sábado, 29 de junho de 2019

STONEWALL, 50 ANOS


Para a maioria das pessoas, os motins de Stonewall não dizem nada. Mas foi com eles que nasceu a cultura gay, hoje estudada em todas as universidades que se prezam.

Resumidamente: faz agora 50 anos que os motins de Stonewall mudaram tudo. Começaram no dia do funeral de Judy Garland — 27 de Junho de 1969 —, ícone da comunidade gay, falecida em Londres mas trasladada para a América, ocasião para centenas de homossexuais levarem o caos a Greenwich Village, um bairro de Nova Iorque.

Durante três dias consecutivos, entre 27 e 29 de Junho, homens e mulheres fizeram frente ao assédio moral e à reiterada prática de chantagem da polícia, fazendo ver à sociedade americana, e em especial às autoridades, que uma democracia não pode permitir que uns sejam mais iguais do que outros. O ponto de partida das hostilidades foi o bar gay Stonewall Inn, em Christopher Street. Nunca mais nada foi como dantes.

A literatura sobre homossexualidade tem mais de três mil anos: o saco sem fundo da antiguidade clássica, os poetas da antologia grega (onde Safo tem lugar cativo), as contribuições de Homero, Virgílio e Petrónio, o Épico de Gilgamesh, epítome do amor viril, as estrofes espirituais de São João da Cruz, os poetas do Islão, desde o tempo em que as fronteiras do Islão chegavam a Silves, os poetas chineses Hsü Ling e Wu Chün, a decantada Chanson de Roland, os poetas turcos e persas dos divã — fonte do Westöstlicher Divan de Goethe, tal como do Diván del Tamarit de Lorca —, os infernos de Rimbaud e Verlaine, os estudos precursores de John Addington Symonds, Edward Carpenter e Henry Havelock Ellis e, naturalmente, as obras centrais de Whitman, Kavafis, Wilde, Gide, Botto, Gunn e muitos outros.

Contudo, ia ser necessária uma década de intervalo para que pudesse irromper e afirmar-se publicamente uma verdadeira geração de escritores gay pós-Stonewall. É o caso do grupo do Violet Quill Club, de que fazem parte, entre outros, Edmund White, Andrew Holleran e Felice Picano. É a partir daí que nasce a cultura gay. Para uma perspectiva de conjunto, ver The Violet Quill Reader (1994). A cultura gay distingue-se por afirmar a sua condição política sem recurso às madalenas de Proust.

A partir daqui parece-me fútil perguntar das razões das marchas do orgulho gay, iniciadas em 1970, em Nova Iorque, e hoje realizadas em mais de 60 países (em Portugal começaram em 2000). Mandela, por exemplo, participou numa das marchas sul-africanas. A mim, o que me faz confusão, é o défice de políticos e personalidades públicas portugueses capazes de darem a cara.

Na imagem, o livro editado em 1994 por David Bergman (na St Martin Press) sobre a emergência da literatura gay pós-Stonewall. Clique.

sexta-feira, 28 de junho de 2019

HÉLIA CORREIA


Com Um Bailarino na Batalha (2018), Hélia Correia venceu o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores.

Recorde-se que a autora recebeu em 2015 o Prémio Camões.

Nascida em Fevereiro de 1949, Hélia Correia é autora de doze romances, duas novelas, uma colectânea de contos, dois livros de poesia, cinco peças de teatro e um livro de histórias infantis.

Constituído por Clara Rocha, Cristina Robalo Cordeiro, Fernando Pinto do Amaral, Maria de Lurdes Sampaio, Salvato Teles de Menezes e, em representação da APE, José Manuel de Vasconcelos, o júri deliberou por unanimidade.

Parabéns, Hélia!

Clique na imagem.

quinta-feira, 27 de junho de 2019

QUE SE PASSA COM MERKEL?


Fiquei muito impressionado ao ver o tremor violento que acometeu Angela Merkel esta manhã, durante a posse (conferida pelo presidente Frank-Walter Steinmeier) da nova ministra alemã da Justiça.

No espaço de onze dias, é a segunda vez que tal acontece em público. Algo de grave se passa com a saúde da Chanceler.

Na imagem, Merkel já tem os braços cruzados. Neste momento vai a caminho de Osaka para a Cimeira do G20.

Clique na imagem da CNN.

SOPHIA & MdC


Hoje na Sábado escrevo sobre Sophia, de Isabel Nery. Está visto que o filão mais recente da vida literária portuguesa são as biografias de escritores. No momento em que o país celebra o centenário do seu nascimento, chegou a vez de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004). Entrevistada por Vanessa Fidalgo para o Correio da Manhã, Isabel Nery, a biógrafa, revelou ter levado dois anos a «visitar todos os locais» por onde Sophia passou. A fase de pesquisa para a sua «reportagem biográfica» incluiu visitas à Torre do Tombo, recolha de testemunhos de escritores, amigos e família (não sabemos se de viva voz ou por escrito), consulta de correspondência trocada com Jorge de Sena, leitura de jornais e teses académicas, bem como visionamento de filmes e documentários feitos por João César Monteiro, João Bénard da Costa e Manuel Mozos. Sendo as biografias o veículo ideal para ilustrar uma época, Isabel Nery fez um tour d’horizon a partir da chegada a Portugal, em 1840, de Jan Hinrich Andresen. Sophia nasce no Porto em 1919, passa a infância no Campo Alegre, faz férias na Granja («a praia mais aristocrática do país»), publica o primeiro livro em 1944, vem para Lisboa, casa e torna-se mãe de cinco filhos. Segue-se a fase “pública”. Saberemos que foi interrogada pela PIDE em Agosto de 1959, que o marido esteve preso dois anos (1966-68), que a estratégia do primeiro congresso do Partido Socialista foi delineada por Soares na casa do n.º 57 da Travessa das Mónicas, e que lhe foi maçante a participação como deputada à Assembleia Constituinte. Saberemos ainda a razão da recusa dos cargos de secretária de Estado da Cultura e de embaixadora de Portugal em Paris: a doença do filho mais novo. A partir de então, afasta-se da política activa. Sobrou apenas, até ao fim da vida, a amizade por Soares e Maria Barroso. Em 1962, o congresso da Comunità Europea Degli Scrittori, realizado em Florença, exacerba o lendário ódio de Sophia por Natália Correia. Nem Soares, que em 1969 as juntou na CEUD (a lista da oposição democrática), conseguiu apaziguar Sophia: «Se ela vai, eu não vou!» Na Itália, rodeada de escritores com quem não tinha afinidades, valeu-lhe a companhia de Agustina. Sobre a amizade de ambas, é interessante cotejar os pontos de vista das respectivas biógrafas. Para Isabel Rio Novo, biógrafa de Agustina, uma amizade isenta de mácula. Para Isabel Nery, uma relação de picardias mútuas. Aliás, tomando à letra o livro de Isabel Nery, o círculo de amizades de Sophia no meio literário e artístico era extremamente restrito: Torga, Sena e poucos mais. A pintora Graça Morais, que conheceu em 1988 durante uma viagem à Grécia, na comitiva presidencial de Soares, é uma excepção. O casamento com Francisco Sousa Tavares é descrito com minúcia: «A atracção pelo jogo, que abalava as frágeis finanças do casal […] as recorrentes infidelidades de Francisco e os feitios incompatíveis…» Assim, em 1986, após 40 anos de vida em comum, o casal separa-se, divorciando-se dois anos depois. Um escândalo de ilícitos cambiais, de que seria absolvido, levou Sousa Tavares à demissão de ministro da Qualidade de Vida no IX Governo Constitucional (1983-85). Sophia deu xeque-mate, ele casou com Amélia Clotilde Brugnini Garcia Lagos. Trinta páginas de notas remissivas servem de apoio à narrativa. Bibliografia não há, estando erradas algumas “referências bibliográficas” (a editora Assírio & Alvim não é do Porto). A cronologia começa antes da Revolução Francesa, mas omite o 25 de Abril, acto falhado que deixa de fora a tonitruante presença de Francisco Sousa Tavares no Largo do Carmo, onde, a pedido de Salgueiro Maia, falou à multidão. Gralha antipática, a data da substituição de Salazar por Caetano antecipa em meses o AVC do ditador. À excepção de Manuel Alegre, nenhum poeta ou escritor consta do portfolio fotográfico. A árvore genealógica começa em 1816, mas deixa os netos de fora. Também não se compreende a ausência de índice onomástico. Publicou a Esfera dos Livros.

Escrevo ainda sobre O Que Eu Ouvi na Barrica das Maçãs, de Mário de Carvalho (n. 1944), romancista e contista dos mais notáveis que surgiram depois de 1974. Agora, o autor reuniu em volume algumas das crónicas que publicou a partir de 1987, tendo o cuidado de deixar de fora as que reportam «a temas que já não são actuais». O título remete para Stevenson. São quarenta, agrupadas em quatro secções: Divagando, Intervindo, Oficiando, Rememorando. Começo pelo núcleo de memórias, Uma bandeira na varanda, retrato de Portugal nos tempos ominosos do fascismo, primeiro a prisão do pai (era o autor adolescente), depois a sua, ao tempo do serviço militar obrigatório. Texto enxuto, sem delíquios, a exactidão da ignomínia contada por quem não prescinde do direito de falar. Até por serem factos que devem ser fixados em letra de forma. Noutro registo, O povo é sábio — desconstrução da mentalidade pavloviana — e Com Pessoa não se brinca!, dão a medida de um escritor atento ao mundo. Francisco Belard assina o prefácio. Quatro estrelas. Publicou a Porto Editora.

quarta-feira, 26 de junho de 2019

A BOLHA


Como é que isto é possível se, em Portugal, a Lei proíbe pagamentos em dinheiro a partir de três mil euros ou, sem sinalizar a origem do dinheiro, depósitos a partir de cinco mil?

Clique na imagem do Público.