sábado, 10 de março de 2018

PONTOS NOS II


Luís Filipe Castro Mendes, ministro da Cultura, hoje no DN —

«O acordo não é o melhor possível mas está vigente e segui-o para horror e espanto de muitos amigos. Não porque lhe tenha um grande amor, mas porque para mim a ortografia é uma convenção e não considero que a anterior seja a maior das maravilhas. Tudo se pode aperfeiçoar, é a minha opinião. Enquanto estiver em vigor vou segui-lo e lamento os meus amigos que consideram isto uma traição. Há como que uma luta de religiões em torno do acordo, só que eu não tenho religião

É exactamente o que eu penso, embora, por comodismo, continue a escrever como aprendi. Sobre o livro escreverei noutra ocasião e lugar.

sexta-feira, 9 de março de 2018

HOMERO


Homero em português de lei é factor de civilização. O conseguimento é notável, e os encómios vão todos para Frederico Lourenço, o tradutor— Escrevi isto em 2003, na revista LER. Quinze anos depois, a Odisseia ressurge completamente revista, fixada agora a partir da edição de Peter Von der Mühll, e não pela de T. W. Allen, como em 2003. Frederico Lourenço traduziu em verso os doze mil hexâmetros do livro, e desta vez incluiu notas e comentários. A edição segue as normas do novo Acordo Ortográfico. A Quetzal está de parabéns.

DOIS ANOS


Não sou apoiante do Bloco de Esquerda, partido em que nunca votei, mas, nas últimas eleições presidenciais, como é público, apoiei Marisa Matias.

Isto dito, fique exarado que me revejo na forma como Marcelo Rebelo de Sousa tem exercido o mandato de Presidente da República. Os detalhes coreográficos são secundários. Importante mesmo é a presença de um democrata em Belém. Não tenhamos dúvidas: com um nível de aceitação a roçar a unanimidade, outro no seu lugar não hesitaria em plebiscitar uma entorse constitucional. Ter isso presente.

quinta-feira, 8 de março de 2018

DIA DA MULHER


Conheci mulheres admiráveis ao longo da vida, e nem todas eram artistas, professoras, cientistas, juízas, diplomatas, médicas, funcionárias públicas ou escritoras, para dar exemplos que me são próximos. Não cito nenhuma em especial porque seria injusto com as outras. Mas posso citar minha Mãe (1920-2016), mulher admirável sob vários pontos de vista. Por pudor, abstenho-me de os ilustrar. A foto é de 1953, o ano em que, num meio fechado como era o de Lourenço Marques, avançou para o divórcio litigioso. Hoje parece fácil. Hoje.

GONZAGA & KURNIAWAN


Hoje na Sábado escrevo sobre a reedição de Doida Não e Não!, de Manuela Gonzaga (n. 1951), livro que tem por objecto um dos maiores escândalos da sociedade portuguesa das décadas de 1910 e 1920. O adultério de Maria Adelaide Coelho da Cunha fez manchetes nos jornais, deu origem a um belo filme de Monique Rutler e, com enfoques diferentes, a vários outros livros. Tornado público em Novembro de 1918, o adultério de Maria Adelaide foi uma cause célèbre que dividiu o país ao meio e expôs com clareza a subalternidade das mulheres. E esse é o aspecto central. Filha e herdeira de Eduardo Coelho, fundador do Diário de Notícias, Maria Adelaide era uma figura estimada da melhor sociedade de Lisboa, anfitriã de recepções lendárias, como as realizadas na Primavera de 1915 a pretexto das suas Bodas de Prata. Culta, emancipada, mãe de um único filho, cometeu a ousadia de abandonar o palácio de São Vicente para juntar-se a Manuel Claro, o motorista. Tinha então 48 anos, e o amante 26. Maria Adelaide adoptou o nome de Maria Romana Claro e refugiou-se com o amante em Santa Comba Dão, onde o marido e o filho os descobriram. Manuel Claro tinha sido despedido no ano anterior. A natureza das relações entre a mulher e o motorista não terão passado despercebidas a Alfredo da Cunha, o influente director do Diário de Notícias que julgava poder acabar com o affaire. Mas o afastamento não impediu encontros em quartos alugados. Uma vez descobertos, Manuel Claro foi preso e enviado para a Cadeia da Relação do Porto, onde cumpriu pena durante quatro anos. Maria Adelaide viu-se internada à força no Hospital Conde de Ferreira, do Porto. Começou assim um episódio sinistro da medicina portuguesa, de que foram cúmplices ‘sumidades’ como  Magalhães Lemos e a trindade da psiquiatria nacional: Egas Moniz, Júlio de Matos e Sobral Cid. Maria Adelaide foi interditada (assim permaneceu até 1944), como era de uso fazer às mulheres. Maria Adelaide e Manuel Claro viveram juntos, no Porto, até morrer. Manuela Gonzaga documenta bem os factos, mas a narrativa teria ganho com uma prosa mais passional. Três estrelas. Publicou a Bertrand.

Escrevo ainda sobre Homem-Tigre, o segundo romance do indonésio Eka Kurniawan. Entre nós, a edição de obras estrangeiras anda a reboque dos prémios mais mediatizados, o que explica a tradução deste livro, cuja edição em língua inglesa colocou Kurniawan entre os nomeados do Man Booker International Prize. Eka Kurniawan nasceu em 28 de Novembro de 1975, o dia em que Timor Leste declarou a independência, e ele gosta de sublinhar o facto, por estar associado à luta contra a opressão. Oriundo de uma família pobre de Java Ocidental, viria a ser activista contra a ditadura de Suharto. Considerado actualmente o escritor mais relevante da Indonésia, Kurniawan subsume a tradição oral dos camponeses, e simbologia correlata, na realidade urbana contemporânea, sem perder de vista o sobrenatural. Tudo isso conflui, em Homem-Tigre, para um inesperado thriller. Animal mítico, o tigre surge travestido de fêmea, encarnando em Margio, o jovem que morde a jugular de Anwar Sadat (não confundir com o presidente egípcio). De forma nem sempre linear, o romance faz o relato retrospectivo das causas do crime. O volume inclui uma excelente introdução de Benedict Anderson, a qual, presumo, fará parte da edição americana. Quatro estrelas. Publicou a Elsinore.

terça-feira, 6 de março de 2018

ITÁLIA FASCISTA

Tudo indica que a Itália vá ser governada pela extrema-direita. Só não se sabe ainda quem, entre Luigi Di Maio e Matteo Salvini, será o próximo chefe do Governo. Luigi Di Maio, 31 anos, é o líder do partido mais votado, o M5E. Matteo Salvini, 45 anos, líder da LEGA, encabeça uma coligação de partidos com maioria no Parlamento e no Senado. A ver vamos. Tudo tem que estar decidido até ao próximo dia 23. Di Maio, oriundo de uma família fascista, não gosta da UE mas prefere continuar lá. Salvini, antigo militante da extrema-esquerda, admirador confesso de Putin, Trump, Le Pen e Geert Wilders, quer referendar a saída da Itália da UE. Ambos são anti-emigração. Venha o Diabo e escolha.

OCUPADOS


Se ainda não viu, vá ver. A RTP-2 começou a transmitir no dia 1 a série norueguesa Ocupados, dirigida por Erik Skjoldbjærg a partir de uma ideia original de Jo Nesbø. Plot: a Rússia ocupa a Noruega a pedido da UE. Motivo: dirigida por um primeiro-ministro Verde, a Noruega opta pela energia nuclear e decide cessar a produção de petróleo, gás natural e outros combustíveis fósseis. A UE discorda e pede a Moscovo que tome medidas. Tendo alcançado a independência energética e abandonado a NATO, os Estados Unidos alheiam-se do problema. Lembram-se do Anschluss austríaco de 1938? Pois é. Sentimos um arrepio na espinha.

Vi ontem os três episódios já exibidos, porque, além de verosímil, a antecipação ficcional é viciante. Na imagem, da esquerda para a direita, Eldar Skar, Henrik Mestad e Ane Dahl Torp. O edifício em pano de fundo, sede da Statoil, aparece na série como sede do Governo norueguês. Imperdível.

segunda-feira, 5 de março de 2018

A PALHAÇADA


A vitória do Movimento 5 Stelle instalou o caos. Luigi Di Maio, 31 anos, é o homem por quem terão de passar todos os entendimentos. Lembrar que o M5E, fundado em 2009 por um palhaço, se autodefine como um não-Partido, assumindo a defesa da democracia directa populista, anti-UE e anti-emigração. O Partido Democrata, do actual primeiro-ministro (como também do anterior), colapsou. Nada se resolverá sem uma coligação, mas o M5E (32,4%) recusa coligar-se com quem quer que seja. E os 18,8% do PD retiram-lhe margem de manobra.

Clique no gráfico do jornal italiano La Repubblica.

OSCARES 2018


Não vi os filmes de Guillermo Del Toro (este nem tenciono ver), Frances McDormand, Gary Oldman, Allison Janney e Sam Rockwell. Isto dito, não me pronuncio sobre a justeza dos prémios. Mas, pelo que leio nos jornais, ninguém ficou entusiasmado.

Clique na imagem.

domingo, 4 de março de 2018

TÔNIA CARRERO 1922-2018


Vítima de paragem cardíaca durante uma intervenção cirúrgica numa clínica do Rio de Janeiro, Tônia Carrero morreu ontem à noite. Tinha 95 anos. A actriz sofria de hidrocefalia, razão do seu desaparecimento do espaço público nos últimos seis anos. Mais conhecida, em Portugal, pelas novelas, Tônia Carrero tem um longo historial no teatro, tendo interpretado Shakespeare, Albee, Dürrenmatt, Ibsen, Feydeau, Tchekhov, Pirandello, Sartre, Duras, Tennessee Williams, Bernard Shaw, Noel Coward, Lillian Hellman, Plínio Marcos, William Luce e outros. Também fez cinema (vinte filmes) e performance, como em Quartett, de Heiner Muller. Tônia Carrero era mãe do actor Cecil Thiré.

ACABOU O IMPASSE


Foram há pouco divulgados os resultados do referendo do SPD sobre a coligação com a CDU/CSU. Votaram 78% dos 463 mil militantes do partido. A favor da coligação: 66,02%. Contra: 33,98%. Merkel pode respirar descansada. E a Europa também. Olaf Scholz, líder interino do SPD, será vice-Chanceler e ministro das Finanças. O próximo dia 14 é a data provável para a eleição de Merkel no Bundestag. Recordar que as eleições alemãs foram em Setembro, estando o país em gestão há 161 dias.

Clique na imagem do Spiegel.