed ficaria instalado no Porto teriam o custo de 4,25 milhões de euros, não ficando prontas em menos de 30 meses (dois anos e meio). Esses 4,25 milhões de euros fazem parte do pacote de 17 milhões de euros que custaria a mudança. Verdade que há números sobre hipotéticas poupanças futuras, mas não vale contar com o ovo no cu da galinha.

O mais importante nem são os milhões para adaptar o edifício da Manutenção Militar (na zona ribeirinha), construir o laboratório e o data center. Nenhuma destas obras está sequer planeada, mas isso não preocupa o autarca-mor da Invicta.

Importantes são as pessoas. Ou seja, os 354 funcionários do Infarmed, dos quais apenas dez mostraram disponibilidade para a mudança. Se o Governo via vantagem na mudança do Infarmed para o Porto, tinha de o explicar. Em seguida, confrontado com recusa geral dos funcionários, devia, logo naquela altura, ter aberto concursos com carácter de urgência para recrutar na área do Grande Porto. Não acredito que ficassem desertos. Mesmo assim, com procedimentos concursais, adjudicações e obras, antes de 2022 nada aconteceria. Se nós tivéssemos uma imprensa atenta, e um jornalista que soubesse contar pelos dedos, o ministro da Saúde teria sido obrigado a esclarecer a natureza falaciosa do calendário.

Se vivêssemos na Coreia do Norte, os funcionários eram arrastados pelos cabelos. Vivendo em democracia, isso não acontece. Transferir 354 funcionários e respectivas famílias, significa obrigar perto de mil pessoas a mudar de vida. Não vale a pena entrar em detalhes de compra ou arrendamento de casa, vagas em escolas e faculdades, gestão de compromissos em Lisboa, etc.

Nas primeiras semanas (ainda em 2017) após a fake new, um punhado de técnicos especializados rescindiu com o Estado e foi trabalhar para o sector privado do medicamento. A sangria estancou quando foi garantido que a mudança não se faria. Mesmo um pólo de natureza administrativa, para manter as aparências, com pessoal reduzido a recrutar in loco, orçaria em seis milhões de euros.

Sobra ainda a posição das associações do sector do medicamento, a indústria farmacêutica, as empresas de dispositivos médicos, etc., todas contra a mudança.

É a Máquina? Claro que é a Máquina. Rui Moreira nasceu ontem?

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

MAPPLETHORPE AGAIN


Se, como revela hoje o Público, João Ribas foi forçado a tirar da parede obras já penduradas, aceitando, do mesmo passo, a substituição do vídeo Still Moving por uma tela que veda quase completamente a entrada numa das salas reservadas, por que razão compareceu ao vernissage...?

Sol na eira e chuva no nabal nunca deu bom resultado.

Clique na foto de António Lagarto.

domingo, 23 de setembro de 2018

NOVELA MAPPLETHORPE


Isabel Pires de Lima, administradora da Fundação de Serralves, deu esta noite uma entrevista ao Expresso online. A antiga ministra da Cultura não podia ser mais clara: foi João Ribas quem pôs de lado 20 fotografias, reduzindo a exposição de 179 para 159 trabalhos. Discurso directo: Surpreende-nos que ele tenha excluído 20 obras. É bastante penalizador para a Fundação, que pagou 179. Também não aceita a alegação de censura porque, desde o início, ficou estabelecido criar uma zona interdita (as fotografias de cariz sexual explícito) a menores de 18 anos não acompanhados.

Como João Ribas ainda não se pronunciou, o que é estranho, ficamos só com um dos lados da história.

Importa lembrar que não é a primeira vez que obras de Mapplethorpe são expostas em Portugal. Em 1985, a Galeria Cómicos (Lisboa), de Luís Serpa, expôs Black Flowers, ainda o autor estava vivo. Em 1993, no Mês da Fotografia de Lisboa, e nos Encontros da Imagem, em Braga, mais obras foram expostas. Verdade que nenhuma destas exposições era uma grande retrospectiva, como a que neste momento está em Serralves.

Clique na imagem.