sábado, 7 de maio de 2016

SADIQ KHAN


Com 57% dos votos, Sadiq Khan, 45 anos, muçulmano de origem paquistanesa, membro do Labour, tornou-se o mayor de Londres, derrotando o milionário Zac Goldsmith, do Partido Conservador. Na primeira volta, Sadiq tinha obtido 44% contra 35% de Zac. Sadiq nasceu em Londres dois anos depois dos pais terem abandonado o Paquistão. Sucedendo ao excêntrico Boris Johnson, que por acaso nasceu em Nova Iorque, a capital britânica será governada pelo filho de um casal de imigrantes pobres. Boris não concorreu porque está a fazer pontaria para o n.º 10 de Downing Street.

MOÇAMBIQUE, ALIÁS MOZAMBIQUE


A propósito da sucessão de disparates que se têm escrito sobre Moçambique, vou alinhavar duas ou três coisas que ajudem a perceber a ignorância nacional. Ao contrário de Angola, que fica relativamente perto, Moçambique fica do outro lado do mundo. Em Março de 1961, na sequência do massacre da UPA, Salazar fixou a legenda: Angola é nossa. Em Julho de 1975 teve início a famosa ponte aérea que durante cem dias trouxe para Portugal meio milhão de pessoas. E em Setembro de 1989, durante a guerra civil angolana, o avião em que seguia João Soares despenhou-se na Jamba. (O filho de Mário Soares regressava de um congresso da Unita.) Entre outros, estes três acontecimentos tiveram larga cobertura mediática e ficaram gravados na memória colectiva.

Em Moçambique nada ocorreu de parecido. O massacre de Wiriyamu, em Dezembro de 1972, tendo tido larga repercussão na imprensa internacional, sobretudo na de língua inglesa, foi silenciado em Portugal. A partir de 1974, a imprensa portuguesa ignorou sistematicamente a situação em Moçambique, onde dezenas de milhares de indivíduos (negros, mestiços, brancos e indianos; a comunidade chinesa não foi incomodada) foram enviados para os ‘campos de reeducação’ da Frelimo — Nachingwea e Bagamoyo, ambos na Tanzânia; Mitelela, no Niassa. Dois terços dos detidos enlouqueceram, morreram de fome ou foram executados. Seria preciso esperar por Junho de 1995 para o Público dar à estampa a reportagem «Os Campos da Vergonha», de José Pinto de Sá. Alguém ligou? O tema voltaria em 2007 sob a forma de romance, Campo de Trânsito, do historiador e escritor moçambicano João Paulo Borges Coelho, mas toda a gente assobiou para o lado. Nem sequer a guerra civil moçambicana, que durante dezasseis anos (1976-92) opôs a Frelimo à Renamo, comoveu os nossos media. Pior: não me lembro de ter lido em jornais portugueses qualquer referência ao facto de Joaquim Chissano ter admitido em Washington, perante uma comissão do Departamento de Estado, a prática de execuções sumárias nos anos 1970. («Report on Human Rights Practice for 1991/1992», US State Department, Washington DC, 1993.) A tudo isto a opinião pública portuguesa disse nada.

Para os media nacionais, Moçambique é aquele país distante onde se conduz pela esquerda. Ponto. Nunca perceberam, nem quiseram perceber, que a colonização de Angola não teve nada a ver com a de Moçambique. Para Angola sempre foi quem quis, quando quis e como quis. Ao contrário, para Moçambique, a exigência de carta de chamada vigorou até ao fim dos anos 1960. Os brancos de Angola nunca cortaram o cordão umbilical com as origens. Em Moçambique, para a larga maioria da população branca, Portugal era uma entidade abstracta. Quando eu nasci (1949), ainda a maioria do comércio de Lourenço Marques se fazia em libras e não em escudos: era assim no John Orr's e no LM Bazaar, para dar dois exemplos. E o LM Guardian era redigido em inglês... Não vou entrar na caracterização sociológica da emigração porque existe bibliografia sobre o assunto.

Para os media nacionais, é mais fácil perceber e falar de Angola: diamantes, petróleo, nepotismo, Luanda como meca de patos-bravos, as birras da Dona Isabel, etc. Moçambique fica longe e, bem vistas as coisas, até é desde 1995 um Estado-membro da Commonwealth.

Na imagem, LM/Maputo. Clique.

sexta-feira, 6 de maio de 2016

ASNEIRA GROSSA


A viagem do Presidente da República a Moçambique tem revelado em todo o seu esplendor a ignorância dos media nacionais.

Primeiro, o Expresso ‘ressuscitou’ Malangatana. Agora, a SIC faz de Joaquim Chissano o líder na Renamo, qualidade em que teria sido convidado a participar no banquete de Estado oferecido pelo PR moçambicano a Marcelo Rebelo de Sousa. Como a SIC devia saber, o líder da Renamo é Afonso Dhlakama. Ponto.

A notícia é de ontem ou anteontem mas só hoje tomei conhecimento dela. Como é que a SIC ignora que Chissano foi primeiro-ministro do Governo de Transição (1974-75), ministro dos Negócios Estrangeiros (1975-86) e, após a morte de Samora Machel, Presidente da República (1986-2005) durante dezanove anos? Como?

SCUT

Com os votos do PS, BE, PCP, PEV e PAN, o Parlamento aprovou hoje a redução do valor das portagens nas antigas Scut, ou seja:

Na A22, vulgo Via do Infante — Algarve;
na A23, ou autoestrada da Beira Interior — Torres Novas-Guarda;
na A24, ou autoestrada do Interior Norte — Viseu-Vila Real;
na A25, ou autoestrada das Beiras Litoral e Alta — Aveiro-Vilar Formoso.

PSD e CDS abstiveram-se. Lembrar que as Scut, acrónimo de Sem Custos para o Utilizador, foram gratuitas até 2011, altura em que o Governo PSD/CDS alterou essa situação.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

HERBERTO HELDER


Hoje na Sábado escrevo sobre Letra Aberta, de Herberto Helder (1930-2015). Não era expectável que, um ano após a sua morte, aparecesse um novo livro. Contudo, foi o que aconteceu. Olga Lima, a viúva, escolheu e coligiu poemas inéditos e deu à estampa um pequeno volume com trinta e três poemas. Alguns fac-símiles constam da edição. Irá surgir uma arca-Herberto? Nos últimos livros que publicou em vida, A Morte Sem Mestre (2014) e Poemas Canhotos (2015), sobretudo no primeiro, Herberto queimou todas as pontes que o ligavam à tradição que ele próprio criou. Letra Aberta interrompe o desvio. Podemos presumir o óbvio: tratando-se de poemas que o autor não publicou por qualquer razão, estes inéditos pertencem a fases coincidentes com a obra pretérita. Uma nota editorial poderia esclarecer a data de factura, mas ela não existe. O único esclarecimento remete para opções de fixação de texto em quatro poemas. Em todo o caso, estamos longe do timbre visionarista: «eu cá acho que sim, / acho que apesar de tudo escrevi um poema aceitável, / um poema que amadurou em mim ao longo de oitenta anos […]» Os leitores corroboram. Herberto é sinónimo de poema contínuo. Quatro estrelas. Publicou a Porto Editora.

Escrevo ainda sobre Montaigne, de Stefan Zweig (1881-1942). A concisão é de regra: menos de cem páginas são bastantes para nos dar a conhecer a vida e o pensamento do “pai” do Cepticismo, o celebrado inventor do ensaio, Michel Eyquem, senhor de Montaigne. Sobre a sua personalidade, Zweig sublinha: «Só aquele que foi obrigado a viver numa época em que a guerra, a violência e a tirania das ideologias ameaçavam o futuro de cada um e, nela, a sua essência mais preciosa, a liberdade individual, sabe quanta coragem, rectidão e energia são precisas para se manter fiel ao seu eu mais profundo…» Zweig é perspicaz na forma como dilucida Montaigne, alguém que confessou ter casado por conveniência, reconhecendo «o direito, mais às mulheres do que aos homens, de terem um amante…» Nascido em 1533, Montaigne morreu cedo (1592), facto que o não impediu de ser filósofo, magistrado, presidente da Câmara de Bordéus, conselheiro e agente secreto de Henrique de Navarra, viajante, amigo íntimo de Étienne de La Boétie (o precursor daquilo a que chamamos desobediência civil, autor do Discurso sobre a Servidão Voluntária), a quem dedicará os Ensaios que fizeram dele um homem célebre. Zweig enfatiza a importância dessa relação, citando La Boétie. É pena que as duas tradutoras do livro não tenham assinalado a proveniência dos textos. Bem vistas as coisas, este Montaigne é o monólogo interior com que Zweig se confronta com o biografado: «Montaigne só me emociona e me interessa hoje por isto: saber como, numa época semelhante à nossa, ele se libertou interiormente…» É impossível não estabelecer um nexo causal entre as escolhas pessoais de um e outro. O livro foi escrito durante o exílio brasileiro (austríaco de origem judaica, Zweig refugiou-se em Petrópolis entre 1940 e 1942), ocorrendo a sua primeira publicação quarenta anos após o suicídio do autor e da sua segunda mulher. A vasta bibliografia sobre Montaigne não dispensa a leitura deste magnífico ensaio biográfico de Zweig. Cinco estrelas. Publicou a Assírio & Alvim.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

CONTRADIÇÕES AMERICANAS


É este o ponto da situação nas Primárias americanas. Do lado republicano, o score de Trump representa a vitória da maioria xenófoba, ultrapassando tudo o que podia imaginar-se e deixando às elites conservadores o dilema de, em Novembro próximo, preferirem votar Hillary. Do lado democrata, é curioso verificar como um socialista consequente (Sanders) tem conseguido obter resultados mais do que satisfatórios, embora insuficientes para travar a vitória de Hillary Clinton. Veja a diferença de superdelegados: Hillary com 520 e Sanders com 39.

O gráfico é do New York Times. Clique na imagem para ler melhor.

terça-feira, 3 de maio de 2016

QUERUBIM LAPA 1925-2016


Vítima de complicações respiratórias após um AVC, morreu ontem Querubim Lapa, artista plástico que deixa obra de referência na cerâmica, azulejaria, escultura, pintura, desenho e gravura. Lisboa está cheia de obras suas. Tinha 90 anos. Clique na imagem.

domingo, 1 de maio de 2016

MÃE


Leitores e críticos fazem outra pontaria. Nem uns nem outros adivinham que o sujeito deste poema de 1984 é minha Mãe, aqui fotografada no dia em que fez 78 anos (1998), com o nosso Tonecas ao colo. Clique na imagem.

Houve ali um rosto
muito belo, mal disfarçado
na teia geométrica
de uma finíssima máscara.

Sulcos de um antigo
ardor.
Tranquilo e arbitrário
desapego.

A luz baixou tanto.
Aquele rosto é
um mapa: um mapa
crivado de cidades saqueadas.

Eduardo Pitta, Desobediência. Poemas escolhidos — Dom Quixote, 2011.