Hoje na Sábado escrevo sobre Obra Poética de Ruy Cinatti (1915-1986). A sua publicação é um acontecimento. Acaba de sair o primeiro volume, organizado e anotado por Luis Manuel Gaspar, com prefácio de Joana Matos Frias e cronologia de Peter Stilwell. Nas suas 1.407 páginas em papel bíblia, colige todos os livros de poesia que o autor publicou em vida. Em próximo volume será publicada a obra póstuma. Cinatti foi sempre um outsider da cena literária nacional. Nascido em Londres, homem de formação científica (agronomia e antropologia), católico-pagão, oxbridge, arredio aos círculos que controlaram a vida cultural portuguesa entre os anos 1940 e 1980, radicado em Timor por longos períodos, não-marxista, viajante permanente, o seu perfil nunca encaixou no padrão dominante. Sirva de exemplo um título como Nós Não Somos Deste Mundo (1941). Salvo Gaspar Simões, Sena, Joaquim Manuel Magalhães e Fernando Pinto do Amaral, a intelligentsia assobiou sempre para o lado. O presente volume resgata o autor do silêncio a que foi votado, em grande parte pelo seu sentido de estranhamento: «Vulnerável, sim, até ao ponto / de ter provado, entre mãos e enigmas, / mas sem confronto, / frutos ácidos. […]» O volume inclui uma tábua de notas e variantes. Cinco estrelas. Publicou a Assírio & Alvim.