Verão vezes sete hoje na Sábado.
Ainda me lembro do tempo em que, nos inquéritos de Verão da imprensa, os happy few da cena pública afirmavam levar Adorno e Wittgenstein para reler na praia (reliam sempre). Mantendo o prazer da leitura, prefiro descer o patamar sem perda de qualidade.
Comecemos pela selecção das crónicas que Elena Ferrante (n. 1943) publicou no Guardian, compiladas na colectânea A Invenção Ocasional, ilustrada por Andrea Ucini. São 51 textos publicados ao longo de um ano, sobre arte, doença, religião, escrita feminina, populismo — designadamente o de Salvini, Le Pen, Trump, Orbán, o Movimento Cinquestelle —, tabagismo, ficções, homens e sexo, Tarkovsky versus Kubrick, talento e outros temas: «O futuro das nossas obras é ainda mais obscuro do que o nosso.» Ideal para férias. Quatro estrelas. Publicou a Relógio d’Água.
Saltar para Pandemia, do americano Robin Cook (n. 1940), significa mudar de registo. Cook faz parte da extensa genealogia de médicos romancistas, e o livro pertence à série centrada nas figuras de Jack Stapleton, legista num hospital de Nova Iorque, e Laurie Montgomery, sua mulher. Um thriller sobre tráfico de órgãos humanos e crimes relacionados com biotecnologia genética a partir da edição de genes CRISPR/CAS9. Longe de ser exaltante, mas os fiéis são muitos. Duas estrelas. Publicou a Bertrand.
Para leitores exigentes, Tríptico da Salvação, de Mário Cláudio (n. 1941), traz de volta um autor que aposta com sageza no virtuosismo da prosa. Um tríptico alusivo à Crucificação, Deposição e Ressurreição de Cristo serve de pretexto ao plot que opõe o amanuense Hans Kunsperger a Lucas Cranach (o Velho), o pintor que privou com Lutero. Em suma, uma biografia romanceada, género em que Mário Cláudio é exímio, quer no rigor histórico, quer no apuro da linguagem. Cinco estrelas. Publicou a Dom Quixote.
Nos antípodas do género, Um Inverno Sete Sepulturas, do dinamarquês Christoffer Petersen. Vá-se lá saber porquê, a edição portuguesa inverteu a ordem do título. Petersen é mais um nome a juntar à cada vez maior lista de autores nórdicos de romances policiais. O cenário e a fauna da costa leste da Gronelândia não serão os mais aliciantes, mas a personagem de David Maratse, um ex-polícia presente em livros anteriores, corresponde ao padrão-tipo. Quem leu À Sombra da Montanha recorda-se de alguns episódios. Três estrelas. Publicou a Quetzal.
Os apreciadores de contos devem escolher o modernista japonês Ryūnosuke Akutagawa (1892-1927), de quem agora foi traduzida a colectânea Rashómon e Outras Histórias, que reúne alguns dos seus melhores textos de ficção. Antes de suicidar-se aos 35 anos, Akutagawa traduziu Yeats e escreveu cerca de duzentos contos. Traduzido do inglês, este volume reúne dezoito, o primeiro dos quais (e, não por acaso, titular) foi adaptado ao cinema por Akira Kurosawa, levando o realizador a ganhar o Leão de Ouro de Veneza em 1951 e, no ano seguinte, um Óscar honorário. Para todos os efeitos, Akutagawa é um clássico. Quatro estrelas. Publicou a Cavalo de Ferro.
Voltando a romances, o australiano Peter Carey (n. 1943), há décadas radicado em Nova Iorque, aborda em Longe de Casa a questão sempre melindrosa das identidades étnicas. Tudo se passa nos anos 1950, na Austrália, tendo Irene Bobs e Willie Bachhuber como protagonistas de um vertiginoso on the road contado a duas vozes. O livro é um pretexto para retratar os complexos rácicos na Austrália do pós-guerra, e Carey faz isso muito bem, sem as “cautelas” de obras anteriores. Cinco estrelas. Publicou a Sextante.
Last but not least, com o intuito de assinalar 50 anos de obra literária, José Amaro Dionísio (n. 1947) reuniu em volume único — O Nome do Mundo — cinco livros publicados entre 1978 e 2008, aos quais juntou três núcleos autónomos, de prosa e textos poéticos, um deles inédito. Ficaram de fora as reportagens que o notabilizaram, como por exemplo uma sobre a guerra colonial em Moçambique e outra sobre a Amazónia. Todo o Alfabeto dessa Alegria (1985) continua sendo a magnum opus deste autor avesso às convenções. Quem não conhece, devia. Quatro estrelas. Publicou a Companhia das Ilhas.
Clique na imagem.