quarta-feira, 4 de setembro de 2019

DOR E GLÓRIA


Vi ontem Dor e Glória de Almodóvar, provavelmente o filme mais secreto do realizador. A interpretação de Banderas, no papel de Salvador Mallo, valeu-lhe o prémio de melhor actor no Festival de Cannes deste ano. Alegadamente, Mallo é Almodóvar. Banderas, que não aprecio, tem o registo certo, mas Asier Etxeandia (o amigo Alberto) é melhor.

Sobre Penélope Cruz: quem teve a ideia bizarra de maquilhar uma lavadeira de rio, na Espanha dos anos 1950, como se fosse uma socialite do Upper East Side?

Tem-se especulado sobre se o filme é a autobiografia do realizador. Almodóvar não confirma nem desmente.

Em todo o caso, em entrevistas, confirmou serem factuais: o reencontro com Carmen Maura em 2017; serem suas algumas roupas usadas por Banderas; ser seu algum mobiliário da casa de Mallo (o aparador Fornasetti, a poltrona Rietveld, etc.), bem como os quadros de Pérez Villalta, Manolo Quejido, Dis Berlin e Sigfrido Martín Begué, além de vasos e outros objectos decorativos; o hábito de deslocar-se sempre de táxi; uma foto de seu pai; as lavadeiras do rio (sendo a mãe uma delas); o facto de, em criança, escrever cartas para os vizinhos analfabetos; o corte de relações com os seus actores (esteve 32 anos sem falar com Eusebio Poncela, protagonista de A Lei do Desejo); a cicatriz nas costas; o travestismo dos anos 1980; a produtora El Deseo, fundada em 1986.

Em paralelo, desmentiu a existência de Eduardo: «Nunca vivi numa caverna e nunca me apaixonei por um pedreiro, embora ambas as coisas pudessem ter acontecido.» Pois podia, digo eu, e o desmaio do miúdo (ao ver o rapaz nu) é verosímil. Também desmentiu o uso de drogas. Dito de outro modo: confirmou as trivialidades e desmentiu factos plausíveis.

Quem gosta do Almodóver frenético, kitsch, glam rock, pós-punk, libertário, não apreciará este biopic. Mas se aguentar os primeiros dez minutos, vai gostar do resto.

Clique na imagem: Almodóvar (ao centro), Penélope Cruz e Banderas, na estreia mundial do filme, em Cannes 2019.