Esta semana escrevo na Sábado sobre Um Otimista na América, de Italo Calvino (1923-1985), o italiano que nasceu em Cuba, lutou na Resistência italiana contra os nazis e viveu treze anos em Paris. Nome central da Literatura do século XX, autor de romances e ensaios, Calvino também escreveu este diário da primeira viagem que fez aos Estados Unidos, entre Novembro de 1959 e Maio de 1960, a convite da Fundação Ford, depois de abandonar o Partido Comunista Italiano em Agosto de 1957. Em 1961, já com provas revistas, desistiu de publicar o livro, «demasiado modesto como obra literária e não suficientemente original como reportagem jornalística», confissão feita a Luca Baranelli, de certo modo contrariando a sua própria premissa: «Os livros de viagens são uma maneira útil, modesta e no entanto completa de fazer literatura.» Seria preciso esperar por 2014 para que Um Otimista na América visse a luz do dia. Calvino não foi o primeiro, nem terá sido o último intelectual marxista a deixar-se fascinar pelos Estados Unidos, melhor dito, a América. Em 1948, já Simone de Beauvoir publicara o magnífico L’Amérique au Jour le Jour, relato da sua estadia de quatro meses no ano anterior. Mas há uma diferença de tom: enquanto a Beauvoir, que visitou o país praticamente em cima do fim da guerra, usa um arsenal de reticências, Calvino não disfarça o fascínio pelo “milagre” americano. Nada lhe escapa: costumes, arquitectura, o Village pós-Henry James, volatilidade do quotidiano, hábitos e tiques do meio literário (viajou na dupla qualidade de escritor e consultor literário da editora Einaudi), colégios privados, psicanálise, a obsessão com o agendamento de qualquer compromisso, dress code e códigos de classe, imigrantes italianos, ensino da literatura, cultura da negritude, o Mardi Gras, a intolerância do segregacionismo, o Sul profundo, sexo e automóveis, vida nocturna, Las Vegas, imprensa, peculiaridades das mulheres, hotéis (item que também seduziu a Beauvoir), os vinhos do Vale de Sonoma, Chicago vs Nova Iorque, ditadura da publicidade, o porquê da Broadway “entortar” a partir da Rua 10, etc., em suma, um minucioso tour d’horizon sobre a sociedade americana. Seria pleonástico acrescentar que tudo flui em prosa excelentíssima. Cinco estrelas. Publicou a Dom Quixote.