sábado, 7 de setembro de 2019

O ARMÁRIO GAY DA LITERATURA NACIONAL


Já está em linha a entrevista que o Bruno Horta me fez para o Observador.
Clique nas imagens.

EUROSONDAGEM


Estudo da Eurosondagem divulgado hoje no SOL, Porto Canal, Diário de Notícias da Madeira e Diário Insular dos Açores.

PS = 38,3% / PSD = 23,3% / BE = 9,5% / CDU = 7,1% / CDS = 5,5% / PAN = 4,5%

O PS obtém mais 15% que o PSD.

Maioria de Esquerda = 54,9%. Juntando o PAN, seriam 59,4%.

Clique na imagem do SOL.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

A GALINHA E O BREXIT


Em três votações consecutivas, o projecto-lei de Hilary Benn (ministro-sombra do Labour), destinado a prorrogar o Brexit até 31 de Janeiro e, desse modo, impedir um Brexit sem acordo, foi aprovado por 329 votos contra 301. Já de madrugada, os Lordes aprovaram a decisão dos Comuns. Falta o agreement da rainha.

Boris Johnson quer convocar eleições antecipadas para 15 de Outubro, mas essa pretensão também foi chumbada.

Corbyn, o chefe da Oposição que andou meses a pedir eleições, agora não as quer. Sabe que as perderia, porque nenhum eleitor sensato o quer ver no n.º 10 de Downing Street.

Como é que um partido como o Labour, que conta seis primeiros-ministros no seu historial, chega ao estado a que chegou pelas mãos deste indivíduo anti-semita?

É claro que o folhetim não termina aqui. A ver vamos os próximos episódios.

Clique nas imagens do Sun e do Daily Mail.

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

DOR E GLÓRIA


Vi ontem Dor e Glória de Almodóvar, provavelmente o filme mais secreto do realizador. A interpretação de Banderas, no papel de Salvador Mallo, valeu-lhe o prémio de melhor actor no Festival de Cannes deste ano. Alegadamente, Mallo é Almodóvar. Banderas, que não aprecio, tem o registo certo, mas Asier Etxeandia (o amigo Alberto) é melhor.

Sobre Penélope Cruz: quem teve a ideia bizarra de maquilhar uma lavadeira de rio, na Espanha dos anos 1950, como se fosse uma socialite do Upper East Side?

Tem-se especulado sobre se o filme é a autobiografia do realizador. Almodóvar não confirma nem desmente.

Em todo o caso, em entrevistas, confirmou serem factuais: o reencontro com Carmen Maura em 2017; serem suas algumas roupas usadas por Banderas; ser seu algum mobiliário da casa de Mallo (o aparador Fornasetti, a poltrona Rietveld, etc.), bem como os quadros de Pérez Villalta, Manolo Quejido, Dis Berlin e Sigfrido Martín Begué, além de vasos e outros objectos decorativos; o hábito de deslocar-se sempre de táxi; uma foto de seu pai; as lavadeiras do rio (sendo a mãe uma delas); o facto de, em criança, escrever cartas para os vizinhos analfabetos; o corte de relações com os seus actores (esteve 32 anos sem falar com Eusebio Poncela, protagonista de A Lei do Desejo); a cicatriz nas costas; o travestismo dos anos 1980; a produtora El Deseo, fundada em 1986.

Em paralelo, desmentiu a existência de Eduardo: «Nunca vivi numa caverna e nunca me apaixonei por um pedreiro, embora ambas as coisas pudessem ter acontecido.» Pois podia, digo eu, e o desmaio do miúdo (ao ver o rapaz nu) é verosímil. Também desmentiu o uso de drogas. Dito de outro modo: confirmou as trivialidades e desmentiu factos plausíveis.

Quem gosta do Almodóver frenético, kitsch, glam rock, pós-punk, libertário, não apreciará este biopic. Mas se aguentar os primeiros dez minutos, vai gostar do resto.

Clique na imagem: Almodóvar (ao centro), Penélope Cruz e Banderas, na estreia mundial do filme, em Cannes 2019.

HARD BREXIT

Por 328 votos contra 301, a Câmara dos Comuns aprovou ontem a moção que permite a votação, hoje, de uma lei que prorrogue o Brexit até 31 de Janeiro. O adiamento visa impedir um Brexit sem acordo.

Os 21 tories que votaram contra o Governo foram, ontem mesmo, expulsos do Partido.

Hoje, portanto, ocorre a votação da denominada Lei Benn. Se, como se prevê, o diploma de Mr Benn (ministro-sombra do Labour) for aprovado, Boris Johnson convoca eleições antecipadas para 15 de Outubro.

São más notícias para Corbyn, o líder do Labour, porque, aconteça o que acontecer, ele sabe que ninguém o colocará no n.º 10 de Downing Street.

A convocação de eleições antecipadas exige o voto de dois terços dos deputados, mas o primeiro-ministro não é obrigado a seguir a decisão de Westminster.

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

A BICA FECHOU


Fechou anteontem um dos restaurantes mais conhecidos de Lisboa, o Bica do Sapato. Foi na Bica que se realizou o jantar do meu casamento com o Jorge. Foi também lá que fiz algumas refeições memoráveis (em grande medida pelo prazer de estar com quem me acompanhava), embora a última tenha sido um desastre.

Aberto em 1999 por José Miranda e Fernando Fernandes, teve Manuel Reis e John Malkovich na estrutura accionista. Miranda e Reis já morreram, os mais recentes chefs de cozinha, Pedro Rezende Pereira e Henrique Mouro, não entusiasmavam (nada a ver com os tempos de Fausto Airoldi, Alexandre Silva, Joaquim Figueiredo e João Rodrigues) e, factor porventura decisivo, a Lisboa de 2019 não é a de 1999, porque a média etária dos happy few de 1999 era de 45-50 anos, e hoje é de 65-70.

O restaurante tem novos proprietários e vai alegadamente para obras. Se reabre ou não e se manterá o mesmo nome não se sabe. Certeza: o staff foi dispensado.

Clique na imagem.

ALEMANHA


Não podemos ficar descansados pelo facto da extrema-direita alemã ter ficado em segundo lugar nos Estados da Saxónia e de Brandeburgo, outrora parte da RDA. Verdade que não se confirmou a vitória anunciada nas sondagens, mas o AfD — Alternative für Deutschland não obteve um segundo lugar simbólico. Pelo contrário.

Na Saxónia praticamente triplicou a votação, passando de 9,8% para 27,5% (mordendo as canelas da CDU), e em Brandeburgo quase duplicou, subindo de 12,2% para 23,5% (colando-se objectivamente ao SPD). São números muito inquietantes.

Clique nos gráficos do Spiegel.

domingo, 1 de setembro de 2019

BREXIT EM MARCHA


Os cidadãos do Reino Unido têm ao seu dispor, desde ontem à noite, o Get Ready, um site com toda a informação disponível sobre o Brexit.

Além de legislação actualizada, contém um extenso inventário de conselhos práticos.

Alguns exemplos:

— Necessidade de renovar o passaporte.
— Como levar o carro para o estrangeiro, após obtida documentação própria e carta de condução internacional.
— Obrigatoriedade de colar no pára-choques traseiro um “selo grande” com indicação GB (mesmo as viaturas cuja matrícula tenha essa indicação).
— Novos passaportes e exames de sangue para animais de estimação.
— Os cidadãos da UE que vivem no Reino Unido têm de registar-se, de preferência antes de 31 de Outubro.
— Os estudantes oriundos de países da UE são avisados ​​da possível caducidade das suas colocações Erasmus nas universidades britânicas.
— Caducidade das tarifas de roaming nos telemóveis.

Clique nas imagens: ao alto, outdoor nas ruas; em baixo, home do site.

sábado, 31 de agosto de 2019

MAIORIAS ABSOLUTAS

Excerto do texto de José Sócrates hoje publicado no Expresso.

«[...] Gostaria, no entanto, de recordar que essa maioria absoluta foi a única que o PS obteve em democracia; que esse Governo conseguiu, em dois anos, tirar o país do défice excessivo em que se encontrava e, no mesmo período, alcançar o maior crescimento económico verificado nesses anos difíceis (2007); que esse Governo fez das energias renováveis uma prioridade política; que esse Governo fez o programa escola a tempo inteiro, as novas oportunidades e iniciou a requalificação das escolas secundárias; que esse Governo fez o maior aumento da percentagem de investimento em ciência; que esse Governo fez da balança tecnológica um saldo positivo; que esse Governo fez uma reforma da Segurança Social, mantendo-a pública, forte e sustentável; que esse Governo propôs e ganhou o referendo do aborto; que esse Governo fez o complemento solidário de idosos, fez as unidades de cuidados continuados, fez as unidades de saúde familiar — e ainda teve tempo de concluir o Tratado de Lisboa e ganhar as eleições de 2009, já no meio da maior crise económica mundial. Eis o que instantaneamente recordo no momento em que escrevo, sob reserva de melhor balanço político. [...] Devo isso a mim próprio, aos meus colegas nesse Governo e ainda a todos os que, livre e conscientemente, deram ao Partido Socialista a primeira maioria absoluta da sua história política

PITAGÓRICA 2


Sondagem da Pitagórica divulgada hoje pela TSF e o Jornal de Notícias.

Obtendo 43,6% o PS fica à beira da maioria absoluta.

O score do PS corresponde a mais do dobro do PSD, que fica em 20,4%.

PS = 43,6% / PSD = 20,4% / BE = 10% / CDU = 6,6% / CDS = 4,9% / PAN = 3,2% 

Sozinho, o PS obtém mais 18,3% que a PAF [PSD+CDS].

Maioria de Esquerda = 60,2%. Em deputados seriam mais de dois terços.

Clique na imagem do JN.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

PITAGÓRICA


Sondagem da Pitagórica para a TSF e o Jornal de Notícias divulgada hoje. Entre parêntesis os valores da sondagem anterior.

Clique para abrir a imagem do JN.

MATÉRIAS PERIGOSAS

O Governo publicou hoje uma Portaria que proíbe, aos domingos e feriados, a circulação rodoviária de automóveis pesados que transportem matérias perigosas em cisterna.

A proibição abrange túneis, pontes (sobre o Tejo, Douro e outras) e algumas vias de acesso «aos principais aglomerados urbanos», em horários específicos, e nas segundas-feiras de manhã entre as 7 e as 10 horas.

Percursos abrangidos: A1 entre Alverca e Lisboa / A5 entre a ligação à CREL e Lisboa / A8 entre Loures e Lisboa / IC19 entre o nó da CREL e Lisboa [Damaia] / EN6 entre Cascais e Lisboa / EN10 entre Vila Franca de Xira e Alverca / IC22 na ligação da A9 com Odivelas / A3 entre a ligação ao IC24 e o Porto / A4 entre o nó com a A3 e Matosinhos / A28 entre a Ponte da Arrábida e a A4 / EN13 entre Moreira e o Porto / EN209 entre Gondomar e o Porto / EN222 [ER] entre Avintes e o Porto / A20 entre a Ponte do Freixo e a A3.

Na Ponte 25 de Abril, a circulação desses veículos só é permitida entre as 2 e as 5 da madrugada.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

LEVY & SÖNMEZ


Hoje na Sábado escrevo sobre O Custo de Vida, a segunda parte da autobiografia de Deborah Levy (n. 1959), escritora britânica nascida na África do Sul, país que abandonou aos 9 anos de idade, na companhia dos pais, activistas dos direitos humanos e membros do ANC empenhados na luta anti-Apartheid. Deborah vive na Inglaterra desde então. Sobre O Custo de Vida pode dizer-se que é uma autobiografia feminista, um manifesto cru da dificuldade de ser mulher num mundo dominado por homens: maior intolerância, mais competição e toda a sorte de preconceitos. Nos interstícios da prosa, ecos de Simone de Beauvoir. A primeira parte desta autobiografia está disponível no nosso país com o título Coisas Que não Quero Saber, editado também pela Relógio d'Água. Por volta dos 50 anos, Deborah divorcia-se e vai viver com as duas filhas para um bairro “proletário” do norte de Londres. O Custo de Vida é o relato, por vezes elíptico, dessa mudança: «Nesse mês de Novembro, mudei-me com as minhas filhas para um apartamento que ficava num sexto andar de um grande prédio de aspecto desmazelado [adequado] a esses tempos de desintegração e de rutura.» Sucedem-se as faltas de água e electricidade, Deborah não tem espaço para escrever, os livros continuam nas caixas, os corredores estão revestidos por plástico cinzento usado nas obras. Muito difusas, memórias da casa de família na África do Sul. A situação melhora quando a viúva de Adrian Mitchell (o poeta e dramaturgo falecido em 2008), sua vizinha, lhe aluga o anexo do fundo do jardim onde o marido escrevia: «Toda a gente merece ter um anjo da guarda como Celia.» Numa linguagem despojada, Deborah fala de Freud, de incomunicabilidade, do ofício de escrever (citando Elena Ferrante, James Baldwin, Doris Lessing, etc.), de episódios caricatos como o da galinha atropelada, de uma viagem a Paris efectuada no Eurostar, da doença e morte da mãe, do seu romance Nadar para Casa, da cultura colonial branca na África do Sul, dos atritos do ciclismo urbano, de livros e filmes de Marguerite Duras, bem como de outros temas e incidentes pessoais. Quatro estrelas. Publicou a Relógio d'Água.

Escrevo ainda sobre Istambul, Istambul, de Burhan Sönmez (n. 1965), escritor turco actualmente radicado no Reino Unido, país onde escreveu e publicou este romance. O regime turco tem afastado do país muitos intelectuais desafectos de Erdoğan. Um deles é Sönmez. O romance é anterior ao putsch militar de 2016. Porém, os seus dez capítulos antecipam as sequelas do golpe falhado. Cada capítulo corresponde a um dia. Os narradores são quatro presos políticos, enclausurados numa cela subterrânea, escura e minúscula: um médico, um estudante, um barbeiro e um velho revolucionário que «falava no tom dos poetas delirantes». Ao longo de dez dias, nos intervalos dos interrogatórios e das sessões de tortura, contando histórias uns aos outros, narram memórias da cidade. Até que, de acordo com as respectivas idiossincrasias, cada um deles passa a discutir os efeitos da repressão: «Na cela, a vida repetia-se. À medida que a escuridão girava lentamente por cima de nós, as nossas palavras descreviam a mesma pessoa…» Podia ser um thriller. Mas é o retrato de uma ditadura. Três estrelas. Publicou a Dom Quixote.

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

DONE


No conselho privado de Balmoral, Sua Majestade aprovou a suspensão de Westminster até 14 de Outubro, conforme solicitação do primeiro-ministro.

A suspensão do Parlamento determina a queda imediata de toda a legislação pendente.

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WESTMINSTER SUSPENSO


Boris Johnson vai hoje de manhã a Balmoral pedir à rainha a suspensão do Parlamento até 14 de Outubro, data em que a soberana fará o habitual discurso de abertura do ano parlamentar.

A suspensão do Parlamento é um privilégio real, mas o pedido do primeiro-ministro é um pro forma, uma vez que Sua Majestade não interfere nas decisões do Governo.

Clique na imagem do Guardian.

terça-feira, 27 de agosto de 2019

DANCOR 10


O DANCOR 10 (comprimidos) está esgotado há meses. Quem tem mesmo de o tomar vai a Espanha comprar.

Sucede que o DANCOR não é uma marca de rebuçado. Contendo nicorandilo, o DANCOR é um activador dos canais do potássio, ou seja, aumenta o fluxo de sangue através dos vasos do coração, melhorando o funcionamento do músculo, etc. Da bula: «É utilizado em doentes adultos que não toleram ou não podem tomar medicamentos para o coração chamados bloqueadores beta e/ou antagonistas do cálcio

Alegadamente, o DANCOR 20 estará disponível a partir de 9 de Setembro. Mas o busílis é o DANCOR 10.

Isto não se passa no Sudão. Acontece num país da UE e ainda não vi nenhum partido questionar o Infarmed sobre as razões dos laboratórios.

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AMAZÓNIA

Todos os dias as televisões repetem que Bolsonaro enviou 44 mil militares para combater os fogos da Amazónia. Mas a Amazónia tem condições logísticas para que 44 mil militares actuem no combate ao fogo? Quarenta e quatro mil militares é um pequeno exército.

Aliás, o que leio na imprensa brasileira, é que o Governo brasileiro decidiu «mobilizar militares para combater o fogo [...] mas não está claro como as Forças Armadas serão utilizadas e se o seu papel será eficaz

Convinha não confundir os verbos mobilizar e enviar.

sábado, 24 de agosto de 2019

LO QUE PASA?


Vivemos num mundo estranho. Lembram-se da crise venezuelana?

Este ano, a Venezuela monopolizou as manchetes planetárias durante quatro meses consecutivos: de Fevereiro a Maio, ninguém falava de outra coisa senão do braço-de-ferro entre Guiaidó e Maduro, de populações deslocadas por força da fome generalizada (os media internacionais mais conspícuos referiram três milhões de pessoas), de ajuda humanitária impedida de entrar no país, de carência alarmante de medicamentos, de prisões arbitrárias, dissensões nas Forças Armadas, avisos temerários de Trump, apagões durante dias seguidos, Caracas mergulhada em violência e caos, exigência de novas eleições por parte da UE, ameaças do Grupo de Lima (Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia), navios e aviões russos prontos a neutralizar uma eventual intervenção americana, etc. Era o Apocalipse na terra.

E de repente a Venezuela saiu do mapa.

Guiaidó continua no país? Em caso afirmativo, mantém o cargo de Presidente interino? A fome passou? Os refugiados voltaram? A oposição que se manifestava em modo contínuo volatilizou-se?

Tudo isto é muito estranho. Ou talvez não seja, porque a guerra civil líbia, cada vez mais violenta, também não consta dos alinhamentos noticiosos.

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quinta-feira, 22 de agosto de 2019

FRIOLEIRAS, CHECKS AND BALANCES


No momento em que a parte brasileira da Amazónia arde mais uma vez, naquela que é a pior onda de incêndios dos últimos sete anos (segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Bolsonaro desdobra-se em alarvidades inenarráveis. Trump não faria pior.

Pego no assunto porque me enganei nas previsões que fiz sobre o Presidente evangelista. Previ que Bolsonaro dissolvesse o Congresso Nacional, ou seja, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados, nos primeiros três ou quatro meses do seu mandato (não aconteceu); previ a prisão de Dilma e Haddad (e só o segundo está em vias de); previ a repressão violenta dos media (não aconteceu); previ a interdição de temas fracturantes na programação da Globo (não aconteceu), etc. A parte em que acertei foi no regime de teocracia escolar e na concessão de luz verde ao arbítrio policial.

O mais curioso é que o “travão” sejam os militares, desde logo os que estão no Governo. Não esquecer que o vice-Presidente é o general Hamilton Mourão, opositor, dizem-me amigos bem informados, da linha autoritária.

Verdade que Bolsonaro diz muitos disparates. Mas o Brasil, para surpresa nossa, tem um sistema de checks and balances que “trava” o Planalto.

Veja-se o caso da tentativa de nomeação do filho, Eduardo Bolsonaro, para embaixador do Brasil em Washington. Vários Procuradores federais interpuseram um processo em tribunal, alegando que o deputado não tem a experiência necessária para exercer qualquer cargo diplomático. Desse modo, a formalização do acto ficou para já bloqueada. Significa isto que a Lei brasileira prevê a interferência de magistrados na esfera de actuação do Presidente (em matéria que em princípio seria de seu exclusivo alvedrio), algo impensável em Portugal e no resto da Europa.

Portanto, aguardar para ver.

VERÃO VEZES SETE


Verão vezes sete hoje na Sábado.

Ainda me lembro do tempo em que, nos inquéritos de Verão da imprensa, os happy few da cena pública afirmavam levar Adorno e Wittgenstein para reler na praia (reliam sempre). Mantendo o prazer da leitura, prefiro descer o patamar sem perda de qualidade.

Comecemos pela selecção das crónicas que Elena Ferrante (n. 1943) publicou no Guardian, compiladas na colectânea A Invenção Ocasional, ilustrada por Andrea Ucini. São 51 textos publicados ao longo de um ano, sobre arte, doença, religião, escrita feminina, populismo — designadamente o de Salvini, Le Pen, Trump, Orbán, o Movimento Cinquestelle —, tabagismo, ficções, homens e sexo, Tarkovsky versus Kubrick, talento e outros temas: «O futuro das nossas obras é ainda mais obscuro do que o nosso.» Ideal para férias. Quatro estrelas. Publicou a Relógio d’Água.

Saltar para Pandemia, do americano Robin Cook (n. 1940), significa mudar de registo. Cook faz parte da extensa genealogia de médicos romancistas, e o livro pertence à série centrada nas figuras de Jack Stapleton, legista num hospital de Nova Iorque, e Laurie Montgomery, sua mulher. Um thriller sobre tráfico de órgãos humanos e crimes relacionados com biotecnologia genética a partir da edição de genes CRISPR/CAS9. Longe de ser exaltante, mas os fiéis são muitos. Duas estrelas. Publicou a Bertrand.

Para leitores exigentes, Tríptico da Salvação, de Mário Cláudio (n. 1941), traz de volta um autor que aposta com sageza no virtuosismo da prosa. Um tríptico alusivo à Crucificação, Deposição e Ressurreição de Cristo serve de pretexto ao plot que opõe o amanuense Hans Kunsperger a Lucas Cranach (o Velho), o pintor que privou com Lutero. Em suma, uma biografia romanceada, género em que Mário Cláudio é exímio, quer no rigor histórico, quer no apuro da linguagem. Cinco estrelas. Publicou a Dom Quixote.

Nos antípodas do género, Um Inverno Sete Sepulturas, do dinamarquês Christoffer Petersen. Vá-se lá saber porquê, a edição portuguesa inverteu a ordem do título. Petersen é mais um nome a juntar à cada vez maior lista de autores nórdicos de romances policiais. O cenário e a fauna da costa leste da Gronelândia não serão os mais aliciantes, mas a personagem de David Maratse, um ex-polícia presente em livros anteriores, corresponde ao padrão-tipo. Quem leu À Sombra da Montanha recorda-se de alguns episódios. Três estrelas. Publicou a Quetzal.

Os apreciadores de contos devem escolher o modernista japonês Ryūnosuke Akutagawa (1892-1927), de quem agora foi traduzida a colectânea Rashómon e Outras Histórias, que reúne alguns dos seus melhores textos de ficção. Antes de suicidar-se aos 35 anos, Akutagawa traduziu Yeats e escreveu cerca de duzentos contos. Traduzido do inglês, este volume reúne dezoito, o primeiro dos quais (e, não por acaso, titular) foi adaptado ao cinema por Akira Kurosawa, levando o realizador a ganhar o Leão de Ouro de Veneza em 1951 e, no ano seguinte, um Óscar honorário. Para todos os efeitos, Akutagawa é um clássico. Quatro estrelas. Publicou a Cavalo de Ferro.

Voltando a romances, o australiano Peter Carey (n. 1943), há décadas radicado em Nova Iorque, aborda em Longe de Casa a questão sempre melindrosa das identidades étnicas. Tudo se passa nos anos 1950, na Austrália, tendo Irene Bobs e Willie Bachhuber como protagonistas de um vertiginoso on the road contado a duas vozes. O livro é um pretexto para retratar os complexos rácicos na Austrália do pós-guerra, e Carey faz isso muito bem, sem as “cautelas” de obras anteriores. Cinco estrelas. Publicou a Sextante.

Last but not least, com o intuito de assinalar 50 anos de obra literária, José Amaro Dionísio (n. 1947) reuniu em volume único — O Nome do Mundo — cinco livros publicados entre 1978 e 2008, aos quais juntou três núcleos autónomos, de prosa e textos poéticos, um deles inédito. Ficaram de fora as reportagens que o notabilizaram, como por exemplo uma sobre a guerra colonial em Moçambique e outra sobre a Amazónia. Todo o Alfabeto dessa Alegria (1985) continua sendo a magnum opus deste autor avesso às convenções. Quem não conhece, devia. Quatro estrelas. Publicou a Companhia das Ilhas.

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