Hoje na Sábado.
Em Janeiro, na presença de Graça Fonseca, ministra da Cultura, a editora Contraponto apresentou na Biblioteca Nacional de Portugal o ambicioso projecto de uma colecção de biografias de Agustina Bessa-Luís, José Cardoso Pires, Natália Correia, Herberto Helder e outros. Os autores destas quatro são, respectivamente, Isabel Rio Novo, Bruno Vieira Amaral, Filipa Martins e João Pedro George. A presença da ministra surpreendeu muita gente e abriu um precedente. Graça Fonseca tenciona doravante caucionar a apresentação de colecções literárias?
A primeira, O Poço e a Estrada. Biografia de Agustina Bessa-Luís, de Isabel Rio Novo, chegou às livrarias em Fevereiro. Feita à revelia da família de Agustina, já comprometida com a editora Relógio d’Água e o historiador Rui Ramos, autor da aguardada biografia canónica, ressente-se da interdição a documentação privada, bem como da ausência de portfolio fotográfico. Isabel Rio Novo teve de fazer o seu trabalho a partir da leitura da obra, da bibliografia passiva, de alguma correspondência publicada, e de recortes de imprensa. A tudo isso acrescentou entrevistas com diversas personalidades, mas nenhuma delas ultrapassa anedotário conhecido e trivialidades domésticas. Talvez por isso, Carlos Maria Bobone tenha escrito no Observador que «O livro está cheio de historietas, descrições de paisagens, sentimentos, que por vezes conseguem ser interessantes, sim; no entanto, são interessantes pelo que Agustina disse ou escreveu sobre eles, não são interessantes por si próprios.» Noutro registo, Mário Santos escreveu no Público: «a leitura do livro é proveitosa e, em geral, prazenteira. Sobretudo, na parte concernente à infância, à juventude e aos primeiros anos do percurso literário da romancista.»
Sejamos claros: O Poço e a Estrada tem o mérito de exarar factos, datas, endereços, genealogias, equívocos, tensões familiares, a pulsão do Pai pelo jogo, o apoio do marido, a filha (a escritora Mónica Baldaque), os atritos com o crítico Jaime Brasil, as relações com Régio e Ferreira de Castro, a coquetterie inata, o enfado do milieu literário, um breve período depressivo, as adaptações de Manoel de Oliveira, a proximidade com a mulher de Francisco Sá Carneiro, as posições políticas, o ódio de estimação por Natália Correia, as amizades electivas com Sophia de Mello Breyner Andresen e Maria Helena Vieira da Silva. Aqui chegados, podemos presumir que Isabel Rio Novo apenas omite dados constantes dos arquivos pessoais de Agustina.
Escrita com grande desenvoltura narrativa, O Poço e a Estrada lê-se como um romance (o título adapta uma frase de Agustina). São aliciantes as páginas dedicadas à Póvoa de Varzim dos anos 1930. E muito oportuna a lembrança da sua nomeação como directora do Teatro Nacional D. Maria II, de Lisboa, ao tempo em que Santana Lopes era secretário de Estado da Cultura. Foi ali na sala de Garrett que, para escândalo da intelligentsia, Agustina promoveu (em 1991) a exibição da revista Passa por mim no Rossio, de Filipe La Féria.
O livro de Isabel Rio Novo também não esquece a fortuna crítica, as viagens, os prémios, o apoio à despenalização da interrupção voluntária da gravidez e, por fim, o acidente vascular cerebral que obrigou à retirada da vida pública no início de 2007, pouco depois de, no fim de 2006, Agustina ter publicado A Ronda da Noite. Certas zonas de sombra são iluminadas por petite histoire avulsa. Efabulação? A biógrafa conclui: «O enigma de Agustina e da noite em que está encerrada já não pode ser auscultado.»
O volume inclui índice onomástico e 80 páginas de notas remissivas. A grande falha é a ausência de uma bibliografia de Agustina. Os livros são citados (e muitos analisados), mas uma coisa não dispensa a outra. Porém, isso pode e deve resolver-se em próxima edição.
Publicou a Contraponto.