sábado, 1 de agosto de 2020

OUTROS QUE NOS HABITAM



Vale a pena ir a Setúbal ver a nova exposição de colagens de Maria do Carmo Pais, Outros que nos habitam. Abriu ontem na Casa da Avenida, ou seja, no n.º 286 da Avenida Luísa Todi. No mesmo espaço é possível rever This is Not a Chair, da colecção de design da autora.

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sexta-feira, 31 de julho de 2020

JOAQUIM VERÍSSIMO SERRÃO 1925-2020


Morreu hoje o historiador Joaquim Veríssimo Serrão, catedrático jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, da qual foi reitor nos anos 1970.

Na sua vasta bibliografia, especialmente focada na presença de humanistas portugueses na Europa do século XVI, destacam-se os dezoito volumes da sua História de Portugal — das origens até 1968 —, publicados entre 1977 e 2010. O 19.º volume aguarda publicação.

Docente de Cultura Portuguesa na Universidade de Toulouse (1950-60), Veríssimo Serrão exerceu, entre outros cargos, os de director do Centro Cultural Português da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris (1967-72) e de presidente da Academia Portuguesa da História (1975-2006). Sócio efectivo da Académie du Monde Latin (Paris), do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia Brasileira de Letras, das Academias Nacionais de História de inúmeros países, entre elas a Real Academia de História de Espanha, bem como membro honorário de sociedades científicas nacionais e estrangeiras, foi doutorado honoris causa por universidades portuguesas, francesas e espanholas. Em 1995 recebeu o Prémio Príncipe das Astúrias na categoria Ciências Sociais.

É pai do historiador de arte Vítor Serrão, catedrático da FLUL.

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quinta-feira, 30 de julho de 2020

ESCOLHAS DE VERÃO


Hoje na Sábado.

Por decisão da viúva, foi agora reeditado o livro que Herberto Helder (1930-2015) obliterou da sua obra em 1968 — Apresentação do Rosto. Apreendido pela PIDE pouco depois de chegar às livrarias, não voltou aos prelos. Contudo, fragmentos seus vieram mais tarde a ser integrados noutros livros do autor. A nota editorial que antecede os textos nada esclarece sobre a vontade de Herberto. O recorte autobiográfico aproxima Apresentação do Rosto de obras como Os Passos em Volta (1963) ou Photomaton & Vox (1979). Minudências à parte, trata-se de um texto forte, como são por regra os de Herberto: «Eu tinha a febre de enterrar hastes em amoras e amoras em hastes, e era uma febre quente como não podes supor.» Dividida em seis partes, a narrativa em prosa antecipa o esplendor da poesia a devir.

O albanês Ismail Kadaré (n. 1936) não é um desconhecido dos leitores portugueses. Quem não conhece, tem agora oportunidade de ler o mais famoso dos seus romances, O General do Exército Morto. A partir de uma missão sombria (identificar e recuperar os corpos de soldados italianos mortos na Albânia), o plot flui com precisão. Por muito justa que fosse a pretensão da Itália, não deixava de ser uma nova “violentação” do território da Albânia. Nos diálogos estabelecidos entre o general e o padre que o acompanha, ambos italianos, fica exposta a “fractura” daquela missão impossível. O mérito de Kadaré é fazê-lo com secura não isenta de ironia.

A reedição de Nada a Temer traz de volta Julian Barnes (n. 1946), excelentíssimo autor inglês que há doze anos publicou este primeiro volume de memórias centrado na falta de fé: «Não acredito em Deus, mas sinto a Sua falta.» Está dado o tiro de partida. A partir do axioma, Barnes passa em revista as relações de família, a amizade, o amor, a morte, a arte, as questões ambientais, a própria literatura, etc., apoiando as reflexões na citação de factos vividos ou obras de terceiros (entre outros, Montaigne e Koestler). Como sempre, envolvente e elegante, sem deixar de ser sardónico.

Quem leu A Porta, romance de Magda Szabó (1917-2007) já editado entre nós, ficou com vontade de ler outros romances da autora. Chegou agora A Balada de Iza, traduzido directamente do húngaro por Piroska Felkai. Trata-se da sibilina denúncia do estalinismo, feita a partir dos segredos de um pequeno núcleo familiar. Tudo se passa em poucos meses, na Budapeste do início dos anos 1960, num crescendo de tensão entre mãe (viúva de juiz) e filha (médica). Claustrofóbico, decerto, mas dando testemunho da transição entre duas épocas.

O caso verídico da ocupação, em 2012, do Hotel Cambridge, de São Paulo, pelo colectivo Frente de Luta por Moradia, é o tema do livro-manifesto A Ocupação, do brasileiro Julián Fuks (n. 1981). Sem evasivas: «É uma grande tristeza o que sucede no Brasil de hoje.» Sebastián, narrador e alter-ego do autor, sublinha: «Os ditadores de hoje são papagaios ruidosos. […] Querem ser maiores do que o regime em que se deitam.» Retrato nítido do Brasil actual, algures entre a reportagem literária e o panfleto de causas, A Ocupação inclui, num dos seus 41 breves capítulos, uma carta dirigida por Fuks a Mia Couto.

O romance mais recente da inglesa Pat Barker (n. 1943), O Silêncio das Mulheres, relê a Ilíada para, por interposto cânone feminino, pôr em pauta questões relacionadas com identidade de género. Agora é a vez delas. A narradora não é outra senão Briseida, a princesa troiana que Aquiles sequestrou e fez concubina. Habituados a ler a História escrita por homens, Pat Barker não só inverte as posições como antecipa a cronologia dos factos cantados no poema de Homero: aqui, tudo começa em Lirnesso. Há um senão: a “mensagem” vê-se beliscada pelo proselitismo. Mas talvez fosse mesmo essa a intenção. Ou seja, obrigar-nos a ler a Ilíada em registo feminista.

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AKRASIA INSULAR


Os deputados da Oposição (e os que não são da Oposição mas, tendo noção do ridículo, podem dar-se ao luxo de pensar pela sua cabeça) na Assembleia Legislativa da Madeira já avançaram com uma providência cautelar para impedir o uso obrigatório de máscara em todos os espaços públicos da ilha? Espaços públicos: ruas e jardins.

Providência cautelar por enquanto. O Tribunal Constitucional tem de pôr ordem no abuso de autoridade do Governo regional. Afinal, a limitação de direitos, liberdades e garantias é da competência exclusiva da Assembleia da República.

Decretada anteontem, para ter efeitos a partir do próximo sábado, 1 de Agosto, a medida é ilegal. Dito de outro modo, está ferida de inconstitucionalidade.

Nas últimas 48 horas têm-se sucedido os cancelamentos de viagens e reservas, estando a primeira quinzena de Agosto “queimada”. Quem o diz são as agências da Região. Além de amigos meus que, muito contrariados, desistiram de ir ao Funchal e a Porto Santo.

Quem tem medo arranja um cão. Ou fica em casa.

Obtida do meu quarto, a imagem ilustra a minha última estada no Funchal. Clique.

quarta-feira, 29 de julho de 2020

BESSON


Era Fevereiro, a pandemia ainda era um exclusivo da China e da Itália, quando li este romance de Philippe Besson, amigo de Emmanuel e Brigitte Macron e, portanto, mal visto na França gauchiste.

O azedume acentuou-se em Agosto de 2018 com a sua nomeação para cônsul da França em Los Angeles, cidade onde vivia e leccionava há vários anos. A controvérsia atingiu o paroxismo quando o Syndicat du Ministère des Affaires Étrangères apelou ao Conselho de Estado. Em Março de 2019, sublinhando não estar em causa a pessoa de Besson, mas «o princípio da igualdade», foi anulado o decreto presidencial. Isto na França, país que, à semelhança de dezenas de outros, sempre teve cargos diplomáticos ocupados por escritores. Adiante.

Philippe Besson tem 53 anos, é homossexual, jurista e professor na área do Direito Social. Entre outros cargos, ocupou o de secretário-geral do IFOP, ou seja, o Institut Français d’Opinion Publique. A obra literária inclui mais de vinte romances, alguns dos quais adaptados ao cinema (um deles, Son frère, é o filme homónimo feito por Chéreau em 2003), três novelas e um livro de poesia.

Com três romances publicados em Portugal, nem por isso Philippe Besson se tornou um nome familiar. Um quarto título, Deixa-te de Mentiras, primeiro tomo da trilogia autobiográfica, vai com certeza fixar o nome do autor. O livro narra a história de amor de dois rapazes de 17 anos na cidadezinha francesa de Barbezieux. Três anos em três capítulos: 1984, o ano que ocupa dois terços do livro; 2007 e 2016, anos de explicação do day after. Pode-se dizer que Besson escreveu a versão contemporânea de Les Amitiés Particulières, o clássico de Roger Peyrefitte que atordoou a França de 1943. A principal diferença reside no registo cru (sexo sem metáforas), bem como na centralidade das questões identitárias: «No fim de contas, o amor só foi possível porque ele me viu não como eu era, mas como eu iria ser.» O inesperado desfecho tem a seu favor uma narrativa isenta de ênfase e de proselitismo. Há momentos deveras sublimes ao longo deste tão pungente récit. Notável sob vários pontos de vista.

A imprensa cultural portuguesa fez vista grossa ao livro. Jornais conspícuos que todas as semanas promovem lixo inominável, aos costumes disseram nada.

Fazer figas para que a Sextante publique o resto da trilogia: Un Certain Paul Darrigrand e Dîner à Montréal, ambos em 2019.

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terça-feira, 28 de julho de 2020

CONFLITO DE INTERESSES

A SIC e a TVI decidiram acabar com os programas de futebol em que os comentadores residentes são representantes dos clubes. Neste caso, representantes dos clubes significa representantes do FCP, do Benfica e do Sporting.

A decisão da SIC teve efeitos imediatos. A TVI mantém por enquanto o formato, mas acaba com ele após a próxima final da Taça de Portugal. Atenção: não acaba o comentariado futebolístico, o que acaba nestas duas estações é a presença de representantes dos clubes.

A medida podia (e devia) ser extensiva aos programas de comentário político, na rádio e na televisão, bem como às colunas de ‘opinião’ assinadas por deputados e ‘notáveis’ dos Partidos com representação parlamentar. Muita gente deixou de comprar jornais porque, em vez de notícias, progressivamente reduzidas à sua expressão mínima, vêem-se confrontadas com panfletos ‘ideológicos’ orientados para campanhas pessoais. São notórios os casos de Paulo Rangel e Francisco Assis (cito-os porque ambos têm noções de gramática), mas há mais.

Que saudades de Vasco Pulido Valente, Victor Cunha Rego e Nuno Brederode Santos. Com certeza que nenhum deles era independente. Mas nenhum escrevia sob tutela. Muito pelo contrário!

domingo, 26 de julho de 2020

OLIVIA DE HAVILLAND 1916-2020


Olivia de Havilland, última sobrevivente do star system, morreu hoje na sua casa do Bois de Boulogne, em Paris. Tinha 104 anos.

Para a minha geração, Ms Havilland será sempre Melanie Hamilton, a seráfica rival de Scarlett O'Hara na luta por Ashley Wilkes. Sim, falo de E Tudo o Vento Levou, o épico de Victor Fleming que há mais de 80 anos emociona milhões de pessoas em todo o mundo, agora em plataformas de streaming. O mês passado, em nome da political correctness, a HBO retirou o filme do catálogo americano. Mas já o repôs, com uma introdução paternalista de Jacqueline Stewart. Durante quatro minutos e meio, a professora da Universidade de Chicago explica que o filme de 1939 ilustra a realidade dos anos 1860 e da Guerra Civil Americana. Olha que novidade.

Tirando o clássico de Fleming, lembro-me de ter visto Lágrimas de Mãe (1946), A Herdeira (1949), A Difamação (1959), Aeroporto 77 (1977) e, em televisão, a mini-série Roots (1979). Muito pouco, tendo em vista uma carreira de mais de cinquenta filmes. Mas, na geração a que pertencia, as minhas preferidas eram outras.

Nomeada cinco vezes para o Óscar, recebeu dois.

Numa vida pontuada pela discrição, a excepção foi o permanente conflito com sua irmã, a actriz Joan Fontaine.

Imagem: Olivia de Havilland aos 101 anos. Clique.

UK BLOQUEOU ESPANHA

Os media britânicos registaram a notícia de El País (os mortos em Espanha, por Covid-19, eram ontem 45 mil e não apenas os 28 mil dos boletins oficiais) e o Governo britânico tomou a decisão de imediato: desde as zero horas de hoje, todos os viajantes regressados de Espanha, cidadãos britânicos incluídos, têm de cumprir quarentena.

Dominic Raab foi explícito: «We took the decision as swiftly as we could... And we can’t make apologies for doing so. We must be able to take swift, decisive action, particularly in relation to localised [surges], or internationally in relation to Spain or a particular country, where we see we must take action. Otherwise, we risk reinfection into the UK, potentially a second wave here and then another lockdown

Conhecida ontem a seguir ao almoço, a medida apanhou de surpresa as companhias aéreas, as agências de turismo e os turistas britânicos em Espanha, pois muitos arriscam-se a perder o emprego se não se apresentarem ao serviço na data estabelecida. Entretanto, em poucas horas, foram canceladas mais de metade das reservas para Agosto. Ansiedade geral, desorientação e caos.

Se estiver a ser cumprida, a decisão vira do avesso a vida de quem foi apanhado de calças na mão. Porém, como os viajantes oriundos de Portugal estão ameaçados do mesmo há três semanas e ainda nenhum foi incomodado, pode ser que tudo não passe de uma manobra inócua, e de mau gosto, do Governo de Sua Majestade.