Hoje na Sábado escrevo sobre Mulheres de Cinza, de Mia Couto (n. 1955). Couto não é o primeiro autor a ficcionar a vida de Ngungunyane, o imperador de Gaza — a metade Sul de Moçambique — que Mouzinho de Albuquerque derrotou, prendeu e deportou em 1895. Também o fizeram Guilherme de Melo, Ungulani Ba Ka Khosa e Ana Cristina Silva. Mas Couto tem outra ambição. Mulheres de Cinza, agora publicado, é o primeiro volume de uma trilogia sobre o império dos vátuas, As Areias do Imperador, que seguirá o rasto de Ngungunyane até ao desterro e morte nos Açores. Ngungunyane e Gungunhana, nome pelo qual é conhecido em Portugal, são uma e a mesma pessoa. Uma não-presença neste primeiro volume, na medida em que surge apenas na boca de terceiros. Trata-se de contextualizar o mito, tendo Couto optado por intercalar na narrativa catorze cartas de um sargento português, de forma a balizar o pano de fundo histórico: «Todo o Sul de Moçambique era, no seu distorcido entender, uma colónia zulu, temporariamente concedida à gestão dos brancos.» A pretexto do avô de Imani, protagonista do romance, Couto traz à colação a existência dos tshipas, homens que nas minas faziam as vezes de mulher, “casando” com outros homens (não meros actos homossexuais, mas ligações duradouras). Tudo visto, Mulheres de Cinza será o preâmbulo de uma saga a haver. Três estrelas.