Hoje na Sábado escrevo sobre o romance mais recente de Richard Zimler (n. 1956), O Evangelho segundo Lázaro. O livro parece uma provocação. Face ao título, um leitor que tenha ouvido falar da Bíblia sem nunca a ter folheado julga estar perante a versão ficcionada de um dos livros históricos da sagrada Escritura. Isso não acontece. Zimler escreve sobre a ressurreição de Lázaro, ocorrida quatro dias após a sua morte. O episódio vem narrado no Evangelho segundo João, e apenas nesse, porquanto os de Mateus, Marcos e Lucas fazem silêncio sobre o controverso milagre. (O Lázaro citado no Evangelho de Lucas é outro.) Este Lázaro que narra o romance de Zimler é aquele a quem o apóstolo João se refere como Lázaro Zebedeu, o de Betânia, alvo de atenção de artistas de várias épocas, sendo Rembrandt e Van Gogh os mais conhecidos. Sabemos que João rompeu as balizas dos Evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas), dilatando de um para três anos o tempo da narrativa. Zimler faz mais, pois preenche as lacunas que João omite. Dito de outro modo: ao jeito de um thriller, explica as circunstâncias da ressurreição de Lázaro. Estamos no domínio da ficção pura, como de regra num romance. Verdade que Zimler parte dos estudos hermenêuticos que a figura do “discípulo amado” (Lázaro) tem suscitado até aos nossos dias. Faz isso de forma envolvente, como demonstrado no texto dirigido ao bem-amado: «Quero que saibas isto […] se alguma vez te sentires receoso ao cair da noite, enrolar-me-ei por trás de ti e abraçar-te-ei no lugar onde se esconde o trovão, tal como sempre fiz.» Amigos desde crianças, a ligação de Jesus a Lázaro teria sido um dos detonadores da conjura que levou à crucificação. Em matéria tão sensível como a de recriar o quarto Evangelho, Zimler calibra bem o plot, indiferente à querela académica que tem rodeado a figura de Lázaro. A fechar, o volume dispõe de um útil glossário de termos hebraicos. O autor optou por grafar os nomes próprios na «versão habitual ao tempo da colonização romana da Terra Santa e não nas versões modernas», embora Lázaro, o narrador, seja designado de duas formas: Eliezer, o nome hebraico, e Lazarus, o equivalente grego. Quatro estrelas. Publicou a Porto Editora.
Escrevo ainda sobre Crepúsculo em Itália, de D.H. Lawrence (1885-1930). A posteridade fixou o seu nome como autor de O Amante de Lady Chatterley, o romance de 1928 que só em 1960 seria publicado no Reino Unido. Mas Lawrence, homofóbico apesar do Bloomsbury, romancista, poeta e ensaísta, também escreveu livros de viagens. Crepúsculo em Itália foi o primeiro. A recente tradução portuguesa inclui o prefácio de Jan Morris, que o classifica como «reportagem metafísica». Lawrence era então um principiante, facto que não belisca a qualidade da obra. «Concebido como uma série de ensaios» (Morris), relata a viagem que fez com Frieda von Richthofen, sua amante, em vésperas da Primeira Guerra Mundial. O leitor interessado na Itália deve começar pela página 51. O que fica para trás é um texto (eivado de teologia bávara) premonitório do conflito a haver. O pavor do campo e a descrição do lumpemproletariado traduzem bem a proverbial rudeza: «Estes operários italianos trabalham o dia inteiro […] no seio da desintegração, como larvas no queijo apodrecido. […] A recordação do vale do Ticino é para mim uma espécie de pesadelo.» Ou seja, um balde de água fria na tradição arcádica. Quatro estrelas. Publicou a Tinta da China.