domingo, 30 de dezembro de 2018

MALWARE EM GATWICK?

E se os drones de Gatwick nunca tivessem existido?

E se a paralização de 36 horas consecutivas (entre a noite de 19 de Dezembro e a manhã do dia 21), mais uma hora extra na tarde da reabertura, afectando mais de mil voos e cerca de 200 mil passageiros, tivesse sido consequência de um ataque de malware?

A polícia britânica mantém-se evasiva. O casal preso no dia 22 foi libertado com pedido oficial de desculpas e indemnização. Passaram nove dias e o Governo de Sua Majestade nada esclarece. Os rumores avolumam-se.

Os ataques de malware são formas de terrorismo como quaisquer outras. Ainda nenhum ciberataque tinha sido tão espectacular como o da Coreia do Norte à Sony, em Dezembro de 2014, mas tem havido outros.

Ainda ontem, todos os jornais do grupo Tribune Publishing (costa oeste dos Estados Unidos) ficaram impedidos de circular devido a um ataque de malware.

Como dizia o outro, no creo en brujas, pero que las hay, las hay.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

AMOS OZ 1939-2018


Vítima de cancro, morreu hoje Amos Oz, o escritor israelita que se opunha à política expansionista do seu país, o defensor convicto do direito dos palestinianos a um Estado independente, uma voz incómoda para Tel Aviv: «Se não houver aqui dois estados, e rapidamente, haverá apenas um. (E será árabe.)» Romancista, contista, ensaísta, professor de literatura na Universidade Ben-Gurion, em Beersheba, tem a obra (vinte romances, onze colectâneas de ensaios e três de contos) publicada em mais de cinquenta países, incluindo Portugal, onde estão traduzidos os seus livros mais conhecidos. Em data, o mais recente é Caros Fanáticos, uma colectânea de três ensaios centrados no fanatismo universal, de que o islâmico é parte. Tinha 79 anos.

ADSE


O Observador publicou ontem um estudo muito detalhado sobre a ADSE, da autoria de Mário Amorim Lopes, professor da Universidade do Porto e da Católica Porto Business School. Trata-se de um trabalho sério, com início na criação (em 1963) deste subsistema de saúde dos funcionários públicos, anterior ao SNS, explicado até à actualidade.

Por exemplo: em 2016, a ADSE atingiu um pico de 336 milhões de euros de saldo positivo, «tendo plenamente consolidado o autofinanciamento... depende apenas das contribuições dos seus beneficiários...», que todos os meses descontam 3,5% do seu vencimento bruto, subsídios de férias e Natal incluídos.

Em 2016, a ADSE tinha 1.269.267 beneficiários, dos quais 848.665 são titulares no activo (41%) ou aposentados (27%), sendo os restantes 420.602 descendentes menores e cônjuges sem rendimentos.

É importante que estas coisas sejam esclarecidas para acabar de vez com a ideia de benesse.

Conclusão: «A ADSE é hoje financeiramente independente. Logo, é um subsistema de saúde pago pelos seus beneficiários e não pelos contribuintes. Os restantes argumentos para a sua extinção são de cariz ideológico.» O trabalho é complementado com meia dúzia de gráficos, um dos quais aqui se reproduz.

Clique na imagem.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

BEST OF 2018


Em cima do fim do ano, o meu Best Of 2018. Cinco livros:

A MENTE APRISIONADA / Czeslaw Milosz / Cavalo de Ferro

Poeta notabilíssimo, o polaco Czeslaw Milosz publicou em 1953 um libelo contra o totalitarismo: A Mente Aprisionada. A tradução portuguesa chegou em 2018. Os marxistas não gostaram, os anticomunistas torceram o nariz. Milosz sofreu o ónus de ter razão antes de tempo, mas o futuro corroborou esta obra-prima.

MULHERES LIVRES HOMENS LIVRES / Camille Paglia / Quetzal

Cada novo livro de Camille Paglia é uma provocação. Nessa medida, Mulheres Livres Homens Livres não constitui excepção. Compilação de ensaios (alguns oriundos de outras obras suas) sobre sexo, género, arte e feminismo, apoiados numa vasta erudição e no total desprezo pela mentalidade dominante. Imprescindível.

MRS. OSMOND / John Banville / Relógio d’Água

Se a ficção jamesiana é um paradigma de excelência, John Banville chegou lá. Num exercício arriscado, Mrs. Osmond prolonga Retrato de Uma Senhora, o clássico de 1881. James fez a transição do romance vitoriano para o modernismo, e Banville, dialogando de igual para igual, faz com brilho o caminho de volta.

O MUNDO GAY DE ANTÓNIO BOTTO / Anna M. Klobucka / Documenta

Ler Botto sob enfoque queer foi o que fez Anna M. Klobucka com O Mundo Gay de António Botto. Estudo inédito de um poeta que, nos anos 1920, impôs em língua portuguesa a poesia de índole homossexual, mergulha na biografia do autor, sem esquecer celeumas, o patrocínio de Pessoa, o exílio no Brasil e os delírios de uma personalidade errática.

PÁTRIA / Fernando Aramburu / Dom Quixote

O terrorismo associado ao independentismo basco ilustra um dos períodos negros da História de Espanha. No mais recente dos seus romances, Pátria, o espanhol Fernando Aramburu expõe de forma crua a vaga de assassinatos perpetrados pela esquerda abertzale. Isento de ênfase, o livro vai fundo no escalpe da realidade.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

RUI MARTINIANO 1954-2018


Vítima de aneurisma, morreu anteontem Rui Martiniano, o editor que, na qualidade de poeta, assinava Rui André Delídia.

Martiniano abandonou a actividade bancária para fundar a Hiena, editora marginal porém muito exigente, que tem no seu catálogo dois livros de Fernando Assis Pacheco, sendo um deles a primeira reunião da poesia completa do autor, uma colectânea de traduções feitas por Herberto Helder, além de livros de Raul Leal, António José Forte, Adília Lopes, Oscar Wilde, Djuna Barnes, Boris Vian, Marguerite Duras, Saint-John Perse, Marina Tsvétaïeva, Walter Benjamin, Thomas Bernhard, Mandelstam, Beckett, Nietzsche, Joyce, Hofmannsthal, Rilke, Céline, Rimbaud, Baudelaire, Genet, Lorca, Artaud, Nerval, Kafka, Mallarmé, Bataille, Michaux, Tzara, Pound e dezenas de outros.

Em 1991, com o título Arte Inútil, publicou a sua própria poesia reunida (escrevi sobre o livro no n.º 135-36 da revista Colóquio-Letras). Nos últimos anos dedicou-se à actividade de alfarrabista, na Rua Anchieta, ao Chiado. Tinha 64 anos.

Imagem de Edgar Pêra, roubada a Diogo Vaz Pinto. Clique.

domingo, 23 de dezembro de 2018

INDONÉSIA


Cerca de 250 mortos, 843 feridos graves e centenas de habitações destruídas, número que inclui uma dezena de hotéis, é o balanço provisório do tsunami que esta madrugada abalou a região costeira de Pandeglang, na província de Banten (Java), a duzentos quilómetros de Jacarta.

Clique na imagem de El País.

sábado, 22 de dezembro de 2018

COLETES & REDES

O mito das redes sociais como factor de mobilização de massas ficou demonstrado ontem com o flop dos gilets indígenas. As redes sociais criam ilusões. Ponto.

Não vale a pena invocar a manifestação de 15 de Setembro de 2012 contra o anunciado (mas abortado) redesenho da TSU, que punha os trabalhadores a descontar mais 7% do salário bruto e os patrões a pagar menos 5,75% por cada um.

O 15 de Setembro foi o que foi porque os aparelhos do PS, do PCP, do BE, da CGTP e da UGT fizeram o trabalho de casa (com muita eficácia e ainda maior discrição), os bispos tomaram posição, e Manuela Ferreira Leite foi à televisão dizer que também ia à manifestação. Tão simples como isto. Até Cavaco, nas suas memórias póstumas, confessa ter considerado a medida um erro.

Não foram os blogues, nem o Facebook, nem o Twitter, nem o WhatsApp, nem o Instagram que mobilizaram as pessoas. As redes deram visibilidade à indignação. As pessoas mobilizaram-se porque estavam indignadas com o delírio de Passos, Gaspar & Portas.

Hoje temos uma sucessão de indignações tribais. Tumulto nacional é outra coisa.

OS MELHORES?

Os best of valem o que valem. Cada um tem direito às suas agendas, quotas, epifanias, tesões, ódios de estimação, embirrações, amizades, subserviências, cumplicidades, dependências, clubites e obrigações. Nada contra. Sempre foi assim. Aqui e em toda a parte.

Continua a fazer-me confusão que a lista principal seja antecedida de outra com títulos que, alegadamente, não podem ser ignorados. Mas a pecha é antiga. Não vá o Diabo tecê-las, há que acautelar o sistema de relações públicas.

Este ano temos uma novidade: livros de 2017 na lista dos melhores de 2018 (conferir no Expresso). E por que não 2016 ou 2015? Ou mesmo 1973, ano da fundação do jornal?

A inclusão, nos livros do ano, de reedições de livros publicados em Portugal há vinte ou trinta anos, é outro lugar-comum. Mas isso releva de simples ignorância.

GENERAL


Regina Mateus, 52 anos, médica-cirurgiã, foi ontem promovida a general. É a primeira vez que, em Portugal, uma mulher atinge o topo das Forças Armadas. Natural de Lourenço Marques (Maputo), ocupava actualmente o cargo de directora do Hospital das Forças Armadas. No âmbito da NATO, participou em operações em Espanha, na Grécia e na Turquia.

FINALMENTE

Um homem e uma mulher foram presos a noite passada, acusados de serem os responsáveis pela operação dos drones que paralisaram o aeroporto de Gatwick durante 36 horas consecutivas.

O sistema israelita Drone Drone, que interfere nas comunicações entre o drone e o seu operador, permitiu acelerar a actuação da polícia britânica.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

ACABOU?


Após 36 horas de caos, que afectou cerca de 200 mil passageiros e deu origem ao cancelamento de quase dois mil voos, Gatwick reabriu esta manhã. Mesmo assim, mantêm-se cancelados mais de cem voos, e a Ryanair transferiu a sua operação para Stansted.

Apoiada pelo exército (e, presumo, pelos serviços de intelligence), a polícia britânica ainda não identificou nem localizou o responsável, ou responsáveis, pela intromissão dos drones. Isto dá que pensar.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

GATWICK ENCERRADO


Gatwick, um dos cinco aeroportos de Londres, está encerrado há mais de catorze horas devido à presença de drones. As autoridades estão a tentar localizar os respectivos operadores. A ministra dos Transportes, baronesa Elizabeth Sugg, fará uma comunicação às 11:35 desta manhã. A comunicação da ministra faz recear o pior, ou seja, a eventual origem terrorista dos drones.

Entretanto, milhares de passageiros estão a ser desviados do aeroporto. Desde as 21 horas de ontem, e até ao momento, foram cancelados 760 voos (e dezenas de outros desviados para outros aeroportos), afectando mais de cem mil passageiros. Helicópteros da polícia continuam a sobrevoar o perímetro do aeroporto.

Clique na imagem do Guardian.

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

TIRO PELA CULATRA

Mr Corbyn, o impagável líder trabalhista, julgou que era Houdini. Infelizmente, nem para ilusionista serve. O que fez o chefe da Oposição britânica? Em vez de apresentar uma moção de censura ao Governo, que se resume a uma frase-padrão [Esta Casa não tem confiança no Governo de Sua Majestade] e tem de ser votada num prazo máximo de 24 horas, apresentou uma moção de censura à primeira-ministra, procedimento inexistente e, nessa medida, para arquivar.

Se tivesse apresentado uma moção de censura ao Governo, teria do seu lado os deputados unionistas irlandeses (DUP), os deputados escoceses (SNP), os deputados liberais democratas (LD) e, provavelmente, alguns tories adversários de Theresa May. Com a sua originalidade, ficou a falar sozinho. Às 9 da noite de ontem, a moção estava no lixo.

O acordo UE-UK que estabelece as bases para o Brexit será votado a 14 de Janeiro, como decidiu a primeira-ministra.

REPÚBLICA DE JUÍZES?

A procuradora-geral da República ameaça demitir-se se for aprovado o projecto-lei do PSD que altera a composição do Conselho Superior do Ministério Público. O primeiro-ministro deve lembrar à PGR que a porta da rua é a serventia da casa. Rui Rio tem inteira razão quando diz que a ameaça pública da PGR é uma intromissão descarada do poder judicial no poder legislativo. Muito mal andará o PS se não aprovar a proposta de alteração do Conselho Superior do Ministério Público.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

DICKENS ESTÁ DE VOLTA


Primeiro foi o relatório da ONU, publicado o mês passado.

Síntese: «Com as suas políticas de austeridade, punitivas, mesquinhas e muitas vezes insensíveis, o Governo do Reino Unido infligiu grande miséria à população. Embora o Reino Unido seja a quinta maior economia do mundo, os níveis de pobreza infantil não são apenas uma desgraça, mas uma calamidade social e um desastre económico. Cerca de 14 milhões de pessoas, um quinto da população, vivem na pobreza, e um milhão e meio são indigentes, incapazes de arcar com despesas básicas, como alojamento, alimentação e vestuário. É patentemente injusto e contrário aos valores britânicos que tantas pessoas vivam na pobreza. As políticas do Governo conservador em relação aos pobres não foram impulsionadas pela economia, mas por um compromisso em alcançar uma reengenharia social radical

Philip Alston, o relator, cita dados do Instituto de Estudos Fiscais e da Fundação Joseph Rowntree.

Agora foi o inquérito da NUT (National Union of Teachers), dirigido a mais de mil professores britânicos do ensino básico.

Síntese: «Há cada vez mais alunos a passar fome, sem calçado [‘sapatos presos com fita adesiva’] e roupa adequada para o Inverno. O Governo vive alheado da realidade angustiante da vida quotidiana

Clique na imagem do Guardian.

domingo, 16 de dezembro de 2018

TELEFONE GRIPADO?

Um helicóptero do INEM, com destino a Macedo de Cavaleiros, despenhou-se ontem perto de Valongo, cerca das 18:30, aparentemente por ter colidido com uma antena. Morreram quatro pessoas: o piloto João Lima, o co-piloto Luís Rosindo, o médico Luís Vega e a enfermeira Daniela Silva.

A NAV, entidade que gere o tráfego aéreo nacional, perdeu o contacto com o aparelho às 18:25, altura em que tentou contactar os CDOS (Comandos Distritais de Operações de Socorro) do Porto, Braga e Vila Real. «Após contacto com o CDOS de Coimbra, que reencaminhou a chamada para o Porto, é que se conseguiu contactar o CDOS do Porto.» Mas, até prova em contrário, os CDOS de Braga e Vila Real «não atenderam».

Às 19:40 foi avisada a Força Aérea. As buscas tiveram início às 20:15. Através de geolocalização, o SIRESP encontrou (após triangular os telemóveis dos ocupantes) o aparelho despenhado. O resto já se sabe.

Falta esclarecer os intervalos de tempo e o silêncio dos telefones dos CDOS de Braga e Vila Real.

BÉLGICA


Cerca de seis mil manifestantes de extrema-direita, grande parte deles flamengos, adversários do Pacto Global para as migrações, destruíram tudo à sua passagem até à sede da Comissão Europeia, em Bruxelas, onde lançaram petardos. Não querem imigrantes na Bélgica, ponto.

A polícia fez vista grossa, aparecendo praticamente no fim dos distúrbios, com um canhão de água e gás lacrimogéneo.

Clique na imagem do Le Soir.

sábado, 15 de dezembro de 2018

CASA OU CANNABIS?

A Lei de Bases da Habitação — o projecto de lei 843/XIII, de Helena Roseta (PS) — esteve em discussão pública entre 15 de Maio e 31 de Julho, mas, ao fim de mais de quatro meses, continua a aguardar debate e votação em Plenário.

Sobre habitação, o único diploma consequente que o Parlamento aprovou foi a Lei n.º 30/2018, de 16 de Julho, que estabelece o regime extraordinário e transitório para protecção de pessoas idosas ou com deficiência. Ou seja: suspende, até 31 de Março de 2019, os despejos de pessoas com 65 ou mais anos de idade (ou portadoras de deficiência) que residam na mesma habitação há 15 ou mais anos. Diploma transitório, destinado a pôr um travão na disneylandização dos centros históricos de Lisboa e do Porto. Daqui a catorze semanas volta tudo à estaca zero.

A Lei n.º 64/2018, de 29 de Outubro, que garante o exercício do direito de preferência pelos arrendatários, é muito bonita, mas serve para quê?

As alterações fiscais em matéria de arrendamento, uma iniciativa do PSD, foram aprovadas esta semana porque o PS se absteve. Portanto, sem Lei de Bases da Habitação, nada feito.

Vendo bem, importante mesmo é legalizar o consumo de cannabis para fins recreativos, como ainda ontem propôs o Bloco de Esquerda.

Estas coisas acontecem porque o nosso descaso permite que aconteçam. E depois ficamos admirados com o triunfo dos Bolsonaros.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

SALÁRIO MÍNIMO ESPANHOL

Sánchez tirou um coelho da cartola e anuncia que vai aprovar, no próximo dia 21, a subida do salário mínimo de 735 para 900 euros. Um aumento de 22%. Nunca tal havia acontecido em Espanha desde 1977.

Sucede que esse aumento vai ser aprovado em conselho de ministros, ou seja, por decreto-lei.

Qual é o problema? Por falta de maioria nas Cortes e no Senado, o primeiro-ministro espanhol viu-se obrigado a adiar para Janeiro a discussão e aprovação dos Presupuestos Generales del Estado (o Orçamento). O truque do dec-lei funciona até à votação... Mas o que acontecerá a seguir (além das inevitáveis eleições antecipadas) se não conseguir aprovar o Orçamento para 2019?

PRÉMIO PESSOA


Miguel Araújo, 49 anos, geógrafo, especialista em biodiversidade, investigador do Museu Nacional de Ciências Naturais de Madrid e do CSIC (Consejo Superior de Investigaciones Científicas), professor visitante do Imperial College de Londres e das universidades de Évora e Copenhaga, é o vencedor do Prémio Pessoa 2018.

De acordo com o ranking americano Highly Cited Researchers 2018, figura entre os quinze investigadores mais citados (em publicações científicas) do mundo.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

DEANA BARROQUEIRO


Hoje na Sábado escrevo sobre Contos Eróticos do Velho Testamento, de Deana Barroqueiro (n. 1945), autora de romances históricos, que agora coligiu num único volume os 21 contos que escreveu a partir da Bíblia. Embora o erotismo seja moderado, a selecção faz jus ao título. Discurso directo: «Partindo dos estereótipos do Antigo Testamento, tive a pretensão de escrever uma saga histórica […] das mulheres da Antiguidade…» Trata-se portanto de fixar uma genealogia da mulher pré-emancipada. Numa linguagem escorreita, a autora compõe a narrativa de submissão, abuso, adultério e incesto de mulheres subjugadas à autoridade e aos caprichos dos seus amos, homens que foram príncipes, guerreiros, irmãos e pais, casos de, entre outros, Abraão, Booz, David, Amnon, Holofernes, Jacob e Sansão. Quem, tendo lido os textos sagrados, não reconhece Sarai, Abisag, Raquel, Betsabé, Thamar, Rute, Judite, Rebeca, Tirsa, Dalila e tantas mais? Algumas foram amadas, outras simplesmente humilhadas ou violentadas. Se outra coisa não fossem, os contos de Deana Barroqueiro servem de resgate da subalternidade de género em que todas viveram. Maria Teresa Horta assina o prefácio. Três estrelas. Publicou a Planeta.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

ENTRECAMPOS


Realizou-se hoje, finalmente, a hasta pública dos terrenos de Entrecampos onde funcionou a antiga Feira Popular, mais uma parcela em frente ao ISCTE. Por junto, mais de 25 hectares.

Postos a leilão por 188 milhões de euros, foram todos comprados pela Fidelidade Property Europe por 274 milhões de euros: 238,5 milhões o da antiga Feira e 35,5 milhões a parcela da Avenida Álvaro Pais.

Deste modo, a Câmara encaixou mais 86 milhões que o previsto. Mas, como fez notar Fernando Medina, «o município vai encaixar mais de 300 milhões de euros com esta venda, dado que é preciso ter em conta impostos e taxas que serão pagos posteriormente.» Agora, mãos à obra, que o projecto vale a pena.

Obra: construção de 979 fogos, sendo 259 para venda livre e 720 para arrendamento controlado; parking público para 800 viaturas; comércio, escritórios, creche, centro de dia e lar de cuidados continuados. O estudo do terreno é de Ana Costa e Souto Moura. Na imagem, o projecto aprovado.

COMITÉ DA DESCONFIANÇA


Foi atingido e ultrapassado ontem à noite o limite de 48 cartas enviadas por deputados conservadores a partir do qual Theresa May tem de ser submetida a um voto de desconfiança. Esse limite é de 15% dos deputados conservadores em funções.

Sir Graham Brady, presidente do Comité de 1922, emitiu o comunicado que vemos na imagem.

O início do debate e consequente votação está previsto para hoje às 20h. Se a primeira-ministra britânica cair, a lista de putativos sucessores são, por ordem de probabilidade, Boris Johnson (ex-MNE), Sajid Javid, Jeremy Hunt, Penny Mordaunt, Amber Rudd, Dominic Raab e Michael Gove. Sublinhar que Mr Javid, Mrs Mordaunt e Mr Gove são apoiantes de May.

Até ao momento, mais de cem deputados conservadores expressaram no Twitter o seu apoio à primeira-ministra.

Clique na imagem.

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

IMPASSE


Theresa May está neste momento reunida em Haia com o primeiro-ministro holandês, e logo à noite estará com Jean-Claude Juncker em Bruxelas. Amanhã vai a Berlim.

Ontem, a primeira-ministra britânica cancelou a votação, agendada para hoje, do protocolo de saída da UE. Na melhor das hipóteses, essa votação ocorrerá em meados de Janeiro.

Corbyn ficou com as calças na mão, mas nem assim o líder trabalhista dá um passo em frente para apresentar a moção de desconfiança que muitos dos seus correligionários (mas também os liberais) exigem. Entretanto, Juncker, o presidente da Comissão Europeia, foi claro: «Não há espaço para renegociação [...] o acordo não será reaberto

Por este andar, o Brexit será efectuado sem acordo, o que é mau para todas as partes.

Clique na imagem.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

MACRON MICRON

Macron tirou um coelho da cartola. Face à onda de protestos, promete aumentar já em Janeiro o salário mínimo nacional, que corresponde actualmente a 1.498 euros brutos (cerca de 1.140 líquidos), pago nos doze meses do ano, sem subsídios adicionais. Viver em França com 1.140 euros no bolso é mais complicado do que viver em Portugal com 600.

O prometido aumento de 100 euros mensais será pago pelo Estado. Ou seja, os patrões ficam imunes à medida, que será suportada por todos os contribuintes. Isto não vai acabar bem. Por outro lado, Macron promete diminuir a carga fiscal das pensões de valor inferior a dois mil euros.

Sábado, os Gilets fazem o Acte V de la révolution citoyenne.

sábado, 8 de dezembro de 2018

LA DOUCE FRANCE


Com 90 mil polícias mobilizados em toda a França, carros blindados em várias avenidas de Paris, o Exército de prevenção, museus encerrados, monumentos vedados ao público, espectáculos e jogos de futebol cancelados, comércio encerrado, etc., os Gilets Jaunes ficaram com rédea curta.

Mas fizeram divulgar um manifesto. Síntese:

— Uma nova Constituição, redigida pelo povo.
— FREXIT (sair da UE e da zona euro).
— Saída imediata da NATO.
— Regresso imediato a França de militares destacados.
— Fim imediato ao saque da África francófona.
— Fim imediato do fluxo migratório.
— Aumento imediato do salário mínimo: 40%.
— Aumento imediato das pensões: 40%.
— Aumento imediato das prestações sociais: 40%.
— Alteração total do sistema fiscal.
— Tecto máximo de impostos sobre salários: 25%.
— Reforma total do ensino.
— Contratações em massa no sector empresarial do Estado.
— Contratações em massa nas escolas e hospitais públicos.
— Revogação imediata de todas as privatizações.
— Fim da obsolescência planejada nos produtos industriais.
— Quadruplicar o orçamento do poder judicial.
— Proibição imediata de lobbies.
— Proibição imediata de alimentos geneticamente modificados
— Proibição imediata de pesticidas carcinogénicos.
— Fim imediato de monopólios.

Clique na imagem.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

PERGUNTAR NÃO OFENDE

Onde estiveram, entre 2011 e 2015, as classes profissionais que agora parecem ter tantas razões para fazer greve?

ALEMANHA


O congresso da CDU decide hoje quem vai suceder a Angela Merkel como líder do partido. Há três candidatos, mas só dois contam.

Annegret Kramp-Karrenbauer, 56 anos, citada sempre como AKK, delfina de Merkel, secretária-geral da CDU, várias vezes ministra, antigo membro do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, foi chefe do governo do Sarre (2011-18) e, enquando deputada, votou contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Friedrich Merz, 63 anos, advogado e juiz, actualmente consultor financeiro, foi deputado, líder parlamentar da CDU e eurodeputado, mas em 2002 afastou-se da política para trabalhar na alta-finança.

Se ganhar AKK, não estará em causa (até 2021) a continuidade de Merkel como Chanceler. Se ganhar Merz, as eleições gerais serão provavelmente antecipadas.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

JONATHAN FRANZEN


Hoje na Sábado escrevo sobre O Fim do Fim da Terra, a nova e muito estimulante colectânea de ensaios de Jonathan Franzen (n. 1959). Pássaros, aquecimento global e vida literária são três dos vários assuntos abordados. O primeiro dos dezasseis textos aqui reunidos diz respeito à natureza actual do ensaio: micronarrativas publicadas nas redes sociais, domínio do EU nos media de referência, «testemunho introvertido na primeira pessoa» (os livros de Rachel Cusk e Karl Ove Knausgard), idiossincrasias dos críticos literários, etc. Uma das conclusões: «E a ficção literária, por sua vez, aproxima-se cada vez mais do ensaio.» Noutro registo, um ensaio sobre o 11 de Setembro é do melhor que se tem escrito acerca da tragédia. Edith Wharton merece páginas de grande empatia, numa close reading que ‘obriga’ o leitor a reler a obra da autora, em especial A Casa da Alegria. África, onde turistas ricos vão experenciar ilusões («criar memórias») em resorts protegidos de doença e miséria, suscita reflexões pertinentes. Sherry Turkle, a guru do MIT, serve de pretexto para introduzir o tema das novas tecnologias. Francamente bom. Cinco estrelas. Publicou a Dom Quixote.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

A SELVA

Com base na análise de 141 aeroportos internacionais espalhados pelo mundo, foi publicado o ranking da AirHelp.

Muito resumidamente:

Os três melhores são o Hamad (Qatar), o Elefthérios Venizélos (Atenas) e o Haneda (Tóquio). Principais critérios: pontualidade, asseio, conforto, quantidade e qualidade das instalações sanitárias, competência e urbanidade do staff, áreas de amenidades.

Pelos mesmos critérios, entre os vinte piores, encontram-se os dois principais aeroportos de Paris (Charles de Gaulle e Orly), os dois aeroportos de Estocolmo (Arlanda e Bromma), dois dos quatro aeroportos de Londres (Gatwick e Stansted), o principal aeroporto de Berlim (Schönefeld), o principal aeroporto de Moscovo (Domodedovo) e o Genève-Cointrin (Genebra). Mas o lixo inclui Bordéus, Lyon, Edimburgo, Manchester, Cracóvia, etc. Lisboa escapou.

Denominador comum: nenhum dos piores tem assentos para mais de 50% dos passageiros.

ANDALUZIA


Com 28% dos votos e 33 deputados, o PSOE foi o partido mais votado na Andaluzia, mas a comunidade autónoma vai ser governada pela Direita e extrema-direita: PP (21%), Ciudadanos (18%) e VOX (11%), o partido de extrema-direita liderado por Santiago Abascal, conseguiram, juntos, eleger 59 deputados, ou seja, mais quatro do que a maioria absoluta. Em regime democrático, é a primeira vez que um partido de extrema-direita entra num parlamento espanhol.

A Esquerda (PSOE+PODEMOS+AA) ficou em minoria: 50 deputados. Mas uma aliança do PSOE com o PP, exactamente 59 deputados, impediria o acesso de VOX ao governo andaluz. Isso não acontecerá. O PP prefere aliar-se aos extremistas de Abascal, que conseguiram eleger deputados em Sevilha, Cádiz, Málaga, Córdova, Granada, Huelva, Jaén e Almería.

Na Andaluzia, ontem, foram 400 mil a eleger doze deputados de VOX. Quantos serão em eleições nacionais?

Clique no gráfico de El País.

domingo, 2 de dezembro de 2018

NATÁLIA


Por razões que não vêm ao caso, reli hoje a parte do diário de Natália Correia (1923-1993) que reporta ao período entre 1974 e 75. Compreendo cada vez melhor por que razão esta mulher, que foi poeta, dramaturga, romancista, contista, ensaísta, historiadora da Literatura, cronista, memorialista, editora e deputada (minimizo o facto de ter sido proprietária do Botequim, o bar que agitava as noites boémias da intelligentsia), provoca tantos anticorpos na Academia. Vendo bem, personalidade e Obra rompem as balizas de assepsia da vida cultural portuguesa.

Como disse Jorge de Sena, Natália foi alguém que «soube transformar o escândalo numa espécie de terror sagrado do provincianismo embevecido...» Juntando a tudo isto o facto de ter casado quatro vezes, e de ter sido considerada, durante duas décadas, a mulher mais bela de Lisboa, temos a chave do descaso.

sábado, 1 de dezembro de 2018

PARIS A FERRO E FOGO



Tenho estado a acompanhar a tranquibérnia francesa através da France 24. Imagens terríveis, sobretudo as de Paris, onde estão a ser incendiadas milhares de viaturas particulares, erguidas barricadas, vandalizadas lojas de luxo, cafés, restaurantes e agências bancárias. Macron parece vir a caminho da cimeira do G20, porque, diz ele, não gosta de violência. Entretanto, Édouard Philippe, o primeiro-ministro, cancelou a ida à Polónia onde participaria na cimeira do clima. Para a próxima madrugada está prevista uma reunião do gabinete de crise. Já toda a gente percebeu que chegámos ao turning point.

Os gilets jaunes queixam-se do custo de vida e da carga fiscal. É muito provável que tenham razão. Voltamos a falar quando Marine Le Pen correr com Macron do Eliseu. Será mais rápido do que gostaríamos. Vai acontecer, não por mérito seu (dela), mas porque Macron e a sua clique criaram todas as condições para que assim fosse.

Clique na imagem.

FUNDAÇÃO MÁRIO SOARES


Confirmam-se os piores prognósticos: com o orçamento reduzido de forma drástica, a Fundação Mário Soares arrisca-se a ficar reduzida à biblioteca e arquivo pessoal do fundador do PS e antigo Presidente da República.

Arquivos importantes, como os de Afonso Costa, Bernardino Machado, Bento de Jesus Caraça, Amílcar Cabral, o testamento de Buíça (o regicida), etc., serão provavelmente transferidos para a Torre do Tombo. Embora grande parte do acervo esteja digitalizado, esse trabalho encontra-se por concluir.

Depois da morte de Soares, o conjunto dos subsídios privados caiu para metade e, nalguns casos, para menos de 10% (a Fundação EDP passou de 75 mil para 7 mil euros). Acabou a edição de livros, a organização de conferências e exposições, bem como a classificação e arquivo de espólios de natureza histórica.

Ao contrário de Eanes, Sampaio e Cavaco, que, no fim dos respectivos mandatos, instalaram os seus gabinetes em instalações preparadas para o efeito (Eanes no andar de um prédio de apartamentos da Avenida 5 de Outubro; Sampaio na Casa do Regalo, um palacete mandado construir por Dom Carlos, situado no topo da Tapada das Necessidades, que teve de ser completamente restaurado, sofrendo obras profundas, incluindo o jardim envolvente; Cavaco numa ala do Convento do Sacramento, em Alcântara, adaptada para o efeito), Soares optou por instalar o gabinete na sua Fundação.

Se acontecer o pior, é uma parte da nossa História que fica (se ficar) com acesso dificultado a historiadores, investigadores, jornalistas e estudantes. Trágico.

Na imagem, um dos átrios da Fundação Mário Soares. Clique.

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

OE 2019 APROVADO


Com os votos do PS, BE, PCP, PEV e PAN, o OE 2019 foi aprovado hoje em votação final global. É o quarto Orçamento de Estado aprovado pela maioria de Esquerda, sem nunca ter havido necessidade de orçamentos rectificativos (como aconteceu com todos os orçamentos de Passos & Portas). No discurso de encerramento, o primeiro-ministro anunciou que Portugal vai liquidar, até ao fim de Dezembro, o empréstimo do FMI.

Clique na imagem do Público.

LARGO JOSÉ SARAMAGO


O Campo das Cebolas vai passar a designar-se Largo José Saramago. O PSD e o CDS votaram contra, tendo os sociais-democratas alegado que a decisão configura «um substancial desrespeito à história da cidade». Para quem não sabe, o Campo das Cebolas ocupa toda a área compreendida entre a Rua dos Bacalhoeiros e a Rua Infante Dom Henrique, sendo atravessado pela Rua da Alfândega.

Fernando Medina lembrou que a designação ‘Campo das Cebolas’ nunca esteve registada na toponímia da cidade. No local, encontra-se a Fundação José Saramago, que desde 2012 ocupa a Casa dos Bicos, uma extensão do Museu da Cidade.

Clique na imagem.

VITORINO NEMÉSIO


Hoje na Sábado escrevo sobre Poesia 1916-1940, o primeiro volume da obra completa de Vitorino Nemésio (1901-1978), poeta, ficcionista, dramaturgo, ensaísta, memorialista e cronista. Em boa hora a Imprensa Nacional, em parceria com a Companhia das Ilhas, decidiu reeditar a Obra. A este volume seguir-se-ão outros três de poesia, mais três de ficção e teatro, quatro de ensaio, e ainda seis de diário e crónicas. O presente volume, da responsabilidade de Luiz Fagundes Duarte, colige a poesia da juvenília — ou seja, a que foi publicada antes de 1935 —, acrescentando-lhe dois livros centrais à maturidade do autor: O Bicho Harmonioso (1938) e Eu, Comovido a Oeste (1940). Inclui também o prefácio escrito por Nemésio quando pela primeira vez organizou a sua poesia ‘completa’. Leitor de português na Universidade de Montpellier, foi ali que Nemésio deu à estampa La voyelle promise (1935), mas, passados 83 anos, não faz sentido continuar a publicar o livro em francês: as edições bilingues servem para preservar o texto original. Seria pleonástico insistir na importância da poesia nemesiana: «Mas então isto que é? Que violino engoli? / Que frauta rude aveludou a minha noite?» Uma voz de oiro. Cinco estrelas. Publicou a Imprensa Nacional em parceria com a Companhia das Ilhas.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

MARIALVISMO

Com os votos do PCP, PEV, PSD, CDS e 43 deputados do PS (incluindo o presidente do grupo parlamentar), o Parlamento aprovou a descida do IVA para as touradas, chumbando a proposta do Governo para o OE2019.

O BE, 40 deputados do PS e o deputado do PAN, votaram contra.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

IDIOTIA, BIRRAS & CHUVA DOURADA


Convém ler para perceber a natureza do homem. É pior do que se avalia à distância, mas nem todas as percepções, deste lado do Atlântico, são correctas. Há outro lado curioso: um livro destes, com este tipo de informação sobre assuntos de Estado, seria possível em Portugal?

Por exemplo, aqui ou em qualquer outro país europeu, seria possível publicar um livro sobre Chefes de Estado ou de Governo, em funções, com cenas de natureza sexual explícita?

Bob Woodward cita o episódio escabroso, transcrito de um relatório da CIA, sobre cenas de chuva dourada... na suíte presidencial do Ritz Carlton de Moscovo, com prostitutas contratadas para o efeito. Episódio gravado e filmado pelo FSB (ex-KGB) da Rússia. Quem viu House of Cards não fica surpreendido. Mas isto não é uma série de ficção. Estamos a falar de um livro de História em tempo real, escrito pelo jornalista mais respeitado da América.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

BERNARDO BERTOLUCCI 1941-2018


Agora que Bertolucci nos deixou, talvez não fosse má ideia a RTP transmitir um ciclo de filmes seus, começando com o extraordinário Novecento, que entre nós se chamou 1900. Como muito gente estará lembrada, o filme, devido à sua duração, era exibido em duas partes, de 160 minutos cada, a primeira no São Jorge, e a segunda no Mundial, que já não existe (era na Rua Martens Ferrão, em Picoas, junto ao palácio Sotto Mayor). Nunca mais se fez um filme como Novecento, hoje mais do que nunca importante, porque ajuda a explicar os últimos cem anos.

Mas também me apetecia rever O Conformista, A estratégia da aranha, La Luna, A tragédia de um homem ridículo, Os sonhadores. Bertolucci é um mestre de interditos, sem as transgressões operáticas de Visconti, os álibis intelectuais de Antonioni, ou a cenografia do excesso que fez a imagem de marca de Fellini, e talvez por isso, até por ter construído a obra no início do ocaso do cinema europeu, não gozou da idolatria votada a este trio de conterrâneos.

Vá, não custa nada, e não é preciso ir buscar o filme que deu novos usos à margarina, nem o outro que lhe valeu um óscar.

METRO & DESINVESTIMENTO


O desinvestimento do Estado no SNS, em obras públicas, transportes e comunicações, verificado entre 2011 e 2015, por opção de Passos, Portas, Gaspar e Maria Luís, reflecte-se agora no nosso dia-a-dia. Salvam-se as autoestradas, geridas, felizmente, por parcerias público-privadas.

O que se passou esta manhã na linha verde do Metro de Lisboa (carruagens cheias de fumo), o que passa há oito meses consecutivos com os comboios da REFER, as falhas notórias do Serviço Nacional de Saúde, etc., são consequência imediata desse desinvestimento.

Sobre o Metro, em particular, convém lembrar o estado em que se encontram as estações de Arroios e do Areeiro. A primeira está encerrada desde Julho de 2017, prevendo-se a reabertura para Novembro de 2019. A segunda tem metade do cais encerrado: embora concluído, o prolongamento feito entre 2008 e 2014 nunca foi aberto. Ao fim de dez anos de obras, os utentes continuam a ter de sair pelo lado Sul, porque o lado Norte, com acesso directo à estação de comboios, mantém-se encerrado. A Câmara lava as mãos.

Não chega ter posto travão no desinvestimento. O Governo tem mesmo de intervir a fundo nessas áreas. O SNS e os transportes públicos são mais importantes que as reivindicações salariais dos sectores profissionais do costume.

Na imagem, uma das entradas da estação do Intendente, esta manhã. Clique.

domingo, 25 de novembro de 2018

25 DE NOVEMBRO


Faz hoje 43 anos Portugal esteve à beira da guerra civil. Eu tinha chegado há exactamente dezassete dias, ou seja, naquele 8 de Novembro em que o VI Governo Provisório mandou dinamitar os emissores da Rádio Renascença, controlada pela extrema-esquerda.

Sobre o 25 de Novembro, transcrevo do meu livro de memórias:

Dias depois desse reencontro aconteceu o 25 de Novembro. Passei o dia no Estoril, a tal ponto alheado dos acontecimentos que fui com o Jorge jantar a Lisboa e a seguir ao cinema. O Galeto teria talvez uma dúzia de clientes, mas no primeiro balcão do Império éramos os únicos espectadores. Só no comboio de regresso a casa soubemos do recolher obrigatório. O passeio impediu que tivéssemos visto Duran Clemente a ser substituído por Danny Kaye — The Man from the Diner’s Club foi o sinal inequívoco de que o PREC tinha acabado.

Com a imprensa nacionalizada desde a intentona de 11 de Março de 1975, o Governo impôs um período de nojo. Não se publicaram jornais durante mais de quinze dias. Quem quisesse saber o que se passava em Portugal, ouvia a BBC ou comprava o Monde. A excepção era o Expresso, que durante dois meses (entre 5 de Novembro de 1975 e 7 de Janeiro de 1976) foi bissemanário, saindo às quartas e sábados. A edição extra era feita por Vicente Jorge Silva e Helena Vaz da Silva.

Dos restantes, o primeiro a reaparecer foi o Diário Popular, que voltou à rua a 11 de Dezembro, mantendo Jacinto Baptista na direcção. Nesse mesmo dia começou a publicar-se um jornal ultraconservador, O Dia, dirigido por Vitorino Nemésio. O Diário de Notícias esteve fechado praticamente um mês, voltando às bancas a 22 de Dezembro. Victor Cunha Rego era o director, e Mário Mesquita o adjunto. [...]

Entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975, o Diário de Notícias fora porta-voz do Partido Comunista. Depois do saneamento dos 24, a direita lançou um slogan tonitruante: O diário é do povo, não é de Moscovo! Luís de Barros, marido de Maria Teresa Horta, era o director, mas quem de facto mandava era Saramago.

A contra-revolução não surpreendeu ninguém. O detonador foi a demissão de Otelo Saraiva de Carvalho do comando da Região Militar de Lisboa. Vasco Lourenço, que o substituiu, pôs um travão nas veleidades da extrema-esquerda militar e civil. Ao mesmo tempo, Soares induziu Pinheiro de Azevedo a cessar funções, dando origem à greve do Governo, com início a 19 de Novembro. Ministros e deputados trocaram Lisboa pelo Porto. Francisco Sá Carneiro estava na RFA. A Constituinte suspendeu os trabalhos por oito dias. Para quem estava de fora, a história conta-se numa frase: Soares e os militares moderados fizeram abortar a Comuna de Lisboa, pondo fim a dezanove meses de excessos. Se quisermos ver as coisas com distanciação histórica, diremos, com Jorge Silva Melo — «ao deixar Soares ser apoiado pela direita a partir da Alameda, é o 25 de Novembro que nasce». Vale a pena meditar.

Grosso modo, os militares moderados eram representados pelo fleumático Grupo dos Nove, que em Setembro forçara a substituição de Vasco Gonçalves por Pinheiro de Azevedo. A mudança foi decisiva. De nada valeu aos pára-quedistas terem ocupado o comando da 1.ª Região Aérea (Monsanto) e as bases de Tancos, Monte Real, Montijo e Ota. A sua acção foi pouco mais que simbólica. O poder de fogo havia sido transferido para o Norte, Costa Gomes obteve de Cunhal a neutralidade do PCP, e o Regimento de Comandos da Amadora, liderado por Jaime Neves, obrigou a Polícia Militar a render-se.

Quando a normalidade foi reposta, um tenente-coronel de que pouca gente ouvira falar, Ramalho Eanes, assumiu a chefia do exército. Sete meses depois, a 27 de Junho de 1976, com o apoio de Soares e de toda a direita, mesmo a mais revanchista, Eanes tornou-se o primeiro Presidente eleito por sufrágio directo e universal. Otelo e Pinheiro de Azevedo também concorreram. [...]» — Eduardo Pitta, Um Rapaz a Arder, Lisboa: Quetzal, 2013.

DONE


Os líderes dos 27 aprovaram esta manhã o termos do acordo de saída do Reino Unido. Ao dossier de 500 páginas divulgado no passado dia 14, juntou-se hoje um protocolo de 26 páginas que estabelece as bases do relacionamento do reino de Sua Majestade com a UE a partir de 29 de Março de 2019. Por exemplo, os 27 vão manter o direito de pescar em águas britânicas.

Agora falta o mais difícil: aprovar o Acordo no Parlamento britânico (a votação deverá ocorrer a 11 de Dezembro). Na hipótese provável de um chumbo, quem sai a perder é o Reino Unido. Uma saída à bruta, como pretendem os adversários de Theresa May, prejudicaria toda a gente, a começar pelos britânicos.

sábado, 24 de novembro de 2018

PARIS, HOJE


Unidas, a extrema-direita (Le Pen) e a extrema-esquerda (Mélenchon) francesas, respaldam o movimento dos coletes amarelos que hoje assola Paris. Com a Place de l’Etoile, os Champs-Élysées e a Place de la Concorde interditas a manifestações, porém ocupadas, os confrontos começaram.

Três mil agentes da polícia de choque, blindados equipados com jactos de água, nuvens de gás lacrimogéneo, estilhaços pelo ar, viaturas vandalizadas, lojas a encerrar e caos generalizado, parisienses blasé e turistas barricam-se onde podem. E ainda agora a tarde começou.

Clique na foto do Libération.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

TRAGÉDIA NO ALENTEJO


Estão já confirmadas cinco mortes no colapso de parte da estrada que liga Borba a Vila Viçosa. O abatimento desse troço de estrada (ocorrido por volta das 15:40), numa extensão de cerca de duzentos metros, arrastou para dentro de uma pedreira, alagada e com muitos metros de altura, uma retroescavadora, duas viaturas ligeiras e vários operários.

Clique na foto de António Moizão, publicada no Facebook.

domingo, 18 de novembro de 2018

CORBYN & BREXIT


Jeremy Corbyn, líder dos Trabalhistas britânicos, deu hoje uma entrevista à Sky News. Quem esperava encontrar nele um aliado para a tese do segundo referendo, desiluda-se. Um grande balde de água fria para muita gente.

Síntese das suas palavras:

«O referendo aconteceu em 2016, a maioria das pessoas votou para deixar a UE. Não podemos convocar um referendo e pô-lo de parte se não gostamos do resultado

«O artigo 50 foi accionado e isso tem que ser respeitado

«O que podemos fazer é reconhecer as razões pelas quais as pessoas votaram em sair

[Um segundo referendo seria] «uma opção para o futuro, mas não é uma opção para hoje. Se houvesse um referendo amanhã, qual seria a pergunta? Eu não sei como votaria.»

«Vamos votar contra o Acordo porque ele não serve o interesse do Reino Unido

«O Governo tem que voltar a renegociar rapidamente. Há 500 páginas neste documento, muitas das quais são bastante vagas. Onde está a garantia de protecção ambiental? Onde está a garantia de protecção do consumidor? Onde está a garantia sobre os direitos dos trabalhadores

Claro como água.

Clique na imagem do Guardian.

sábado, 17 de novembro de 2018

HORROR


São já 71 os mortos de Paradise, na Califórnia. O número de pessoas desaparecidas ultrapassou as mil. A cidade reduzida a cinzas, mais de dez mil viaturas calcinadas. E os animais de companhia não contabilizados? O horror na sua forma mais exacta.

Clique nas fotos de Josh Edelson, da France Press.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

EUROSONDAGEM


Maioria de Esquerda = 56,5%. Sozinho, o PS ultrapassa o PSD em 15%. E a PAF em 8%. Em termos de popularidade, Costa tem um saldo positivo de 34,4% contra 9,8% de Rui Rio e 0,2% de Catarina Martins. Entronização só com Marcelo: 64,8%.

Clique no gráfico do Expresso.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

MARIA JUDITE & PUCHNER


Hoje na Sábado escrevo sobre o segundo volume das obras completas de Maria Judite de Carvalho (1921-1998), contista e cronista de excepção. É importante que a obra da autora esteja a ser reeditada. Este volume colige duas colectâneas de contos — Paisagem Sem Barcos, 1963, O Seu Amor Por Etel, 1967 — e uma novela, Os Armários Vazios, 1966. Os acidentes biográficos talvez expliquem a rigidez do seu universo ficcional. Vivendo os pais na Bélgica, nasceu em Lisboa por acaso. Longe dos pais, foi educada por tias em ambiente austero. Mais tarde, acompanhou Urbano Tavares Rodrigues, seu marido, num exílio de vários anos em França. A partir de 1959, ano em publicou o primeiro livro, a colectânea de contos Tanta Gente, Mariana (a mais aclamada das suas obras), fixou por direito próprio o lugar que ocupa na Literatura portuguesa. Personalidade apagada, um tanto por contraponto ao perfil mundano do marido, escritor mediático e activista político, outro tanto por motivos de saúde (chegando nos últimos anos à deformação física), a obra reflecte o imaginário recalcado, cinzento, mesquinho e acomodado da sociedade portuguesa dos anos 1950 e 1960: «Uma amálgama de acontecimentos sem interesse e sem sentido.» Em contrapartida, a escrita da autora não tem nada de inócua. Bem pelo contrário. Numa prosa só na aparência desprendida, dominando bem os monólogos interiores, Maria Judite de Carvalho capta as subtis harmónicas do quotidiano, o espírito peganhento do tempo a enredar vidas sem horizonte, o confronto com outras realidades: «O Times é um jornal sério, não mente nem peca por omissão.» A novela Os Armários Vazios faz o retrato nítido do Portugal salazarista visto sob o ângulo da pequena-burguesia urbana, a pobreza envergonhada de Dora Rosário, «viúva de carreira», fumando um cigarro depois do café, vestida de preto durante dez anos, até ao dia em que a sogra lhe disse que o filho pensava viver com outra. Traços distintivos do meio em que Dora se movia, como abulia, resignação e preconceito, são descritos com sarcasmo. À beira dos 40, Dora muda a imagem. A filha fez o liceu, aprendeu línguas, podia perfeitamente ser hospedeira da TAP. O desfecho é absolut sixties. Quatro estrelas. Publicou a Minotauro.

Escrevo ainda sobre a obra mais recente do filósofo e ensaísta alemão Martin Puchner (n. 1969), O Mundo da Escrita. O subtítulo dá a medida da ambição: O poder das histórias que formaram os povos e as civilizações. Especialista em vanguardas e professor em Harvard, Puchner escreveu esta história da literatura universal dos primórdios — Épico de Gilgames, Homero, Bíblia hebraica, etc. — às novas tecnologias da escrita, como propiciadas pela Internet, passando pelo «puré medieval» com que J.K. Rowling molda a saga Harry Potter… Numa prosa envolvente, doseando erudição, humor e uma quota de imprevisto (a introdução aborda alguns aspectos da missão Apollo 8), Puchner faz close reading de obras que são património da humanidade. Entre outros, Cervantes, Goethe, Marx, Akhmátova, Soljenítsin e Walcott são apresentados com brilho. O fio condutor une As Mil e Uma Noites com a literatura pós-colonial, sem ignorar o contexto político de cada época. Uma obra indispensável, que inclui portfolio fotográfico. Cinco estrelas. Publicou a Temas e Debates.

BREXIT


Dominic Raab, 44 anos, ministro da Justiça, ministro da Habitação e Secretário de Estado responsável pela negociação do Brexit — Secretary of State for Exiting the European Union —, demitiu-se 24 horas depois da aprovação, em conselho de ministros, do draft final do documento.

Argumenta ele, em carta dirigida a Theresa May, não poder concordar com o regime regulamentar proposto para a Irlanda do Norte («uma ameaça muito real à integridade do Reino Unido»), nem ao dispositivo híbrido das obrigações aduaneiras futuras («um regime extenso, imposto externamente, sem qualquer controlo democrático sobre as leis a serem aplicadas»). OK.

Já toda a gente percebeu que o cavalheiro está a pôr-se a jeito para substituir a primeira-ministra britânica. Mas, admitindo que os argumentos são sólidos, coloca-se a questão de saber o que andou a fazer durante as negociações. Foi apanhado de surpresa? Então quem negociou e redigiu as 500 páginas do documento?

Na imagem, a carta de demissão de Dominic Raab. Clique.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

MAPUTO


Foi inaugurada anteontem a ponte que liga Maputo à Katembe, a maior ponte suspensa de África, construída pela China Road and Bridge Corporation. Foi também inaugurada uma estrada circular com 187 quilómetros. Custo da obra: 800 milhões de dólares. Situada na periferia Sul da cidade, próximo da Matola, facilitará o acesso à praia da Ponta do Ouro e à fronteira sul-africana de KwaZulu-Natal.

No meu tempo, ia-se de Lourenço Marques para a Katembe (então grafada como Catembe) de gasolina ou ferry boat. A praia não valia nada, mas, além de residências de férias de talvez vinte famílias, havia restaurantes de marisco e uma escola de remo e vela. E muita, muita movida gay aos sábados à noite.

domingo, 11 de novembro de 2018

BRUNO & MUSTAFÁ PRESOS

Esqueçam as celebrações do Armistício, as inundações na região de Lisboa, o avião cazaquistanês que esteve para amarar no Tejo mas conseguiu aterrar em Beja, a carta que Costa escreveu a Alegre, a Convenção bloquista, os incêndios na Califórnia onde não pára de morrer gente, a recontagem de votos na Flórida, o affaire Silvano, e outros temas da actualidade.

Bruno de Carvalho e Mustafá foram presos (17:45), acusados de terrorismo.

Portanto, vamos ter meses de telejornais com a duração de duas horas, debates intermináveis em todos os canais, quiçá reuniões do Conselho de Estado e uma comissão parlamentar de inquérito.

TOURADAS


Excertos da carta do primeiro-ministro António Costa a Manuel Alegre, hoje publicada no Público:

«[...] Prefiro pensar que as civilizações também se distinguem pela forma como tratam os animais. Como se distinguem pela forma como valorizam a dignidade do ser humano, a natureza, ou se relacionam com o transcendente, por exemplo. [...]

Por isso, afirmar que uma certa opção é uma questão de civilização não significa desqualificar o oponente como incivilizado. O diálogo de civilizações exige respeito mútuo, tolerância e a defesa da liberdade. [...]

Por isso, não me receie como “mata-toureiros”, qual versão contemporânea de “mata-frades”. Prefiro conceder a cada município a liberdade de permitir ou não a realização de touradas no seu território à sua pura e simples proibição legal e considero extemporâneo um referendo sobre a matéria. Choca-me que o serviço público de televisão transmita touradas. Mas não me ocorre proibir a sua transmissão. Contudo, reclamo também a minha própria liberdade e defendo a liberdade de quem milita contra a permissão das touradas. [...]

A causa da promoção do bem-estar animal é absolutamente legítima e tem tido, felizmente, progressiva expressão legal, a mais relevante das quais a recente alteração do Código Civil, que deixou de considerar os animais como “coisas”. Ou a limitação à utilização de animais em espectáculos de circo. Como homem da Liberdade tem também de respeitar os cidadãos que, como eu, rejeitam a tourada como manifestação pública de uma cultura de violência ou de desfrute do sofrimento animal. [...]

Bem sei que o novo politicamente correcto é ser politicamente “incorrecto”... Mas então prefiro manter a tradição e defender o que acho certo, no respeito pela liberdade dos outros defenderem e praticarem o contrário. [...]»

Elementar. Eu não diria melhor.

A PRIMEIRA GRANDE GUERRA


Ouve-se dizer com frequência que a participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial foi um acto simbólico, uma birra de Afonso Costa. Convém lembrar que Portugal mandou 50 mil homens para França e 30 mil para Angola e Moçambique, colónias que faziam fronteira com a Namíbia e a Tanzânia, à época colónias alemãs. Submarinos alemães atacaram a Madeira, os Açores e Cabo Verde. A opinião pública retém o desastre de La Lys, em Abril de 1918, batalha onde morreram 400 portugueses e 7 mil foram feitos prisioneiros. Mas, para o Corpo Expedicionário Português, a Primeira Guerra Mundial não se resumiu a La Lys. Passaram cem anos. As gerações mais jovens olham para tudo isto (as que olham) como eu olho para Assurbanípal. Pode ser-lhes fatal.

Clique na imagem.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

JON McGREGOR


Hoje na Sábado escrevo sobre Reservatório 13, do britânico Jon McGregor (n. 1976), autor que despertou a atenção da crítica com o seu primeiro romance, rapidamente traduzido entre nós. Tinha então 25 anos. O mais recente chegou agora às livrarias. Confirma os dotes do autor, várias vezes premiado, incensado por pares ilustres. Reservatório 13 parece um thriller em ambiente rural pós-moderno. No centro da intriga, o desaparecimento de uma adolescente, Rebecca Shaw, numa aldeia perto de Manchester. Os treze capítulos do livro sinalizam os anos de busca. Com excepção do primeiro, começam todos com a mesma frase: À meia-noite, na passagem de ano… O dia fatídico permanecerá um mistério. O foco não é tanto a rapariga, que pode ter partido por vontade própria, mas o microcosmo local. Rapidamente esquecemos Rebecca. O romance é sobre as pessoas da terra (solidão, aspirações, sexo voraz, intrigas), os colegas de escola, o quotidiano do Centro Comunitário, a equipa de críquete. McGregor é muito hábil na forma como monta o patchwork. Mas por que será que é sempre uma rapariga a desaparecer? Três estrelas. Publicou a Elsinore.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

BRANCO É, GALINHA O PÕE

Não toleraremos que se repita o uso das Forças Armadas por interesses pessoais ou de grupo e jogos de poder... — disse o Presidente da República no discurso que ontem fez na Avenida da Liberdade.

O recado vai em linha recta para os promotores da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Caso de Tancos, que pretende, por essa via, envolver o Governo e a Presidência da República.

Pode ser que me engane, mas os deputados (interessados em saber quem sabia do encobrimento que afinal não houve, porém desinteressados do alegado roubo) vão ficar a falar sozinhos.

sábado, 3 de novembro de 2018

TOURADAS OUT


Obviamente.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

ABATER, DIZ ELE

Wilson Witzel, 50 anos, membro do Partido Social Cristão, juiz demissionário, novo governador do Rio de Janeiro (eleito com 59,9% dos votos), mandatou as delegacias de polícia para formarem grupos de atiradores — os chamados ‘atiradores designados’ — que terão como função abater criminosos armados.

Flávio Pacca, o principal conselheiro de Witzel, deu uma entrevista em que explica: «O criminoso com fuzil não precisa ter ninguém na mira de uma arma para ser abatido. Quando qualifico o policial eu protejo a comunidade

Por seu turno, entrevistado anteontem pela GloboNews, no programa Estúdio 1, o governador Witzel sublinhou: «Até de helicópteros, quem esteja numa favela portando um fuzil. A aeronave ajuda e preserva vidas nas favelas. Dos moradores e dos policiais. Os traficantes ocupam o tecto das casas e tentam tirar proveito disso. Se temos atiradores preparados podemos inibir ataques às pessoas. A única pessoa que tem que ter medo é o criminoso e não a sociedade

Isto parece uma anedota de mau gosto. Infelizmente, não é.

MORO DUBLÊ DE BERIA


A escolha de Sérgio Moro para ministro da Justiça e da Segurança Pública só espanta quem vive na lua. O juiz da Operação Lava Jato participou sem pudor nas eleições brasileiras a partir do momento em que mandou prender Lula, o homem que liderava todas as sondagens para Presidente.

Bolsonaro quer apenas 15 ministérios (em vez dos 39 de Dilma) e tem estado a fundir vários. Face à nova orgânica — Justiça e Segurança Pública —, Moro vai, além da Justiça, tutelar também a Secretaria Nacional de Segurança Pública, a Força Nacional, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Departamento Penitenciário, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, a Controladoria Geral da União, a Comissão de Amnistia, a Fundação Nacional do Índio, bem como os organismos responsáveis pela lavagem de dinheiro e fuga de capitais.

Quem aplaudiu a medida e a escolha do titular? Acertou: Fernando Henrique Cardoso.

Desde Beria (URSS) que não se via tamanha concentração de poder num único homem. Comentários para quê?

Clique na imagem do jornal brasileiro Globo.

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

CABRAL & MORRIS


Hoje na Sábado escrevo sobre Pão de Açúcar, de Afonso Reis Cabral (n. 1990). A partir do brutal assassinato de Gisberta Salce Junior, transexual brasileira, o autor escreveu este romance não-ficcional. Quem leu A Sangue Frio, de Truman Capote, identifica o género. Factos: em Fevereiro de 2006, Gisberta, 45 anos, foi encontrada morta no poço alagado de um prédio inacabado da cidade do Porto, conhecido como Pão de Açúcar. Durante três dias, fora repetidamente violada e espancada por catorze rapazes, onze deles sob tutela da Oficina de São José, instituição católica vocacionada para o acolhimento de menores. Apenas um deles era maior de 16 anos. Gisberta foi atirada semi-nua para o poço, na presunção de que não resistira à tortura: pancada, queimaduras de cigarro, penetração com paus de madeira. A autópsia demonstrou que estava viva no momento da queda. Gisberta tinha sida, era toxicodependente, prostituta e sem-abrigo. Montou a sua barraca naquele andar vazio do Pão de Açúcar. Um dos rapazes é filho de uma prostituta que contratara como ama-seca uma mulher amiga de Gisberta. Em Setembro de 2007 todos estavam em liberdade. O caso chocou a opinião pública, mobilizou a comunidade LGBTI e deu origem a manifestações culturais (um documentário, duas peças de teatro, um poema notável de Alberto Pimenta, uma balada de Pedro Abrunhosa também interpretada por Maria Bethânia, vários textos de análise) que têm o seu corolário no romance de Afonso Reis Cabral agora publicado. Ficcionando a persona de Gisberta, foi com este material que o autor lidou. A narrativa centra-se no quotidiano dos rapazes (os da Oficina de São José e os outros três), tentando explicar o caldo de cultura que propiciou a barbárie. A deriva “literária” rouba força ao discurso. Diz o narrador: «Assim em repouso, bateu-me uma falta de ar que era tanto tristeza como excesso de amizade e muita falta de carinho.» O romance é antecedido de uma Nota Antes e fecha com uma Nota Depois. O autor deixa claro que está a lidar com factos verídicos alvo de cobertura mediática. É uma espécie de Balada dos Catorze, bem intencionada e naïve. Três estrelas. Publicou a Dom Quixote.

Escrevo ainda sobre Manhattan’45, de Jan Morris (n. 1926). Vários livros da autora têm sido traduzidos entre nós, sendo este o mais recente. Não se trata de um livro de viagens: é um livro sobre como era Manhattam em 1945, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Cada um dos sete capítulos tem secções autónomas sobre temas específicos: os transeuntes da Midtown, a fina flor, judeus, celebridades, as ruas, vida ao ar livre, tradições, etc., breves ensaios de recorte sociológico sobre a Nova Iorque de 1945, nas circunstâncias próprias do Armistício. O livro é de 1987, mas esta edição inclui a introdução de 2011. Seja como for, a escrita de Morris é de tal modo envolvente que nos esquecemos do facto central: aquela cidade já não existe. Um exemplo: a Ópera (o Met) não funciona desde 1966 na morada indicada. Uma nota de rodapé sinaliza o detalhe en passant, mas a minuciosa descrição dos programas operáticos e dos seus frequentadores reporta a 1945. Numa escrita de primeiríssima água, Morris doseia cultura, informação, humor, história, memória e idiossincrasias pessoais. Cinco estrelas. Publicou a Tinta da China.