quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

2015

Chega hoje ao fim um ano terrível. Lá fora é a guerra, formalmente iniciada com o 11 de Setembro, porque foi em Manhattan e em Washington, e a opinião pública ocidental que tinha olhado para o lado em Agosto de 1998, quando as embaixadas americanas em Dar es Salaam e Nairobi foram reduzidas a pó num ataque simultâneo da Al-Qaeda que fez mais de duzentos mortos, a opinião pública ocidental, dizia, viu-se obrigada a perceber que há um antes e um depois de 2001. O ano que hoje termina marca também o pesadelo das populações deslocadas pela maior vaga migratória dos últimos 70 anos.

Cá dentro percebemos finalmente que, com raras excepções, as nossas elites empresariais são associações de gangsters. O único sinal positivo chegou em Outubro, com o pacto das Esquerdas. António Costa foi o homem certo no lugar certo, mas, mais importante que o seu pragmatismo, foi a descoberta de que dois terços da população perdeu o medo. Se a perseverança de Costa fosse contrária ao sentir dos portugueses, o país tinha dito não à solução parlamentarista. Ao invés, tudo se passou como e quando ele quis sem que ninguém rasgasse as vestes. A Direita foi incapaz de organizar uma nova Alameda, porque afinal não há eleitores “enganados”. Esse sinal de maturidade permite ter esperança. A ver vamos.

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

ATTICUS LISH


Hoje na Sábado escrevo sobre Preparação Para a Próxima Vida, de Atticus Lish (n. 1972). Não é todos os dias que um estreante vence o prémio PEN/Faulkner de Ficção. Foi o que sucedeu com Atticus, filho de Gordon Lish, um dos editores mais influentes de Manhattan, e fazer parte do Meio literário ajuda. Atticus teve um percurso heterodoxo: entrou e saiu de Harvard, andou “fora dos eixos”, serviu na Marinha, trabalhou como operário, esteve de relações cortadas com o pai durante doze anos (após a morte da mãe), voltou à universidade, casou com uma coreana, viveu e leccionou inglês na China, etc. Por último mas não em último, levou cinco anos a escrever Preparação Para a Próxima Vida. Garante que o fez à mão. A prosa dá notícia de uma voz singular: «Então digam-me como se diz que o céu é alto», quer saber Zou Lei, a imigrante ilegal, co-protagonista do romance. Meia dúzia de páginas chegam para intuir que vamos mergulhar numa saga de gente desapossada à mercê de todo o tipo de abusos e arbitrariedade. Em suma, a história dos que vivem nas margens. É esse o material de Atticus. Se fosse nosso contemporâneo, Dickens disputaria o mesmo território. Nenhum glamour nimba a Nova Iorque de Atticus. Tudo se passa depois do 11 de Setembro, sob o signo da Lei Patriótica e das irregular renditions (acto de fazer circular “insurgentes” entre dois ou mais países, interrogando-os sob tortura) que permitem, por exemplo, a transferência de suspeitos de terrorismo de New Haven para o Egipto ou Israel, com o à-vontade de quem muda um prisioneiro de Brooklyn para Queens. É dessa América que perdeu a alma que o livro trata. Certo didactismo sobre a China («Dentro de trinta ou quarenta anos, vamos conseguir vencer a América ou a Rússia») não belisca o plot. Um dia, Zou encontra Skinner, antigo soldado no Iraque, lá onde nada fazia sentido, por ser «o país deles», e Skinner, não sendo um deles, depressa se deteriorou. Descrita em grande angular, a guerra prescinde de ênfase. Apenas factos: desespero, atrocidades, esquadrões da morte à revelia dos códigos de conduta. Skinner sobrevive (com stress pós-traumático) a três comissões. Zou apanha por tabela. Preparação Para a Próxima Vida é um retrato do lumpemproletariado de Nova Iorque, sendo Zou e Skinner guias desse submundo onde a violência policial dita as regras. Cerca de quinhentas páginas sobre o tema podiam dar azo, noutras mãos, a um exercício fútil de propaganda ou complacência. Não é o caso. Quatro estrelas e meia.

Escrevo ainda sobre a reedição, acrescentada de inéditos, de Não Percas a Rosa..., de Natália Correia (1923-1993). Não é segredo que a autora, tendo sido perseguida pelo Estado Novo, foi uma opositora declarada da deriva esquerdista em que o país mergulhou entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975. Muito poucos a acompanharam nessa luta. Cesariny e Vergílio Ferreira foram duas excepções. Como o essencial desse “combate” se fez na imprensa, importava coligir os textos dispersos. É essa lacuna que este livro vem preencher. Dividido em duas partes, junta Não Percas a Rosa, o Diário, agora reeditado, e Ó Liberdade, brancura do relâmpago, as crónicas do PREC. Nos dois casos, apêndices com manuscritos inéditos. Retratos e fac-símiles ilustram o volume, organizado e anotado com critério por Vladimiro Nunes. Se o Diário é eloquente no tocante ao desassombro da autora, as crónicas têm o alto teor de corrosão que se espera de textos de intervenção política imediata. Os inéditos dão notícia de factos desconhecidos: golpes combinados entre Spínola e Kaúlza, o rapto de um inspector da Pide, etc. Natália nunca pediu licença para dizer o que quis. Isso a distinguia da intelligentsia bem comportada. Quatro estrelas. Editou a Ponto de Fuga.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

ALEGADAMENTE, MORREU


Alegadamente, o Centro Hospitalar do Algarve terá cumprido as normas de transferência de doentes com AVC isquémico. Alegadamente, o Hospital de São José tem uma escala de serviço patusca. Alegadamente, não havia helicóptero para levar o doente para Coimbra. Alegadamente, vivemos num país da Europa.

A imagem é do Expresso. Clique.

SNS

A propósito das mortes que têm ocorrido com doentes em trânsito pelo Hospital de São José, convém lembrar que o Serviço Nacional de Saúde assenta na Lei n.º 56/79, de 15 de Setembro, apresentada ao Parlamento pelos socialistas Mário Soares, António Arnaut (autor) e Salgado Zenha, tendo sido aprovada pelo PS, PCP, MDP-CDE, UDP e um deputado independente (ex-PS), e rejeitada pelo PSD, CDS e os 37 dissidentes do PSD que estiveram na origem da ASDI.

Não sei onde estava Marcelo Rebelo de Sousa em Junho de 1979, quando a Lei foi apresentada, discutida e aprovada. Sei apenas que o seu partido votou contra ela. A Direita, mesmo a civilizada, nunca gostou do SNS. E o Governo de Passos & Portas tudo fez para o destruir. Os episódios macabros que recentemente envolveram doentes transferidos de Santarém e de Faro para São José, são a ponta de um imenso iceberg.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

IMPORTA ESCLARECER

A morte de um doente no Hospital de São José provocou três demissões: as de Luís Cunha Ribeiro, presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo; Teresa Sustelo, presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de Lisboa Central; e Carlos Martins, presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de Lisboa Norte. As demissões fazem manchetes mas não explicam nada.

Importa esclarecer:

1. As chefias intermédias estavam de férias no estrangeiro?
2. O Hospital de Santarém desconhece que, aos fins-de-semana, o Hospital de São José (Lisboa) tem os serviços de Neurorradiologia de Intervenção suspensos desde 2013, e os de Neurocirurgia Vascular desde Abril de 2014?
3. Se não sabia, quem responde pela falta de informação?
4. Se sabia, por que razão enviou o doente para o Hospital de São José? Quem tomou a decisão? Porquê?
5. Após encontro com a tutela, Luís Cunha Ribeiro afirmou ontem, em conferência de imprensa: «Os centros hospitalares passam a conseguir tratar estes casos, independentemente da hora ou dia da semana
6. Nenhuma chefia intermédia conseguiu falar, no sábado, com Teresa Sustelo, CEO do hospital? Porquê?

Enquanto estas questões não forem esclarecidas, tudo não passa de tapar o sol com a peneira.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

DISCURSO DIRECTO, 32


Francisco Louçã, hoje no Público. Excertos, sublinhado meu:

«Ficámos este fim-de-semana pelo menos dois mil milhões de euros mais pobres, apesar de o comunicado seráfico do Banco de Portugal se ter esforçado por apresentar tudo como coisa normal. [...] Pode ainda acrescentar-se que, na realidade, a tramóia já vem de longe e que foi só por razões políticas que a questão do Banif foi escondida, nos termos de um acordo ou de uma concessão do governador do Banco de Portugal às conveniências eleitorais de Passos Coelho. [...] Na última semana, tudo piorou. Alguém lançou o boato da liquidação do bancoe desencadeou assim a corrida aos depósitos. Se não foi um comprador pretendendo tornar irreversível a pressão sobre os representantes do Estado, foi muito bem imitado. Entretanto, a crise exigiu centenas de milhões de euros de empréstimo de liquidez e o prazo para uma solução não podia ser adiado. Acresce finalmente que, por razões enigmáticas, a CMVM só no fim da semana suspendeu as acções em bolsa. Um ano de erros, uma semana de catástrofe. [...] O governador do Banco de Portugal, depois do BES e do Banif, não tira nenhuma conclusão sobre a degradação da confiança na banca, sob a sua liderança e nestes dois casos com a sua responsabilidade directa? [...]»

A imagem é do Público. Clique.

JAVIER CERCAS


Hoje na Sábado escrevo sobre O Impostor, do espanhol Javier Cercas (n. 1962), um dos nomes centrais da literatura em castelhano. Traduzido em dezenas de países, várias vezes premiado, colunista de El País, publicou no ano passado um livro inspirado na vida de Enric Marco, o presidente da Amical de Mauthausen (a associação de sobreviventes com sede em Barcelona), mas também secretário-geral da Confederação Nacional do Trabalho. O título diz tudo: O Impostor. Até ao momento de ser desmascarado, Enric, o anarco-sindicalista, construiu a biografia falsa que fazia dele um sobrevivente do campo nazi de Flossenbürg, permitindo-se publicar artigos sobre factos inventados na imprensa respeitável. Em 2005, quando o escândalo rebentou, a verdade veio à tona: a sua episódica passagem pela Alemanha tivera carácter voluntário, e nunca o regime de Franco o impediu de viver tranquilamente em solo catalão. Vem a propósito recordar que Claudio Magris e Vargas Llosa também escreveram sobre Enric Marco. O Impostor pode ser lido como a biografia de um mitómano, mas também como um livro de História, um diário em forma de thriller, ou mesmo a crónica jornalística dos «dias de fim de mundo». O autor admite ter rompido com a genologia clássica, artifício que dá azo a múltiplas abordagens da obra. Não é portanto de um romance que aqui tratamos, e não vem daí mal ao mundo. A prosa enxuta e o tema bem esgalhado tornam fútil a discussão. Não fazendo sentido ficcionar a vida de alguém que escolheu viver uma ficção, o autor cola-se à realidade. Sirva de exemplo a iconografia que ilustra o texto, em particular a lista de prisioneiros (manipulada) de Flossenbürg. Dividido em três partes, cada uma delas com secções próprias, e numeradas, O Impostor faz o relato de uma mentira. A verdade chegou tarde: «Marco nasceu num manicómio; a mãe estava louca. Ele também estará?» Javier Cercas é muito hábil na forma como constrói o patchwork dessa vida inventada. Primeiro A casca da cebola (vénia a Günter Grass), depois O romancista de si próprio e, precedendo o epílogo, O voo de Ícaro. O relato fecha com O ponto cego, texto na primeira pessoa sobre a responsabilidade do intelectual e o ofício de escrever. Fruto de investigação aturada, O Impostor não teria atingido o grau de nitidez que lhe reconhecemos se Javier Cercas não tivesse mantido longas conversas com Enric Marco e, naturalmente, com Benito Bermejo, «o historiador que revelou o embuste» e pensou escrever um livro sobre o caso. Quatro estrelas.

Escrevo ainda sobre a Prosa Escolhida de Álvaro de Campos, editada por Fernando Cabral Martins e Richard Zenith. O prefácio põe o acento tónico numa evidência: «muitos dos mais importantes textos em prosa publicados por Fernando Pessoa […] são assinados por Álvaro de Campos.» Esses textos estão aqui reunidos. A antologia abre com as “Notas para a recordação do meu Mestre Caeiro”, cerca de cinquenta páginas que auto-justificam Campos: «Quem me tira os testículos, tira-me só a possibilidade de todas as mulheres; quem me tira os olhos, tira-me a realidade do universo inteiro.» Mas também cartas, como a dirigida à revista Contemporânea, na qual discorre sobre a «imoralidade absoluta» de António Botto. E, colado ao tema (as Canções de Botto), o sibilino “Aviso por causa da moral”, no qual Campos reage, em 1923, à tranquibérnia dos estudantes fascistas que queimaram livros de Botto, Judith Teixeira e Raul Leal: «Bolas para a gente ter que aturar isto. […] Divirtam-se com mulheres, se gostam de mulheres; divirtam-se de outra maneira, se preferem outra.» Doravante, o leitor encontra num único volume um conjunto de textos (escritos entre 1915 e 1935) dispersos por várias publicações. Publicou a Assírio & Alvim. Cinco estrelas.

BEST OF 2015


Por causa do Natal, a Sábado antecipou a saída para hoje. Aqui ficam as minhas escolhas do ano, em ficção: os três melhores e a grande desilusão. Três mais um são três mais um. Não há preâmbulos para registo de... “mas também o livro de fulano que me pôs em ponto de rebuçado, etc.” Fica-se sempre sem saber o que é mais importante: se os da lista seca, se os “mas também”.

Portanto, é assim: 1. A Senda Estreita Para o Norte Profundo, de Richard Flanagan / 2. Em Movimento. Uma Vida, de Oliver Sacks, ambos publicados pela Relógio d'Água / 3. Cidade em Chamas, de Garth Risk Hallberg, publicado pela Teorema.

Flop — Um Anjo Impuro, de Henning Mankell, publicado pela Presença.

Clique na imagem para ler os textos.

GALILEU


A Galileu faz hoje 43 anos. Desde 1972, a Galileu é “a” livraria de Cascais. Durante os 22 anos em que lá vivemos, foi ponto de passagem, não direi diário, mas quase. A Caroline e o Nuno forem sempre anfitriões excelentíssimos.

Deixo aqui um excerto do meu livro de memórias:

Uma tarde em que fui com o Jorge comer gelados ao Santini (a gelataria por onde passaram várias gerações da família real espanhola), descobrimos a Livraria Galileu [...] O que nos chamou a atenção foram as mesas de livros usados colocadas no passeio, cheias de paperbacks ingleses. Os fundos de literatura portuguesa estavam na cave, sobretudo raridades em segunda mão. Rotatividade era um conceito ignorado. Livro que ficasse no andar de cima sem vender, descia, ao fim de meses, para a cave. Nunca era devolvido. Encontrei preciosidades a preços irrisórios. Nessa primeira visita chamou-me a atenção uma prateleira com autores de direita: Agustina Bessa-Luís, António Quadros, Joaquim Paço d’Arcos, Rodrigo Emílio, Pinharanda Gomes e outros. Uma temeridade no Outono de 1975. Facto é que mais depressa se vendiam os poemas de Agostinho Neto que os de Sophia. Dessa visita inaugural trouxe livros de Agustina, largamente ignorada em Moçambique. Ignorada no sentido de pouco lida. As Pessoas Felizes (1975) foi um deles. Romance fulgurante como muito poucos. Trouxe também Ana Paula (1938), de Joaquim Paço d’Arcos, não podendo deixar de recordar um episódio de 1971. [...] A Galileu era ponto de passagem de escritores e poetas que viviam ou veraneavam em Cascais, como era o caso de António Quadros, David, Assis Pacheco, Herberto e Gaspar Simões. — Um Rapaz a Arder, Quetzal, 2013...

Portanto, hoje é dia de festa. A fotografia de Maximilien Coppens foi roubada a Caroline Tyssen. Clique nela.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

CRIME, DISSE ELA

Mariana Mortágua, hoje em conferência de imprensa.

«O Governo PSD/CDS cometeu um crime contra os interesses do Estado e do país. Ao longo de três anos, o executivo de Passos e Portas ignorou sucessivos avisos da Comissão Europeia, que recusou nada menos que oito planos de reestruturação apresentados pela administração do BANIF. Já em setembro, avisado pelo auditor do BANIF da necessidade de uma intervenção imediata, o governo optou por nada fazer. Enquanto o governo da Direita, com a colaboração das instituições europeias, se preocupava unicamente em encenar a famosa saída limpa, a real situação do BANIF foi ocultada até se tornar insustentável. O governador do Banco de Portugal não tem as mínimas condições para se manter no lugar. O BE irá propor uma comissão parlamentar de inquérito à gestão e intervenção no BANIF para apurar todas as responsabilidades sobre o caso

SAÍDA LIMPA

O BANIF já é espanhol: foi vendido ao Santander Totta por 150 milhões de euros.

Ontem à noite, ao ouvir o primeiro-ministro, não pude deixar de comparar com o que se passou no primeiro domingo de Agosto de 2014, quando (eram 11 da noite) o governador do Banco de Portugal apareceu em directo na televisão a anunciar a Resolução que deu origem ao Novo Banco. Nesse domingo, o Governo de Passos Coelho aprovou, e o Presidente da República promulgou, o Decreto-Lei n.º 114-B/2014, de 4 de Agosto. Nesse domingo, com o PM e a maioria dos ministros na praia, a operação teve quatro intervenientes: o governador do BdP, o vice-primeiro-ministro, a ministra das Finanças e o PR. Únicos subscritores do diploma: Paulo Portas e Maria Luís Albuquerque. O governador do BdP fez uma arenga ininteligível que o país ouviu com incredulidade.

Ontem à noite, o primeiro-ministro fez um statement claro sobre a venda do banco madeirense — «A opção do Governo e do Banco de Portugal foi tomada tendo em conta os depositantes, os postos de trabalho, a salvaguarda económica das regiões autónomas e a sustentabilidade do sistema financeiro. A venda tem um custo muito elevado para os contribuintes, mas das opções possíveis é a melhor para defender os interesses nacionais. Protege todos os depositantes, incluindo as poupanças dos emigrantes, postos de trabalho e sistema financeiro

A operação envolve 2.255 milhões de euros: 1.766 milhões de euros directamente do OE, mais 489 milhões de euros do Fundo de Resolução. Bruxelas aprovou, mas Margrethe Vestager, comissária europeia da Concorrência, afirmou que «os bancos não podem ser mantidos artificialmente no mercado com dinheiro dos contribuintes». Hoje, um Conselho de Ministros extraordinário aprovará um Orçamento Rectificativo para enquadrar toda a operação.

Como salientou o primeiro-ministro, compete à Assembleia da República averiguar por que razão um problema identificado em Janeiro de 2013, investigado pela Comissão Europeia há mais de um ano, com todas as luzes vermelhas acesas desde Março, só foi tornado público depois da rejeição do Governo PAF.

IMBRÓGLIO


Numas eleições muito participadas (a abstenção foi apenas de 26,8%), o PP perdeu 3,6 milhões de eleitores e 63 deputados. Mesmo assim, foi o partido mais votado de Espanha, com 28,7% dos votos expressos e 123 deputados. Em segundo lugar ficou o PSOE, com 22% e 90 deputados. Em terceiro o PODEMOS, com 20,6% e 69 deputados. Em várias regiões, o PODEMOS concorreu coligado com outras forças. Não se confirmaram as projecções de que o partido de Iglesias seria a segunda força mais votada. Os socialistas obtiveram mais 400 mil votos e 21 deputados do que o PODEMOS. Em quarto o CIUDADANOS, com 13,9% e 40 deputados.

Nenhum dos dois grandes blocos chega à maioria absoluta de 176 deputados. A Direita, PP+CIUDADANOS soma 163 deputados. A Esquerda, PSOE+PODEMOS+UP soma 161. (A UP, ou Unidade Popular en Común, é a coligação da Izquierda Unida com os Verdes.) Um grande imbróglio. Clique na imagem.

domingo, 20 de dezembro de 2015

HOJE COMO VAI SER?


Em 2011, o PP de Rajoy conseguiu 10,8 milhões de votos (44,6%), que se traduziram numa maioria absoluta de 186 deputados. Por seu turno, o PSOE de Zapatero conseguiu 7 milhões de votos (28,7%), que se traduziram em 110 deputados. Mas nos últimos quatro anos muita coisa mudou. O PSOE substituiu Zapatero por Rubalcaba (até 2014), tendo agora Sánchez à frente do partido. Mas o que vai baralhar as contas é o aparecimento de dois novos partidos: o PODEMOS, de Pablo Iglesias, fundado em Janeiro de 2014, decalcando o modelo do Syriza; e o partido conservador CIUDADANOS, de Albert Rivera, fundado em Junho de 2006, em Barcelona, com perfil regional, mas que só a partir de 2014, com as eleições para o Parlamento Europeu, obteve estatuto de partido nacional. As sondagens dão os quatro praticamente empatados, porque os eleitorados tradicionais do PP e do PSOE subdividiram-se. Logo à noite veremos. Clique na imagem.

sábado, 19 de dezembro de 2015

TAP

António Costa, em Bruxelas: «Com acordo ou sem acordo, o Estado voltará a deter a maioria do capital da TAP.»

Neste momento, o Estado detém apenas 34%. A maioria (61%) pertence à Gateway, o consórcio que junta David Neeleman e Humberto Pedrosa. Os restantes 5% estão nas mãos dos trabalhadores da empresa. Lembrar que o contrato entre o Estado e a Gateway foi assinado em reunião à porta fechada, nas instalações da Parpública, às 23:30 de 12 de Novembro, ou seja, dois dias depois da queda do Governo PAF. Aconselharia o bom senso que os senhores Neeleman e Pedrosa não tivessem fechado o negócio com um Governo demitido, que só nesse dia, 12 de Novembro, estando já em gestão corrente, aprovou a minuta final do contrato. Costa quer outra estrutura accionista: Estado (51%), Gateway (44%), Trabalhadores (5%). Neeleman e Pedrosa não aceitam, o que levará ao desenlace óbvio: o Governo expropriará a empresa após aprovação, no Parlamento, de uma Lei que declare o negócio ilegal.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

CES

Uma maioria mais bizarra, constituída pelo PS, PSD, CDS e PAN, aprovou a redução para metade da Contribuição Extraordinária de Solidariedade, o imposto que incide exclusivamente sobre pensões. BE, PCP e PEV, que pretendiam a extinção da CES em todas as pensões, votaram contra. O diploma do PS mantém a CES nas pensões de valor superior a 4.611 euros (será de 7,5% em vez dos 15% actuais) e a 7.126 euros (será de 20% em vez dos 40% actuais). Afinal, Costa não teve que se demitir para ver o PSD e o CDS a votarem uma proposta sua.

A TERRA MOVE-SE

A maioria de Esquerda aprovou também:

1. A revogação das alterações introduzidas na Legislatura anterior, pelo PSD e o CDS, à Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez.

2. Os novos escalões da sobretaxa de IRS. O diploma do PCP foi chumbado, mas o PCP acompanhou o BE, o PEV e o PAN na aprovação do diploma do PS.

3. A devolução, em quatro etapas (Janeiro, Abril, Julho e Outubro), dos cortes efectuados nos vencimentos dos funcionários públicos.

CONSELHO DE ESTADO

Carlos César, Francisco Louçã e Domingos Abrantes, com 116 votos cada, mas também Pinto Balsemão e Adriano Moreira, com 104 votos cada, foram hoje eleitos representantes da Assembleia da República no Conselho de Estado. Houve cinco votos brancos e um nulo.

A entrada dos novos conselheiros determina a saída de Manuel Alegre, Marques Mendes, Alfredo Bruto da Costa e Luís Filipe Menezes. Por ter sido reeleito, Balsemão fica.

POR FIM

Com os votos do PS, BE, PCP, PEV e PAN, mas também dezassete deputados do PSD (dez homens e sete mulheres), foi hoje aprovada no Parlamento a Lei que permite a adopção plena, o apadrinhamento civil e demais relações jurídicas familiares por casais do mesmo sexo. Abstiveram-se quatro deputados do PSD, duas deputadas do CDS e um deputado do PS. Os quatro projectos de Lei aprovados em Novembro, na generalidade, tinham baixado à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias onde foram vertidos num único diploma.

DINAMARCA, 2015


Para cobrir as despesas relacionadas com a sua estadia.
A imagem, não integral, é do Público. Clique para ver melhor.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

GARTH RISK HALLBERG


Hoje na Sábado escrevo sobre Cidade em Chamas, do americano Garth Risk Hallberg (n. 1979), um estreante que conseguiu a proeza de publicar um romance de mais de mil páginas, recebendo dois milhões de dólares de “avanço” sobre direitos futuros. O livro foi lançado em todo o mundo no mês passado. Narrada na terceira pessoa, a história tem especial enfoque no curto período de seis meses que vai do fim do ano de 1976 até ao início do Verão de 1977, quando, na noite de 13 para 14 de Julho, Nova Iorque sofreu o maior apagão da sua história. Recuando até ao fim dos anos 1950, os flashbacks iluminam o contexto. O crime de Central Park é instrumental. A época em que o plot assenta é uma das mais vibrantes de Nova Iorque, quando os índices de criminalidade eram um flagelo e a “baixa” de Manhattan (sobretudo o SoHo e Greenwich Village), à boleia do diktat gay, se tornou o centro da contracultura. Anos de luz e sombra em que tudo podia acontecer e, de facto, aconteceu. Andy Warhol não teria sido possível sem essa osmose de extremos. O mérito de Hallberg é o de enquadrar tudo numa moldura clássica, com a sua escrita bem calibrada e a noção exacta do que é tradição literária, com envios, nem sempre explícitos, a ícones como Susan Sontag ou Patti Smith. Naquele tempo, Nova Iorque não era ainda a cidade bem comportada, limpa, fashionable, que se tornou nos últimos vinte anos. Era uma metrópole caótica onde a “norma” era transgredir. Truman Capote e o celebrado A Sangue Frio servem de contraponto aos comportamentos então dominantes: rock, ginásios, homossexualidade, estética punk, violência policial. De certo modo, Hallberg quis fazer a história de um sítio sob o prisma de alguém que chega de outro lado: «A Cidade reconfortava-o de uma maneira que Long Island não conseguia…», diz uma das personagens. Esse sítio onde cabiam todos, Hallberg só o descobriu no fim da adolescência. (O autor é oriundo da Carolina do Norte e radicou-se em Nova Iorque em 2006.) Porém, desde sempre soube que era um manancial para qualquer escritor. Mais tarde, o 11 de Setembro fez com que olhasse para a cidade de outra maneira. Cidade em Chamas antecipa o pesadelo, é outra coisa, é de quando ainda existiam as Torres Gémeas. Deve assinalar-se o cuidado gráfico da edição. O volume inclui gravuras em hors-texte, canções (Bowie, Reed, outros), interlúdios com lettering próprio e excertos de Walter Benjamin. A partir do livro, Scott Rudin vai fazer um filme. Cinco estrelas.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

SÓCRATES TAKE DOIS

Se dúvidas houvesse, a segunda parte da entrevista de Sócrates à TVI provou o óbvio: o antigo primeiro-ministro não tem rival à altura. Sobre a saga processual já se falou. A celeuma da vida faustosa ilustrou a mesquinharia indígena. Como é de uso dizer-se, a caterva não pode ver alguém com uma camisa lavada. Adiante. Ontem também se discutiu a situação política actual. Muito oportuno o exemplo de Robert Walpole, que o Parlamento britânico rejeitou em 1742, pondo termo a vinte anos de mandato, naquela que foi a primeira moção de rejeição da História. Walpole reconheceu que um Governo não pode governar contra o Parlamento. A questão presidencial também foi abordada: com a sua neutralidade, «o PS está a favorecer a candidatura de Marcelo». Elementar.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

O PÉ EM CIMA DA MINA

Sobre a entrevista de Sócrates, Sérgio Figueiredo, o director de informação da TVI, faz hoje no DN o making-of da operação. Conta que foi quatro vezes a casa do antigo primeiro-ministro para garantir o exclusivo. Sobre a primeira parte, transmitida ontem em directo (a segunda parte, a transmitir hoje, foi gravada), afirma:

«Esta primeira parte da entrevista de José Sócrates limitou-se a abrir mais brechas num processo demasiado mau para ser verdadeiro. Um ataque cerrado à Justiça. Viagem ao interior de uma investigação que, manifestamente, está em dificuldade para deduzir uma acusação. [...] Mas diante do embaraço do Ministério Público, nem é bom presumir o que acontecerá ao nosso sistema judicial caso se confirme o que se teme — que há um juiz, um procurador e um inspector tributário que pisaram a mina e não sabem como tirar dali o pé. [...]»

Isso. O pé em cima da mina. Quem viu a primeira parte da entrevista, ouviu Sócrates ler uma informação (constante do processo) de Paulo Silva, o inspector tributário que lhe deu ordem de prisão no aeroporto, em 21 de Novembro de 2014, ao chegar a Lisboa. Nessa informação, referindo-se à permanente violação do segredo de Justiça, o inspector tributário escreve que as fugas de informação só podem partir de três pessoas: ele mesmo, o procurador titular do processo, e o juiz de instrução. A acusação caiu em saco roto. Ninguém pode admirar-se que o antigo primeiro-ministro tenha responsabilizado directamente a Preocuradora-Geral da República pelo evoluir da situação.

Sócrates levantou outras questões, todas pertinentes. Os prazos: sabemos por acórdão da Relação que toda a investigação posterior a 15 de Março não tem sustentação legal. Que a fase do inquérito cessou a 18 de Outubro. Que passou um ano sem que tivesse sido deduzida acusação. Tudo isto é extraordinário, mas ainda mais extravagante é o que se relaciona com o grupo Lena. O antigo PM demonstrou que, durante o seu mandato (2005-11), o grupo Lena fez parte dos consórcios vencedores de 2 dos 21 concursos das PPM. Dois em vinte e um. Sempre em posição minoritária: 7% do capital num caso, 16% no outro. O MP investigou os contratos? Não. Falou com os responsáveis? Não. Os media difundem, está feito. Abracadabrante, chamou Sócrates a este tipo de procedimento.

Muito mais haveria a dizer, mas isto chega.

No debate que se seguiu à entrevista, três advogados (Magalhães e Silva, Paulo Sá e Cunha e um terceiro cujo nome não me ocorre) reconheceram os vários atropelos do processo, reconhecendo que não existem fundamentos credíveis para justificar a prisão preventiva de Sócrates.

Logo à noite há mais.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

FRANÇA 2015


Este é o mapa da França que saiu das eleições regionais. Le Pen foi derrotada, mas a Frente Nacional obteve mais meio milhão de votos do que na 1.ª volta. Tem agora 6,5 milhões de votantes, um número inquietante. Para esse resultado terá contribuído a queda da abstenção, que passou de 50,9% (no dia 6) para os 40,7% de ontem.

Os Republicanos venceram com 40,5% dos votos expressos. O partido de Sarkozy domina agora sete regiões metropolitanas (Paca, Nord Pas-de-Calais-Picardie, Grand Est, Rhône-Alpes, Pays de la Loire, Normandie, Ile-de-France) e uma ultramarina (Reunião). O Partido Socialista domina cinco: Aquitaine-Poitou-Charente-Limousin, Bretagne, Midi-Pyrénées, Bourgogne-Franche-Comté, Centre. Três regiões do Ultramar foram ganhas pelos Independentes de Esquerda: Guadalupe, Guiana e Martinica. Na Córsega venceu um partido da região.

Convém não esquecer que a derrota pessoal de Marine Le Pen (Nord-Pas-de-Calais-Picardie) e da sobrinha Marion-Maréchal Le Pen (Provence-Alpes-Côte d'Azur) fica a dever-se à desistência do PS nessas duas regiões. Hollande foi muito criticado por ter imposto as desistências, mas o resultado está à vista.

O mapa é do Libération. Clique.

sábado, 12 de dezembro de 2015

INDEX ANGOLANO


A Tinta da China já deu à estampa a tradução portuguesa do livro que levou à prisão, em Luanda, de dezassete activistas pró-democracia. Como diz a cinta, uma obra perigosa em ditaduras. Clique na imagem.

CATAVENTO?

Toda a gente se lembra: Passos Coelho não queria em Belém «um catavento mediático com opiniões erráticas». Isto não foi dito numa feira de enchidos. Consta da moção apresentada ao último Congresso do PSD. Com fair play, Marcelo assumiu publicamente que tinha registado o recado. Era o tempo em que o PSD sonhava com Rui Rio para sucessor de Cavaco. Mas Marcelo avançou e o PSD não teve outro remédio senão recomendar o voto no irrequieto professor. Sobre o tema, a entrevista que Passos Coelho dá hoje ao Público é um exercício de malabarismo digno do Portas mais irrevogável.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

PRÉMIO PESSOA


Rui Chafes, 49 anos, artista plástico, venceu o Prémio Pessoa 2015. Desde 1990, quando Menez (Maria Inês da Silva Carmona Ribeiro da Fonseca, 1926-1995) foi laureada, nenhum outro artista plástico tinha sido distinguido com o prémio. Clique na imagem.

MALGRÉ


Sondagem do Expresso divulgada ao meio-dia. Mas então os eleitores do PS não tinham ficado traumatizados com a aliança pós-eleitoral que levou Costa a primeiro-ministro? Enfim, o que interessa: Esquerda=51%. PAF=41%. Clique na imagem.

MAIS DO MESMO


Sondagem da Universidade Católica, realizada nos dias 5 e 6 de Dezembro, divulgada hoje no Diário de Notícias, JN, RTP e Antena Um. Os indecisos são 40%. Clique na imagem para ver bem os resultados.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

MÁRIO CLÁUDIO


Hoje na Sábado escrevo sobre Astronomia, a autobiografia de Mário Cláudio (n. 1941). É enorme a quota de romances biográficos, em todas as épocas e literaturas. Mais raro é que uma autobiografia assuma o protocolo do romance e como tal seja publicada. Também se pode colocar a questão ao contrário: um romance que, de forma ostensiva, decalca a biografia do autor. É o que sucede em Astronomia. Omitindo nomes, datas e locais, o autor transforma a sua vida num romance. Dividido em três núcleos, Astronomia inverte a designação dos narradores: Velho, Rapaz e Menino. O primeiro fala da remota infância (casa, rituais de família, medos); o segundo faz o inventário dos dias atribulados da idade adulta (identidade sexual, serviço militar, carreira literária); e o terceiro expõe sem rebuço as agruras da velhice. Um leitor familiarizado com a cena literária não terá dificuldade em identificar vários autores contemporâneos. Dois exemplos: Eugénio de Andrade, «príncipe dos poetas nacionais» e inspector da Segurança Social (Cláudio e Andrade foram colegas na mesma repartição); e David Mourão-Ferreira, «impropenso aos efebos pindários [porém] entusiástico cultor da frequência das cortesãs…» Há mais. Mas nem todos gozam de grau de afecto equivalente. E ainda os de subtexto, como acontece com o dramaturgo britânico Joe Orton. As citações, em verso e prosa, intercalam obras do autor com a de terceiros: os irmãos Grimm, Perrault, Carroll, Proust, Wordsworth, Rabelais, Milton, Píndaro, Camões, Sena, Blake, Álvaro de Campos e outros. Diversa iconografia pontua a passagem do tempo. Astronomia é a fala de um homem que se conta. A meninice na casa ancestral, fobias, rezas, jogos de criadas; o momento em que o rapaz encontra outro rapaz vindo dos «nevoeiros nórdicos», doravante nomeado como namorado; a deriva hippie; a guerra em África com o seu cortejo de horrores («heróis que esmagam a cabeça dos meninos no capot do Unimog…») no intervalo de orgias homossexuais; a queda da ditadura e os estrangeirados; as sessões de psicanálise em Lisboa; escatologia pessoal; a passagem por serviços sob tutela da secretaria de Estado da Cultura; manual de como sobreviver no Meio literário; o dogma dos incontornáveis (em regra autores «que ninguém lê...»), o crítico pensante fautor de pactos e cumplicidades que fazem e desfazem reputações «com rapidez apenas equiparável à da cópula dos coelhos…»; viagens, tédio, fétiches, consagração, rotinas. A escrita barroca mantém a tensão do relato bem calibrada. O sarcasmo faz o resto. Quatro estrelas.

Escrevo ainda sobre Bronco Angel, o Cow-Boy Analfabeto, de Fernando Assis Pacheco (1937-1995), aliás William Faulkinway, híbrido de Faulkner e Hemingway. Foi no jornal humorístico O Bisnau, entre Março e Outubro de 1983, que o folhetim foi publicado. Com este livrinho, a Tinta da China dá início à publicação de toda a obra do autor, notabilíssimo poeta, mas também ficcionista, crítico literário, cronista e jornalista. Bronco Angel, o Cow-Boy Analfabeto são vinte e oito sketches bem escarolados que parodiam o Portugal da primeira metade dos anos 1980. Aqui e ali, referências directas a personalidades da vida política e social: Santana Lopes, Maria João Avillez, Pinto da Costa, Nuno Abecasis, Alberto João Jardim, Helena Roseta, etc., sem esquecer «os índios Lukaspiris». A sucessão de erros ortográficos dá o tom da irrisão: «Nem a copiar pelo formulário assertas, meu çacana! Olha lá, o teu pai não te mandou ao menos aprender as vogais?» Em suma, um divertissement na melhor tradição da zombaria indígena. O volume tem edição e prefácio de Carlos Vaz Marques e ilustrações inéditas de João Fazenda. Três estrelas.

DIREITOS HUMANOS


Faz hoje 67 anos que foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, vulgarmente designada por Direitos do Homem. Portugal não votou pois só em 1955 aderiu à ONU. Votaram a favor 48 países. Abstiveram-se oito: África do Sul, Arábia Saudita, Bielorrússia, Checoslováquia, Jugoslávia, Polónia, Ucrânia e URSS. Nenhum país votou contra, mas dois (as Honduras e o Iémen) faltaram à votação.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

COMO É?

Tenho uma visão minimalista da função presidencial. Representação externa do Estado, chefia honorária das Forças Armadas e pouco mais. Um PR não deve ter programa. Tem apenas a obrigação de respeitar e fazer respeitar a Constituição. Ponto.

A revisão constitucional de 1982, a primeira das sete efectuadas até 2005, tendo retirado poderes ao Presidente da República, ainda lhe deixa a margem de manobra que justifica a eleição por sufrágio directo e universal. Exemplo corrente: poder dissolver a Assembleia da República. Todos o fizeram. Embora o Artigo 195.º admita, desde 1982 nenhum PR demitiu o primeiro-ministro, porque a Constituição é peremptória: «O Presidente da República só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado.» Não é isto que me preocupa. Um PR sensato abstém-se de tentações caudilhistas.

Por isso não gostei nada de ouvir Marcelo dizer que, sendo eleito, tenciona ouvir permanentemente os partidos, os agentes económicos e os parceiros sociais. Permanentemente. Nenhum Governo se aguenta nesse frenesi. Em Abril, quando Sampaio da Nóvoa avançou, muita gente ficou de pé atrás com o “programa” do candidato.  Daqui até 24 de Janeiro temos todos de saber com o que contamos.

COMEÇOU O CAMPEONATO


Sondagem da Aximage, realizada entre 28 de Novembro e 2 de Dezembro, publicada hoje no Correio da Manhã. Entretanto, Marcelo foi entrevistado pela SIC a 7 de Dezembro, tendo repetido várias vezes que pretende ser um Presidente hiperactivo, ouvindo permanentemente os partidos, agentes económicos e parceiros sociais. Permanentemente. Uma pessoa sensata percebe que isto é uma receita para o desastre.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

DISCURSO DIRECTO, 31


José Pacheco Pereira, no Abrupto, Aviso a tempo por causa do tempo.

«Antes que a comunicação social me torne “propriedade” de qualquer candidatura presidencial, informo que tenho já prevista a participação em debates e colóquios organizados pelas candidaturas de Sampaio da Nóvoa e Marisa Matias e tenho falado pessoalmente sobre a questão presidencial com outros candidatos. Como são conversas privadas ficam privadas. Faço-o com inteiro à vontade, visto que não me furto a discutir Portugal e os portugueses, na medida das minhas capacidades, e considero que estas eleições têm vários candidatos que as dignificam. Não é por ecletismo, a que sou avesso, nem por querer pairar acima das opções políticas concretas. Se entender vir tomar posição pública, toma-la-ei, até lá interessa-me mais a discussão e o debate público que terei o gosto de fazer, para já “ao lado” das candidaturas que me honraram com esse convite

Imagem do jornal i.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

DISCURSO DIRECTO, 30

António Costa entrevistado pelo Público. Excertos, sublinhados meus:

«Os cidadãos elegeram os deputados e este Governo é aquele que dispõe de um suporte parlamentar maioritário. Aliás, durante vários meses, ouvimos o Presidente explicitar que era necessário um Governo que tivesse um suporte parlamentar maioritário

«Por que se há-de entender que um deputado do CDS vale mais do que um deputado do BE? Isso é que era a subversão completa das regras democráticas

«A sua pergunta demonstra como a expressão reforma estrutural foi poluída ideologicamente pela direita. Portanto, só é capaz de conceber como reformas as reformas da direita. O nosso programa é muito reformista, não tem é as reformas da direita. As reformas que são necessárias não são as da direita. A direita acreditou que, baixando salários e destruindo direitos laborais, o país se tornava competitivo. A verdade é que o país andou 30 anos para trás em matéria de investimento e regrediu nos índices de competitividade. Nós temos uma agenda reformista. Em que enunciamos as reformas que é necessário fazer na área da educação, da formação, da modernização científica e tecnológica, na reforma da Administração Pública e do sistema de Justiça, nas políticas de emprego. Essas são as reformas necessárias para melhorar as políticas de emprego. O que não subscrevemos são as ilusões que a direita alimentou de que essa agenda ideológica contribuiria para melhorar a competitividade. Não contribuiu para a competitividade, para o crescimento, para defender as empresas, a única coisa para que contribuiu foi para empobrecer o país, destruir emprego e destruir empresas

«Não sei se percebeu bem o objectivo deste Governo. Não é prosseguir com outras caras a política do anterior Governo. O nosso objectivo é mudar de política, e ela passa por termos instrumentos de política distintos dos que foram empregues pelo anterior Governo

FUTUROLOGIA


O nível de confiança em António Costa parece estar em alta. Ainda bem. A sondagem é da Aximage e a imagem do Jornal de Negócios. Clique.

ACABOU O CHAVISMO?

Em contrapartida, na Venezuela, a oposição ganhou as Legislativas, obtendo 99 dos 145 lugares do Parlamento. É a primeira vez que tal contece nos últimos 16 anos. Nicolás Maduro reconheceu a derrota nestes termos: «Na Venezuela não triunfou a oposição, triunfou um plano contra-revolucionário para desmantelar o Estado social-democrático de justiça e de direitos.» A abstenção foi de 24%.

domingo, 6 de dezembro de 2015

ACONTECEU


Um dia acontecia. Foi hoje. A Frente Nacional terá obtido 30% dos votos. Veremos se, no próximo domingo, dia da segunda volta, uma aliança de republicanos (Sarkozy) e socialistas (Hollande) impede que a extrema-direita tome conta de França.

A imagem é do Expresso. Clique.

sábado, 5 de dezembro de 2015

MARÍLIA PÊRA 1943-2015


Vítima de cancro, morreu hoje Marília Pêra, actriz excelentíssima, mas também encenadora e cantora. Tinha 72 anos. Não me conformo. Filha de actores, começou a representar com cinco anos de idade. Mais número menos número, Marília entrou em cinquenta peças de teatro, quarenta novelas e trinta filmes, tendo recebido todos os prémios que havia para receber. Em 1968, durante a ditadura militar, foi presa em pleno palco, enquanto actuava na peça Roda Viva, de Chico Buarque. Mais tarde, a polícia invadiu a sua casa e prendeu-a de novo. Quem pode esquecer a prostituta Sueli, de Pixote, o filme de Hector Babenco que em 1980 fixou para sempre a estatura de Marília? Quem viu, nunca esquecerá. Passam agora dez anos sobre a representação que fez em Portugal (Lisboa, Porto e Figueira da Foz) de Mademoiselle Chanel, a peça de Maria Adelaide Amaral que Jorge Takla encenou. Deixa viúvo o quarto marido.

A foto, uma das últimas que tirou, é do Estadão. Clique.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

COFRES VAZIOS

Segundo a UTAO, Unidade Técnica de Apoio Orçamental, o Governo PAF gastou em Novembro 278,3 milhões de euros da chamada “almofada financeira” (a soma da dotação provisional e da reserva orçamental, duas verbas inscritas no OE para despesas imprevistas), que era de 945,4 milhões de euros. Entre Janeiro e Outubro gastou 351,5 milhões, e em Novembro mais 278,3 milhões. Portanto, em onze meses, o Governo PAF gastou 629,8 milhões de euros, 67% do total da “almofada financeira” que deu azo ao mito dos cofres cheios.

Para onde foi o dinheiro? Para «despesas com pessoal dos ministérios da Educação e da Justiça». Curioso é o facto de um terço da “almofada” ter sido gasto depois do chumbo do Governo na Assembleia da República.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

MIA COUTO


Hoje na Sábado escrevo sobre Mulheres de Cinza, de Mia Couto (n. 1955). Couto não é o primeiro autor a ficcionar a vida de Ngungunyane, o imperador de Gaza — a metade Sul de Moçambique — que Mouzinho de Albuquerque derrotou, prendeu e deportou em 1895. Também o fizeram Guilherme de Melo, Ungulani Ba Ka Khosa e Ana Cristina Silva. Mas Couto tem outra ambição. Mulheres de Cinza, agora publicado, é o primeiro volume de uma trilogia sobre o império dos vátuas, As Areias do Imperador, que seguirá o rasto de Ngungunyane até ao desterro e morte nos Açores. Ngungunyane e Gungunhana, nome pelo qual é conhecido em Portugal, são uma e a mesma pessoa. Uma não-presença neste primeiro volume, na medida em que surge apenas na boca de terceiros. Trata-se de contextualizar o mito, tendo Couto optado por intercalar na narrativa catorze cartas de um sargento português, de forma a balizar o pano de fundo histórico: «Todo o Sul de Moçambique era, no seu distorcido entender, uma colónia zulu, temporariamente concedida à gestão dos brancos.» A pretexto do avô de Imani, protagonista do romance, Couto traz à colação a existência dos tshipas, homens que nas minas faziam as vezes de mulher, “casando” com outros homens (não meros actos homossexuais, mas ligações duradouras). Tudo visto, Mulheres de Cinza será o preâmbulo de uma saga a haver. Três estrelas.

DILMA


Este não é um twitter qualquer. Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, aceitou o pedido e deu início à impugnação de Dilma Rousseff, com base na acusação de fraude nas contas públicas. Cunha, 42 anos, evangelista, membro do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), tem sido acusado de usar o cargo para se defender de acusações de suborno. Segundo o Estadão, ao ter conhecimento da decisão de Cunha, Dilma afirmou: C’est la vie. Eu não vou ser chantageada. Para agravar a situação, o Brasil vive a pior recessão dos últimos 80 anos, tendo o PIB caído 5% nos últimos doze meses. Clique na imagem.

EM QUE FICAMOS?


Para lá do facto de pôr eventuais compradores de pré-aviso, deixando Sérgio Monteiro numa situação equívoca, isto significa o quê? O Banco de Portugal não tem autonomia face ao ministério das Finanças? O ministro pode anular o contrato a termo feito pelo BdP com o antigo secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações?

Imagem: Económico. Clique.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

COMEÇOU

Começou hoje a discussão do programa do Governo. Retive duas garantias dadas por Costa. A reversão da concessão dos transportes públicos de Lisboa e do Porto (os contratos não foram validados pelo Tribunal de Contas e o Governo aproveita para os anular). Entretanto, foi convocado o Conselho Económico e Social, salvo erro para o próximo dia 10, a fim de discutir, entre outros assuntos, o aumento do salário mínimo.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

DISCURSO DIRECTO, 29

Ferreira Fernandes, no Diário de Notícias. Sublinhados meus:

«Não sei datar (procurando, encontro: lei 20/2013, de 21 de fevereiro, mas só o escrevo para os adeptos de ninharias) o que permite filmar o interrogatório dum arguido, nem me apetece saber o que arguido significa, mas sei o que é um homem ou uma mulher. Eu não sei se havendo “registo audiovisual”, seja lá isso o que for, vai “constar dos autos”, e com isso só fico sabendo, pela linguagem de ranhosos, que vai acabar mal. Mas mesmo sabendo prossigo. Eu não sei se a divulgação de tais “registos” está proibida “nos termos do...” Marimbo-me para os termos, o artigo e o código, tão frouxos são eles. Não sei também o que são “intervenientes processuais”, mas já deu para ver que vai desembocar em “assistentes” (lá está, eu sabia!), que, isso sei, são homens, mulheres e badalhocos. Falemos deste terço de trampa. Não sei quando se decide ser badalhoco, mas sei que quem o aceita ser pode consultar o processo e, pedindo, fica com a cópia do já referido registo audiovisual. Então, o badalhoco faz passar numa televisão a imagem e as palavras dum homem que está a ser interrogado. Os gestos, a voz e os olhares, o que em tribunal um juiz de bem não autoriza ser filmado (só em casos raros, e na sentença) pode, agora, passar em prime time, por causa da trafulhice de linguagem que atrás refiro. Custo da badalhoquice: uma multa. O que não vale nada para os ladrões de alma. Ao cidadão Miguel Macedo peço desculpa pela parte que me cabe por ser português

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

NÓS ELEGEMOS DEPUTADOS

Lars Løkke Rasmussen, o primeiro-ministro da Dinamarca, é líder do partido que ficou em terceiro lugar nas últimas Legislativas. Já tinha ocupado o cargo entre 2009 e 2011. Há seis meses voltou (o processo levou dez dias), apesar de o Venstre ter obtido apenas 19% dos votos, ficando em terceiro lugar. Nada disto é novidade. O que é sintomático do estado da nossa imprensa é que seja preciso ler um jornal online, da Direita pura e dura, o Observador, para termos a noção de como esta situação é natural numa democracia avançada. O texto de João de Almeida Dias devia ser distribuído aos deputados PAF e a vários colunistas encartados. Talvez os ajudasse a dizer menos disparates. E a perceber melhor as sucessivas falências, pré-falências, reestruturações e despedimentos nos media tradicionais.

domingo, 29 de novembro de 2015

OE 2016

Já toda a gente percebeu que vai valer tudo para baralhar a opinião pública relativamente ao OE 2016. À boleia do DN, que fez manchete, a TVI, pela boca da ínclita Judite, garantia ontem que o OE 2016 apenas será entregue ao próximo Presidente da República. Nas suas palavras estava implícito que essa possibilidade decorria de uma estratégia de confronto de Costa com Cavaco.

Enfim, os prazos são o que são, mas o primeiro-ministro e o ministro das Finanças já fizeram saber que tencionam entregar o documento na Assembleia da República no mais curto espaço de tempo, sem esgotar os 90 dias da praxe.

Lembrar apenas que, se isso acontecer (o OE ser promulgado por outro Presidente), não será caso inédito. Guterres tomou posse a 28 de Outubro de 1995, com Soares em Belém, mas o OE 1996 só foi aprovado pela AR em 15 de Março de 1996, tendo sido promulgado já por Sampaio.

Não vale portanto a pena agitar fantasmas.

sábado, 28 de novembro de 2015

O SILÊNCIO DOS INTELECTUAIS


Esta foto do Monde, publicada hoje a abrir o suplemento Culture & Idées, prova que a França, mesmo decadente, não abdica de pensar. O silêncio dos intelectuais portugueses face ao que se passou a partir de 4 de Outubro diz tudo do país que somos. Não me refiro a colunistas com tribuna fixa na imprensa ou lugar cativo nos canais bem-pensantes, nem, por maioria de razão, a comentadores avençados. Falo de intelectuais tout court, gente com obra feita na literatura, nas artes plásticas, na filosofia, no teatro, no cinema, na música, etc. Silêncio total. Nenhuma televisão se lembrou de juntar num debate um punhado de nomes “fortes” (exemplos avulsos: Eduardo Lourenço, Maria Velho da Costa, Helena Almeida, Pedro Cabrita Reis, António Braz Teixeira, José Gil, Jorge Silva Melo, São José Lapa, Pedro Costa, Teresa Villaverde, Mário Vieira de Carvalho, Olga Roriz) para lhes perguntar o que pensam do evoluir da situação, que não é uma situação qualquer, ao arrepio de “convenções” que Costa rasurou sem pedir licença a ninguém. Os jornais podiam e deviam ter feito o mesmo. Tentaram e toda a gente recusou? Era interessante saber o que pensa a nossa intelligentsia sobre uma série de questões com as quais os portugueses se viram confrontados pela primeira vez. Ninguém lhes pede que estejam de acordo. Até podem dizer, e alguns dizem em privado, que o que faz falta é um Maurras da pós-modernidade. O silêncio é deveras ensurdecedor.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

A POSSE


António Costa tornou-se ontem primeiro-ministro. E já hoje deu entrada na Assembleia da República o programa do XXI Governo Constitucional, que será discutido nos próximos dias 1 e 2 de Dezembro.

Podemos olhar para a cerimónia da tomada de posse de várias formas. Mas ninguém esquecerá a acrimónia de Cavaco Silva. O discurso do Presidente da República fica registado como acto falhado (no sentido psicanalítico do termo), por contraponto com o de António Costa, que é todo um programa (no sentido lato da palavra). A excelência da equipa governamental, não sendo por si só garantia de sucesso, demonstra que nada foi deixado ao acaso.

Sem sectarismo e sem complexos, Costa conseguiu mobilizar os melhores. Não o fez em meia dúzia de dias, porque nenhum dos homens e mulheres que integram o Governo estava no desemprego. Alguns até nem estavam em Portugal. Vários tiveram de suspender carreiras de prestígio em diversas áreas. Muitos tiveram de trocar o Norte por Lisboa. Entre a incredulidade e a emoção, o país assistiu à tomada de posse de uma ministra negra (Francisca Van Dunem), de uma secretária de Estado cega (Ana Sofia Antunes) e de um secretário de Estado de origem cigana (Carlos Miguel). Uma lição de cidadania.

Como escrevi noutro lado, podemos estar a assistir à inauguração de uma nova República.

ARTIGO 195

Os media desunham-se a sublinhar as ameaças de Cavaco. Sobre uma eventual demissão do Governo, lembrar aos apressados articulistas o que diz a Constituição da República:

Artigo 195.º — Demissão do Governo — «[...] 2. «O Presidente da República só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado

DISCURSO DIRECTO, 28

Fernanda Câncio, no Diário de Notícias. Excerto, sublinhado meu:

«Só quem ache normal que nunca tivesse existido em Portugal um ministro negro não se terá emocionado ao ver ontem Francisca van Dunem tomar posse. [...] Daí que ontem me tenha surpreendido a comoção com que vi Van Dunem, com quem nunca na vida falei, a avançar, de forma que me pareceu particularmente altiva (imperial, apetece dizer), para a declaração e a assinatura. Tive a noção de estar a assistir a um momento histórico — quase tão importante, à nossa dimensão, como o foi a eleição de Obama nos EUA. E creio que também Van Dunem o sentiu - assim interpretei a maneira como, de olhos levantados, recitou a frase ritual. [...]»

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

XXI GOVERNO CONSTITUCIONAL


A posse está marcada para as quatro da tarde no Palácio da Ajuda. Neste organograma não estão incluídos os 38 secretários de Estado que não têm ligação hierárquica directa com a Presidência do Conselho de Ministros. Clique na imagem para ver melhor.

GENEALOGIA

Quem afinal tutelou a Cultura nos Governos constitucionais?

Aqui fica a lista — David Mourão-Ferreira (SEC), António Reis (SEC), Teresa Santa Clara Gomes (SEC), David Mourão-Ferreira (SEC), Hélder Macedo (SEC), Vasco Pulido Valente (SEC), Francisco Lucas Pires (ministro) e António Gomes de Pinho (SEC), António Coimbra Martins (ministro), Teresa Patrício Gouveia (SEC), António Braz Teixeira (SEC), Pedro Santana Lopes (SEC) e Maria José Nogueira Pinto (sub-SEC), António Sousa Lara (sub-SEC), Manuel Frexes (sub-SEC), Manuel Maria Carrilho (ministro) e Rui Vieira Nery (SEC), Catarina Vaz Pinto (SEC), José Sasportes (ministro), Augusto Santos Silva (ministro) e José Conde Rodrigues (SEC), Pedro Roseta (ministro) e Teresa Caeiro (SEC), Maria João Bustorff (ministra), Isabel Pires de Lima (ministra) e Mário Vieira de Carvalho (SEC), José António Pinto Ribeiro (ministro) e Paula Santos (SEC), Gabriela Canavilhas (ministra) e Elísio Summavielle (SEC), Francisco José Viegas (SEC), Jorge Barreto Xavier (SEC).

A partir de hoje, João Soares (ministro) e Isabel Botelho Leal (SEC) assumem a pasta. Como demonstrado, há de tudo. David Mourão-Ferreira ocupou duas vezes o cargo: no I e no IV Governo Constitucional. No terceiro Governo de Cavaco Silva (1991-95), a Cultura foi apenas subsecretaria de Estado.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

JOÃO SOARES


Em reacção ao destempero das redes sociais assim que foi conhecida a indigitação de João Soares para ministro da Cultura do futuro Governo, destempero que traduz a decepção das claques dos vários “candidatos” ao lugar, publiquei ontem no Facebook o texto que a seguir republico. Não conheço João Soares a não ser de o ver na televisão, e raramente estou de acordo com as suas posições, mas li vários dos livros que a Perspectivas & Realidades publicou, e acompanhei o percurso na Câmara de Lisboa, primeiro como vereador da Cultura (cinco anos), depois como Presidente (sete anos). Isso basta.

Uma mistura de ignorância, má-fé e ressabiamento fez com que muita gente escrevesse disparates. Hoje, até um jornal tido como de referência se permite inquirir, na primeira página, sobre os conhecimentos de João Soares. Vamos então explicar como se tivessem todos dois anitos.

Aqui vai:

Vai por aí um grande alarido com a nomeação de João Soares para ministro da Cultura. Eu não gosto de ministros (ou secretários) da Cultura. Não descobri isso hoje. Quem lê o meu blogue sabe que escrevo sobre o assunto há mais de dez anos. Entendo que num Estado democrático a Cultura não tem que ser dirigida. Devia haver dois grandes Institutos, com autonomia financeira e política, um virado para as Artes, outro para o Património. Ponto.

Isto dito, uma vez que os costumes são o que são, não percebo o espanto com João Soares, que é editor desde 1975, tendo publicado Orwell, Cesariny, Raul Brandão, etc. Não ficou por aí. Por exemplo, quando foi (1990-1995) vereador da Cultura da CML, criou a Videoteca de Lisboa, a Casa Fernando Pessoa, o Arquivo Fotográfico Municipal e o Teatro-Estúdio Mário Viegas. Além de, convém lembrar, ter criado as condições para que Lisboa fosse, em 1994, a Capital Europeia da Cultura. Mais tarde, enquanto Presidente da Câmara de Lisboa (1995-2002), a Cultura esteve sempre no centro dos seus interesses. As pessoas esquecem-se com facilidade.

Adenda: pelos vistos não estou sozinho. Ana Bacalhau, António Mega Ferreira, Diogo Infante, Francisco José Viegas, Inês de Medeiros, Isabel Pires de Lima, Joana Vasconcelos e Paulo Branco (entre outros), também elogiam a escolha de João Soares.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

POR FIM


António Costa foi hoje indigitado primeiro-ministro.

Excerto da Nota da Presidência — «[...] O Presidente da República tomou devida nota da resposta do Secretário-Geral do Partido Socialista às dúvidas suscitadas pelos documentos subscritos com o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista Português e o Partido Ecologista “Os Verdes” quanto à estabilidade e durabilidade de um governo minoritário do Partido Socialista, no horizonte temporal da legislatura. Assim, o Presidente da República decidiu, ouvidos os partidos políticos com representação parlamentar, indicar o Dr. António Costa para Primeiro-Ministro

Detalhe de foto de Enric Vives-Rubio para o Público. Clique.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

TRANQUIBÉRNIA

António Costa foi recebido pelo Presidente da República ao fim da manhã. Minutos depois de terminar a audiência, a Presidência publicou um caderno de encargos. Seis exigências, dizem os media.

Vamos por partes. Costa foi a Belém quatro vezes desde as eleições de 4 de Outubro. Quanto se sabe (e ele confirmou), deu garantias de poder chefiar um Governo do PS com apoio parlamentar do BE, PCP e PEV. No dia da queda do Governo PAF, assinou no Parlamento acordos bilaterais com esses partidos. Nas audiências de sexta-feira passada, temos de admitir que PS, BE, PCP e PEV reiteraram a viabilização de um Governo PS com apoio maioritário. Aparentemente, o PR desvaloriza essas consultas. Ao exigir, hoje, garantias que foram dadas por escrito no passado dia 10, está a dizer ao país que isso não serve de nada. Então se não serve, amanhe-se.

Tudo não passa de encenação para os media poderem dizer que Costa governará com rédea curta? É provável. Mas do mesmo modo que não gostei das admoestações públicas (em 2004) de Sampaio a Santana Lopes, e escrevi sobre isso na altura, também não gosto agora. Uma reunião entre um Chefe de Estado e um hipotético primeiro-ministro é de natureza privada. A nota da Presidência é inadmissível.

Costa não devia entrar no jogo. Depois de falar com o BE, o PCP e o PEV, chamava os media ao Rato para dizer ao país, num curto statement, que as seis exigências do PR constam do programa do Partido Socialista, bem como do programa do Governo que se propõe liderar. Tudo isto até meio da tarde. As eleições foram há 50 dias e o Governo foi rejeitado há 13 pelo Parlamento. É tempo de acabar com a tranquibérnia.

FANTOCHADA

Passaram 50 dias desde as eleições e 13 desde que o Governo foi rejeitado pelo Parlamento. Mas o Presidente da República não se coibiu de ir passar dois dias à Madeira. Pelo meio, ouviu as confederações patronais e empresariais, as centrais sindicais, os banqueiros, o governador do Banco de Portugal, um grupo de sete economistas declaradamente opositores de um Governo PS e, por último, porque a Constituição a tal o obriga, os partidos com representação parlamentar.

Comentários para quê?

ATÉ QUANDO?


Pelo terceiro dia consecutivo, a capital belga permanece em alerta máximo e praticamente paralisada, com ruas bloqueadas, o metropolitano encerrado, várias carreiras de autocarros canceladas, museus fechados, etc. Na sequência da operação anti-terrorista iniciada ontem às 7 da tarde, foram efectuadas 16 prisões, mas Salah Abdeslam continua a monte.

Síntese do Libération — «Bruxelles vit lundi sa troisième journée d’alerte antiterroriste maximale. La ville sera de nouveau quasiment paralysée: métro, écoles, crèches, universités et grandes écoles seront fermés dans la région bruxelloise (1,2 million d’habitants). Du jamais vu dans le royaume

A imagem é do Libération. Clique.

sábado, 21 de novembro de 2015

ADOPTAR


Em Portugal, centenas de homossexuais e lésbicas são pais adoptivos. Não começou ontem. Conheço casos com mais de vinte anos. Estou a falar de lésbicas e homossexuais assumidos, solteiros, divorciados, ou vivendo em união de facto com pessoas do mesmo sexo. Adoptaram crianças, mas fizeram-no a título individual porque a Lei assim o exige. Nenhuma dessas pessoas finge ser heterossexual. Algumas são figuras públicas. Há gente da Cultura, dos negócios, da investigação científica, das profissões liberais, dos media, do funcionalismo público, de famílias com pedigree, do ensino, da política, da indústria, da magistratura, da moda, etc. Pelo meio até há católicos. A todos a Lei exigiu candidatura em nome próprio.

Os que de facto vivem com uma pessoa do mesmo sexo nunca esconderam a relação. Os técnicos do Estado que acompanham os processos nunca ignoraram nem fingiram ignorar a realidade. Na maioria dos casos, porque o/a adoptante se fez acompanhar do cônjuge. Noutros, porque as revistas cor-de-rosa largamente publicitaram os factos. Sirva de exemplo o actor Diogo Infante, casado com um homem, que não fez segredo do facto de ter adoptado (em 2011) uma criança. A entrevista que deu ao Expresso em Abril de 2012 é um modelo de clareza. As restrições legais visam exclusivamente os casais. Como se um casal fosse uma entidade demoníaca.

O primeiro passo para acabar com o nonsense foi dado ontem no Parlamento, onde uma maioria de 141 deputados do PS, BE, PCP, PEV, PAN, mas também um grupo de 19 deputados do PSD, aprovaram quatro projectos de Lei que vão agora baixar à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para serem vertidos num único diploma. A imagem ao alto, do Diário de Notícias, serve para ilustrar o óbvio: Portugal não descobriu a roda.

TRAPAÇA

Durante o Estado Novo era comum ouvir dizer que ele não sabia. Ele era Salazar. O que ele não saberia era dos excessos da PIDE. Podia lá ser, um homem temente a Deus avalizar tais desmandos. O mantra voltou: «Devolução zero apanha Passos de surpresa.» Nunca passaria pela sua cabeça que a prometida devolução da sobretaxa de IRS fosse uma trapaça. Num país normal, a descoberta levaria à sua imediata demissão. Felizmente, a Assembleia da República antecipou-se.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

PRESIDENCIAIS


Sondagem do Expresso divulgada há pouco. Clique na imagem.

DISCURSO DIRECTO, 27

Nuno Saraiva, editorial do Diário de Notícias. Excerto, sublinhados meus:

«A uma semana das eleições de 4 de outubro, a então maioria absoluta PSD-CDS gabava-se de competência fiscal e prometia o eldorado aos incautos contribuintes com a devolução, em 2016, de 35% da sobretaxa de IRS cobrada ao longo de 2015. [...] Agora, já com o governo derrubado no Parlamento, chocamos de frente com a realidade e percebemos que afinal nada do que foi cobrado extraordinariamente em 2015 será reembolsado no próximo ano. [...] O que Pedro Passos Coelho, Paulo Portas e Maria Luís Albuquerque fizeram chama-se manipulação de dados fiscais com o objetivo único de criar uma falsa ilusão nos eleitores de que o dinheiro que adiantaram ao Estado por via da sobretaxa lhes seria devolvido, pelo menos em parte. O que se prova, mais uma vez, é que o Pedro Passos Coelho de 2015 é igual ao de 2011, isto é, uma coisa é o que se diz em campanha outra diferente é a que se faz depois de conquistados os votos. Isto sim, é fraude eleitoral. Isto sim, é deplorável e não pode passar sem a mais veemente censura