Como eu me lembro de Glória de Sant’Anna.
Em 1968, quando comecei a escrever e a publicar poemas, já Glória de Sant’Anna era um nome consagrado em Moçambique. Um daqueles poetas que admiramos à distância. Nunca tendo ido a Pemba, não a conhecia em pessoa.
Um dia, para vaidade e surpresa minha, recebi pelo correio dois livros seus, autografados — Um Denso Azul Silêncio, de 1965, e Desde Que o Mundo e 32 Poemas de Intervalo, publicado em 1972, com ilustrações de Teresa Roza d’Oliveira.
Só nos conhecemos pessoalmente em Julho de 1974, na tarde do dia 27, o sábado em que Spínola reconheceu o direito à independência das Colónias, dando início ao processo de descolonização. O nosso encontro aconteceu por mero acaso, no gabinete de Rui Knopfli, então director do vespertino A Tribuna, instalado no mesmo edifício do Notícias. Não me recordo se ouvimos juntos o discurso do general. Sei que ficou combinada uma carilada de amendoim para a noite do dia seguinte, em casa do Rui, na Bellegarde da Silva, ou seja, na actual Avenida Francisco Orlando Magumbwe, de Maputo.
Esse jantar, em que também esteve presente o poeta Sebastião Alba, foi o nosso (meu e de Glória de Sant’Anna) segundo e último encontro.
Em Portugal, novo desencontro. Glória de Sant’Anna vivia em Ovar, no distrito de Aveiro, e eu em Cascais, nos arredores de Lisboa. Mas quando, em 1988, a Imprensa Nacional publicou Amaranto, a reunião da sua poesia, escrevi uma recensão crítica que saiu no n.º 108 (Março de 1989) da revista Colóquio-Letras, da Fundação Calouste Gulbenkian.
Ficou a sua poesia, clara, luminosa, atenta aos sinais da terra. Isso basta.
— Eduardo Pitta, in Quando o silêncio é sujeito, Pemba & Sêwi Editores (Moçambique), 2019.
A imagem foi retirada do livro. Clique.