sexta-feira, 9 de outubro de 2015

ACABOU O TABU


Cavaco, Passos & Rio não queriam. Mas a realidade tem muita força. Marcelo apresenta hoje a sua candidatura à Presidência da República. A imagem é do Expresso. Clique nela.

ZERO

Três horas de reunião inconclusiva com o primeiro-ministro. Síntese de António Costa: «Tinha expectativas de que sendo o PSD o maior partido parlamentar e cabendo-lhe o ónus da governabilidade, nos tivessem sido explicitadas as condições de governabilidade que a coligação entende terem de ser criadas neste quadro em que perdeu a maioria. Mas não foi possível um trabalho aprofundado sobre quaisquer propostas

Foi marcada nova reunião para a próxima terça-feira. Na véspera, dia 12, o Presidente da República recebe o secretário-geral do PS.

VER QUEM OS TEM NO SÍTIO

Admitamos que Cavaco faz birra e não aceita um governo apoiado pela maioria de Esquerda. Pode acontecer. Impedido pela Constituição de dissolver a Assembleia da República, nada o obriga a empossar um novo Governo. O actual pode permanecer em gestão (com o país a viver de duodécimos) até que o próximo Presidente da República desate o nó. Mas há uma coisa que ele não pode impedir: a revogação de leis aprovadas nos últimos quatro anos, bem como a aprovação de outras que a extinta maioria PSD+CDS chumbou. Diz quem sabe que estão em jogo 40 diplomas.

Vou dar dez exemplos: alterar profundamente a Lei das Rendas / abolir as taxas moderadoras nos actos de IVG / aumentar os abonos de família e pré-natais / propor a ponderação do número de dependentes para efeitos de isenção de taxas moderadoras no SNS / legalizar a adopção por casais do mesmo sexo / alterar o Código do Registo Civil tendo em vista a procriação medicamente assistida, a adopção e o apadrinhamento civil por casais do mesmo sexo / alterar o Código de Processo Penal eliminando a possibilidade de julgamentos em processo sumário para crimes puníveis com pena de prisão superior a cinco anos / suspender as penhoras e vendas executivas de imóveis por dívidas fiscais / repor os feriados de 5 de Outubro e 1 de Dezembro / repor o IVA da restauração na taxa de 13%.

A ver vamos.

DEVAGAR, DEVAGARINHO

Posto no seu lugar, ao Presidente da República não restou alternativa. O primeiro-ministro foi incumbido de negociar a formação de um novo Governo. Ambos subestimaram Costa. Foi Costa himself (e não o Partido Socialista) que ambos subestimaram. Sucede que o secretário-geral do PS tomou a iniciativa de reunir com Jerónimo de Sousa e uma delegação do PCP, havendo neste momento grupos de trabalho a afinar detalhes. E só não reuniu com Catarina Martins porque o BE, enredado nas suas contradições, alegou não estar preparado para negociar uma alternativa de esquerda. Hoje é a vez de Costa reunir com Passos e Portas. Cavaco quer tudo a correr e, sobretudo, não quer chatices. Ou muito me engano ou vai ter de aguentar (sem poder mexer um dedo) o ritmo dos outros. A escolha foi dele.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

JONATHAN FRANZEN


Hoje na Sábado escrevo sobre Purity, o romance mais recente de Jonathan Franzen (n. 1959). O livro mantém-se na zona do “realismo histérico” que tem caracterizado a sua obra. Dito de outro modo, o género de ficção que não abdica de personagens e factos reais. Não é inocente que Andreas diga: «Olhem para mim. O meu pai pertence ao Comité Central e eu vivo na cave de uma igreja, mas alguma vez me vêem sisudo?» Andreas, suposto primo em segundo grau de Markus Wolf, o todo-poderoso chefe da Stasi, a polícia política da Alemanha de Leste. Afinal de contas, o núcleo duro do romance é o totalitarismo nas suas versões recicladas. A clave paródica salva o leitor menos apetrechado de supor que se enganou no livro. Mais do que o nome da protagonista, o título traduz a obsessão com a ausência de mácula conforme à pureza “moral” de Karl Kraus, autor que Franzen traduziu. A partir daí, a polifonia de pontos de vista faz o resto. Cada uma das sete partes do livro tem enfoque particular: “Purity em Oakland”, “A República do Mau Goso”, “Excesso de Informação”, “Moonglow Dairy”, “[le1o9n8aOrd]”, “O Assassino” e “Vem a Chuva”. Um caleidoscópio de revelações. Podia ser um romance do século XIX em cenário pós-punk. Já sabemos que Franzen nunca escreve para o lado de onde sopra o vento. A Internet é a sua bête noir. A eficácia de Slicon Valley um upgrade do Grande Irmão (somos testemunhas de como a realidade fez de Orwell um obsoleto caso de estudo). Do mesmo passo, a “bondade” das energias renováveis subsume um sarcasmo corrosivo, não isento de ironia. Pip, a empregada da Renewable Solutions, está no centro da intriga. Pip, aliás Purity, trabalha numa espécie de call center onde tenta vender energia limpa, ou seja, «derivada do lixo», a consumidores de subúrbio. Até que desiste e parte para a Bolívia, onde descobre que o «cheiro a bosta de vaca», em contraponto com a assepsia da Califórnia, constitui a suprema «revelação olfativa». Franzen cita Shakespeare com a naturalidade de quem fala da chuva. O mesmo se diga dos equívocos e desaires de Pip, entalada entre a sua própria identidade, o Projecto Luz Solar e o fundo fiduciário do avô. Ou o quotidiano de Berlim, quando a cidade eram duas, e toda a gente do outro lado do Muro «queria autorização para viajar, mais ainda do que queria automóveis.» Prosa escorreita, alheia a qualquer tipo de foguetório semântico. Em suma, não encontramos todos os dias a voz de um grande autor. Cinco estrelas.

Escrevo ainda sobre J, de Howard Jacobson (n. 1942), o britânico que faz questão de sublinhar a forma idiossincrática como vive a identidade judaica, descrevendo-se a si mesmo como “uma Jane Austen judia”. Chegou agora às livrarias esta ficção distópica e, salvo melhor informação, o segundo livro do autor a ser traduzido no nosso país. O primeiro foi o aclamado A Questão Finkler, vencedor em 2010 do Man Booker Prize. Além de romances e ensaios, Jacobson escreve para televisão, tornando-se uma figura popular com o primeiro episódio de uma série sobre a Bíblia. E promove performances públicas, como a recente Palhaços em Rebelião, um protesto arty com mulheres e homens nus junto ao muro que separa a Cisjordânia de Israel. Com J, a obra mais recente, o autor pretende suscitar uma discussão sobre a sociedade actual, em termos equivalentes aos da controvérsia gerada por Orwell com 1984. Humor negro e distopia fazem do romance uma parábola do totalitarismo manso que caracteriza o quotidiano dos países avançados, mansidão que pode acabar em extermínio colectivo. O romance disseca o que aconteceu nesse hipotético passado recente. Apocalipse irracional, uma das personagens recorda o tempo em que havia jornais e programas sérios na rádio e na televisão. Publicou a Bertrand. Três estrelas.

NOJO

José Rodrigues dos Santos não sabe se o cientista Alexandre Quintanilha foi eleito ou eleita para o Parlamento. Ao contrário de outros que passaram por São Bento, Quintanilha, 70 anos, cabeça-de-lista do PS pelo círculo do Porto, nunca escondeu a sua condição homossexual.

A piadola de JRS foi encomendada? Foi uma armadilha combinada com terceiros para testar os limites da Administração da RTP? José Rodrigues dos Santos não se limitou a ofender Quintanilha. O pivô da estação pública ofendeu toda a sociedade. Os contribuintes que garantem o seu salário têm o direito a exigir explicações. A Administração da RTP não pode fingir que nada aconteceu.

NOBEL DA LITERATURA


A bielorrussa Svetlana Aleksievitch, 67 anos, é a laureada com o Nobel da Literatura 2015. Conhecida sobretudo pelo quinteto dedicado à Grande Utopia, ou seja, ao comunismo: A guerra não tem cara de mulher, As Últimas Testemunhas, Os Rapazes de Zinco, Oração de Chernobil, a história do desastre nuclear que abalou a Ucrânia e a Europa em 1986, e O Fim do Homem Soviético. Esses cinco livros, publicados entre 1985 e 2012, fizeram dela uma voz singular na desconstrução dos mitos associados ao antigo império soviético. Svetlana viveu doze anos em Paris e em Berlim. Clique na imagem.

PERESTROIKA


Capa do Público. O impensável: Nem saída do euro, nem renegociação da dívida, nem rejeição do Tratado Orçamental. Quem está mais nervoso? Cavaco ou Catarina? Clique na imagem para ler melhor.

O TOUR


O PS vai fazendo o seu caminho. A temporada abriu com o Capuchinho Vermelho, prossegue hoje com Branca de Neve e termina amanhã com o Quebra-Nozes. Costa teve uma educação esmerada, é natural que lhe apeteça revisitar Perrault, os irmãos Grimm e Tchaikovsky. Não me surpreenderia o regresso ao Pátio das Cantigas, mas estas coisas levam tempo, e Cavaco terá de esperar sentado. A foto é de Manuel de Almeida, para a Lusa e o Diário de Notícias. Clique na imagem.

Adenda — Afinal, a Dona Catarina ainda não está preparada para reunir com António Costa. O encontro do PS com o BE foi adiado, a pedido do BE, para o próximo dia 12. Motivo: «Permitir uma melhor preparação técnica...» Os sete anões estão em parte incerta?

LEMBRAR

Em Setembro de 2009, quando ganhou as eleições mas perdeu a maioria absoluta de 2005, Sócrates chamou a São Bento, um por um, todos os partidos com representação parlamentar. Da Esquerda à Direita não houve cão nem gato que não criticasse a iniciativa: nonsense, perda de tempo, cinismo,  frete, erro estratégico, fantochada, etc., foram alguns dos mimos com que gente respeitável (mais os serventes do costume) invectivou o antigo primeiro-ministro. Agora de repente todos querem Costa a fazer o mesmo.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

DISCURSO DIRECTO, 19

Ferreira Fernandes, hoje no Diário de Notícias. Excerto, sublinhado meu:

«[...] Passos e Portas vão governar, como os portugueses lhes deram direito, com algumas negociações obrigatórias. A política da vida é isso. Por isso, Passos já aceitou Marcelo, em vez do preferido Rio, é a vida. Como vencedores que foram, Passos e Portas vão ter mais facilidades. A Costa saiu-lhe a fava. O político da mais meritória obra feita, Lisboa, cercou-se de medíocres antigos e novos, e a campanha foi muito má. E em janeiro espera-o outra derrota. Ele vai ser obrigado, nos próximos meses, a fazer política, política e política. Ou redime-se (e pode) ou sai pela esquerda baixa

NULIDADES

Os votos dos emigrantes de Timor e da Venezuela, em vez de terem sido enviados para a DGAI, como manda a lei, foram remetidos ao MNE. E o MNE reenviou para a DGAI. Sucede que a DGAI nem sequer os vai contar: «São nulos», esclareceu ontem (na televisão), de forma peremptória, um responsável da CNE, mostrando os envelopes. Percebia que fosse assim se viessem abertos ou com vestígios de manipulação. Aparentemente nada disso aconteceu. É evidente que nada muda por causa de 25 envelopes de Dili e não sei quantos de Caracas. Mas tamanho zelo ultrapassa o senso comum. Se os serviços consulares espalhados pelo vasto mundo não têm condições para fazer cumprir a lei, devem dizê-lo antes das eleições.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

PRIORIDADES

O Parlamento existe para fiscalizar a acção do Governo e para legislar. LEGISLAR. A Esquerda tem agora uma oportunidade única para marcar a diferença. Revogar leis iníquas. Impor a aprovação de outras. Por isso é tão importante que PS, BE, PCP e PEV se entendam para eleger Eduardo Ferro Rodrigues como próximo Presidente da Assembleia da República. Louçã fez ontem na SICN o elogio do antigo secretário-geral do PS, numa altura (a existência de um Governo minoritário e a necessidade de estabelecer pontes) em que o centro da vida política volta a ser, como aliás devia ser sempre, o Parlamento. Assim haja discernimento.

Isto dito, não tem cabimento que o BE queira pôr os seus 19 deputados às cavalitas do PS para macaquear um Governo de frente popular, minoritário (86+19=105), e ao arrepio da vontade popular. Calma. O próximo Verão é já daqui a nada.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

QUE FAZER COM ESTES NÚMEROS?


Nas eleições de ontem, a PAF perdeu 746 mil votos relativamente à soma do PSD e do CDS em 2011. E também perdeu 25 deputados, admitindo que sejam seus 3 dos 4 deputados da emigração. Em 2011, PSD e CDS elegeram 132 deputados, agora não devem passar de 107.

Em contrapartida, o PS teve mais 172 mil votos do que em 2011. E mais 12 deputados: tinha 74, consegue agora 86.

Com 19 deputados, o BE ultrapassa a CDU, que fica com 17. Ambos sobem, mas o salto do BE tem outra amplitude. Um pequeno partido, o PAN, elege um deputado.

Tudo visto, salvo surpresas na emigração, a composição da Assembleia da República será assim: PSD 89 / PS 86 / BE 19 / CDS 18 / CDU 17 / PAN 1. Com 107 deputados, é natural que a PAF forme Governo.

Cabe à maioria de Esquerda fazer bom uso da nova correlação de forças, revogando (repito: revogando) várias leis aprovadas nos últimos quatro anos. E fazendo aprovar outras que foram chumbadas. Assim que tomou posse em Janeiro de 1980, Francisco Sá Carneiro revogou toda a legislação aprovada pelo Governo de Maria de Lourdes Pintasilgo.

Ao PS cabe uma responsabilidade acrescida: impedir que o Orçamento de Estado para 2016 seja inconstitucional, como sucedeu com dezenas de normas de todos os orçamentos elaborados a partir de 2011.

A imagem é do Expresso. Clique.

A VIDA COMO ELA É


Ao contrário dos clubes da terceira divisão que andaram ao colo dos media, o PAN elegeu um deputado, André Silva, cabeça-de-lista pelo Círculo de Lisboa. O PAN é um partido ambientalista, que defende a natureza e os direitos dos animais não-humanos, a adopção por casais homossexuais, a criminalização da zoofilia, a eutanásia, a revisão da regulação bancária, a renegociação da dívida do Estado, a criação de um rendimento básico incondicional, a revisão das PPP, impostos especiais sobre produtos de luxo ou com elevado custo ambiental e, last but not least, a obrigatoriedade de um período de nojo de dez anos na transição de cargos políticos para cargos privados. Em resumo, coisas concretas. Podemos não concordar com elas, mas sabemos ao que vêm.

Foto de Tiago Petinga, Lusa e Expresso. Clique.

PÓS-TROIKA


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