sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

O APOCALIPSE

Gladys Berejiklian, primeira-ministra de Nova Gales do Sul (não confundir com o Governo Nacional australiano, chefiado por Scott Morrison), alertou a população das áreas afectadas pelos fogos, cerca de 300 mil pessoas, para a necessidade de abandonarem essas áreas antes do amanhecer de sábado, dia em que se espera um agravamento da situação: «Há uma janela até hoje à noite

Neste momento, no local, começou a madrugada de sexta para sábado: são 00:10h.

Nova Gales do Sul é um dos seis Estados australianos com governo próprio.

Além de 19 pessoas, morreram milhões de animais, uns queimados, outros abatidos pelos proprietários.

Não há palavras para o horror.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

NORBERTO BARROCA 1937-2020


Morreu hoje Norberto Barroca, actor, encenador, cenógrafo, figurinista e arquitecto de quem fui amigo.

O Norberto viveu cerca de três anos em Lourenço Marques, integrado num projecto de requalificação do Caniço, mas depressa entrou no programa da Gulbenkian que apoiava dois grupos de teatro locais, o TALM e o TEUM.

Após o regresso a Portugal, integrou o Teatro Experimental de Cascais, a Casa da Comédia, o Teatro Estúdio de Lisboa, a Barraca, a Comuna, o Novo Grupo/Teatro Aberto, o Teatro Nacional D. Maria II, a Seiva Trupe, a Centelha (de Viseu) e outros. Foi director artístico do Teatro Experimental do Porto e do Teatro São Luiz de Lisboa. Do seu repertório fazem parte obras de Gil Vicente, Francisco Manuel de Mello, Sttau Monteiro, Pirandello, Shakespeare, Joe Orton, etc. Como actor e encenador trabalhou com toda a gente que conta no teatro português, tendo entrado em filmes de Manoel de Oliveira, Jorge Silva Melo, Paulo Rocha e Eduardo Geada. Tinha 82 anos.

Clique na foto do Jornal da Marinha Grande, cidade onde nasceu. A autarquia decretou luto municipal.

AUSTRÁLIA


A tragédia dos fogos australianos atingiu o ponto de não retorno. Até ao momento: dezassete mortos confirmados, dezenas de milhares de pessoas encurraladas nos Estados de Nova Gales do Sul e de Victoria (a maioria sem água e comida), vinte cidades cercadas pelas chamas, milhares de casas reduzidas a cinzas, milhões de animais queimados, etc. A cidade de Balmoral, a sudoeste de Sydney, praticamente desapareceu do mapa.

As evacuações em massa, muitas delas por mar, não devem evitar o número de vítimas mortais, pois o navio de desembarque militar HMAS Choules transporta apenas oitocentas pessoas de cada vez, e os aviões não chegam aos pontos críticos.

Isto leva-nos a reflectir sobre o futuro que nos espera. Quando a tragédia for global, e esse momento há de chegar, os governos democráticos serão substituídos por ditaduras. Ditaduras não são bolsonarices nem trumpices, são regimes totalitários. Nos romances distópicos de Anna Kavan, Philip K. Dick, Margaret Atwood e outros, podemos antecipar esse futuro negro.

Na imagem, um grupo de pessoas aguarda evacuação na praia de Batemans Bay, em Nova Gales do Sul.

Clique na imagem de El País.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

BEST OF

O meu coração balança entre o concerto de Viena, a patada de Francisco (o Papa) e os dois mil drones a iluminarem a noite de Xangai. O concerto é um remake sempre deslumbrante, a impaciência papal acrescenta dimensão humana à Igreja de Roma e a tecnologia ao serviço da coreografia antecipa o futuro.

terça-feira, 31 de dezembro de 2019

O RÉVEILLON DE 1974


A última passagem de ano que fiz em Lourenço Marques foi a de 1974, tinha então 25 anos. Nos meses anteriores, a cidade tinha vivido dois momentos de tragédia.

Primeiro, a tentativa de secessão branca de 7 de Setembro de 1974, o sábado em que foi assinado o Acordo de Lusaka, documento que definiu os termos e condições da independência de Moçambique.

Nessa tarde, um grupo de antigos colonos reunidos no denominado Movimento de Moçambique Livre ocupou as instalações do Rádio Clube e fechou o aeroporto da cidade. Depressa percebi que a situação era muito grave: milhares de pessoas na rua, invasão da cadeia central para libertar os pides, jornais pró-independência (como o Notícias e A Tribuna) tomados de assalto, Associação Académica incendiada, amigos refugiados em locais improváveis, etc. Durante quatro dias, a situação ficou fora de controlo. O MML contava com o apoio de Spínola, mas o general não abriu a boca. Na tarde do dia 10, uma companhia de Comandos, oriunda do Niassa, reabriu o aeroporto e desocupou o Rádio Clube. Nas 48 horas que se seguiram, as autoridades da África do Sul e da Suazilândia facilitaram a passagem de mais de cinquenta mil brancos. No dia 12 chegou o almirante Vítor Crespo, investido pelo MFA como alto-comissário português. No dia 20, nove meses antes da independência, tomou posse o Governo de transição. A tranquibérnia teve como saldo centenas de mortos.

Seis semanas passadas, o fatídico 21 de Outubro, acção de agitprop pensada ao milímetro. Nesse dia, a partir do anoitecer, um vento de insânia varreu os bairros da periferia e todas as povoações num raio de vinte quilómetros. Por vento de insânia entenda-se casas pilhadas e incendiadas, mulheres violadas, crianças brancas penduradas em ganchos de talho, negros esquartejados, corpos decapitados, etc. Nos bairros burgueses da Maxaquene, Ponta Vermelha, Polana e Sommerschield, nada sucedeu. O aeroporto foi encerrado, mas as fronteiras com a África do Sul e a Suazilândia mantiveram-se abertas durante toda a noite. O número de mortos nunca foi oficialmente divulgado. A imprensa afecta à Frelimo falou de cem. Médicos e enfermeiros terão identificado para cima de dois mil.

Face a tudo isto, não admira que o réveillon fosse encarado com todas as precauções. Foi então que um amigo, o Américo Rola Pereira, decidiu organizar uma passagem de ano a bordo de um dos ferry boats que faziam a ligação com a Katembe. Fretou-o, e o barco partiu do cais da Fazenda às oito da noite, ficando a vogar na baía até à manhã seguinte. Quem quisesse regressar a casa mais cedo podia fazê-lo num gasolina destinado para o efeito.

Não sei se foi o último baile do Império, mas foi assaz divertido. Duas “orquestras” revezaram-se, o catering era bom e todos nós, embora conscientes da débâcle, estivemos distendidos nessa noite esplêndida.

O réveillon de 1975 já foi no Estoril.

Na imagem, Lourenço Marques vista da praia da Katembe. Clique.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

CONTO DE NATAL


Escrevi este conto de Natal em 2008, para o volume colectivo Um Natal Assim. Transcrevo alguns breves excertos:

«João Pedro tinha apenas doze anos mas sabia exactamente o que queria. E o que queria era passar o Natal longe do pai. O pai nunca lhe tinha feito mal. Pelo contrário. Quando estava em casa dele, o que sempre acontecia no início das férias grandes, logo a seguir aos exames, o pai até o deixava assistir aos treinos de esgrima. E uma das coisas de que João Pedro gostava era de brincar sozinho com os floretes. Vestia a elegante jaqueta acolchoada que lhe ficava a dançar no corpo, punha a máscara metálica (que bem se via através dela) e zurzia o ar. Um dia, apanhado em flagrante pelo Mustafá, golpeou a bonita otomana forrada de chintz que ocupava o canto poente do escritório. Mas o ajudante de motorista fez de conta. Entrou e saiu calado, sorriso enigmático nos lábios, depois de recolher um dossier em pele de crocodilo que o pai deixara esquecido em cima do tampo da secretária. [...]

Repetir a experiência do último Natal com o pai era o que menos lhe interessava. Dessa vez, para impressionar uns suíços de visita à plantação, o pai tinha organizado um safari numa reserva selvagem que a companhia mantinha, em regime de coutada privada, trezentos quilómetros a norte. As avionetas andaram toda a manhã num corrupio entre a plantação e Mokaputa. João Pedro não tinha memória de um Natal tão quente. As ventoinhas de pá dos bungalows e do pavilhão principal de nada valiam. Um bafo pegajoso tomava conta de tudo. João Pedro lembrava-se de ver os jarros cheios de mazagrã a embaciarem em cima dos sideboards de pau-rosa e latão.

Mokaputa estava preparada para receber convidados. Em número de seis, os bungalows alinhavam-se cerca de cem metros à esquerda do pavilhão principal, uma construção maciça dominada pelo imponente tecto de colmo. Era lá que ficava o escritório da administração e a casa-forte das armas, instalada na pequena cave equipada com transmissores de rádio. No outro extremo do piso térreo ficava a cozinha, a copa, três despensas e a garrafeira. O átrio que separava o escritório da administração dessa área de serviço tinha o pé-direito alto e uma escada de madeira que levava ao mezanino. Tal como João Pedro sempre o conhecera, era igual a muitas salas de leilão: tapetes, duas estantes, sofás, cadeirões, banquetas, mesinhas, candeeiros, vasos de porcelana chinesa, tudo desirmanado, numa desordem não isenta de conforto. João Pedro gostava especialmente de uma cadeira em aço e pele, com as costas inclinadas, onde costumava sentar-se a olhar o tecto e a sonhar com trapezistas. No mezanino ficava o bar e a varanda interior utilizada para almoços e jantares.

O pequeno-almoço era servido muito cedo, ao ar livre. Para obviar ao cacimbo, a mesa era posta debaixo de um grande toldo de lona. João Pedro lembrava-se como se tivesse sido na véspera: o grito irrepetível de Cosima Fürchtegott quando vira surgir da vegetação uma leoa rugindo sottovoce. O enfado da bicha era evidente, mas, com o imprevisto e o susto, por um triz João Pedro não cuspiu o porridge. Hieráticos, Mauser em riste, dois sipaios zelavam no corredor de gravilha que os separava da orla do mato onde o animal ensaiava uma coreografia de volteios. O pai riu-se. Tinha conseguido o efeito desejado. Quando regressassem à casa de Stresa, os Fürchtegott teriam muito que contar. João Pedro não achou graça ao episódio. E estava decidido a impedir que se repetisse. [...]»

Eduardo Pitta, O estratagema, in UM NATAL ASSIM, Lisboa: QuidNovi, 2008.

INTERCAMPUS


Se as eleições fossem hoje... Estudo da Intercampus para o Negócios e o Correio da Manhã.

As dezenas de candidatos a líderes do CDS têm pela frente a tarefa de decidir se o partido terá formato Uber ou MyTaxi. A alternativa já se percebeu qual será.

Clique no gráfico do Negócios.

domingo, 22 de dezembro de 2019

LIVROS 2019


Deixo aqui as minhas escolhas, acompanhadas de breves notas de leitura.

No Armário do Vaticano — Para dar a conhecer o dark side do Vaticano, o francês Frédéric Martel encarregou oitenta investigadores espalhados por cerca de quarenta países para entrevistaram mil e quinhentas pessoas. Ele próprio entrevistou 41 cardeais, 52 bispos, 45 núncios apostólicos, mais de 200 padres e seminaristas, além de embaixadores, adidos de imprensa, funcionários do Vaticano e membros da Guarda Suíça. Dividido em quatro partes, o livro aborda o pontificado de vários Papas, as lutas pelo poder, as correntes ideológicas, o predomínio da extrema-direita no pontificado de João Paulo II, a guerra movida por Roma aos defensores da Teologia da Libertação, as idiossincrasias da Igreja em África e na América Latina, a ‘ditadura’ da Congregação para a Doutrina da Fé, a vida dupla de centenas de padres de todos os escalões hierárquicos, os excessos do cardeal guineense Robert Sarah, a biografia mirabolante do cardeal colombiano Alfonso López Trujillo, corrupção e escândalos financeiros na Santa Sé, a reiterada indiferença de Bento XVI face aos relatórios sobre abuso de menores, a clínica Gemelli, onde altos dignitários da Igreja são discretamente tratados de Sida, o assédio sexual aos membros da Guarda Suíça, o outing do teólogo Krzysztof Charamsa, a protecção de padres pedófilos, a relação particular de Bento XVI com Georg Gänswein, seu secretário (sagrado arcebispo no dia em que Ratzinger renunciou ao Papado), e outros temas quentes. Um documento para a História. Publicou a Sextante.

Churchill. Caminhando com o Destino — O historiador inglês Andrew Roberts escreveu uma nova biografia de Churchill. O título remete para um discurso feito em 1940 pelo antigo primeiro-ministro britânico. Em cerca de mil e duzentas páginas, Andrew Roberts traça o retrato do maior estadista britânico de todos os tempos. Com a vantagem de, relativamente a anteriores biografias, divulgar informação até agora classificada. Imprescindível. Volume de capa dura, com portfolio fotográfico, notas e o indispensável índice onomástico. Publicou a Texto.

Regresso a Reims — A partir das suas origens proletárias, o sociólogo francês Didier Eribon, biógrafo de Foucault, analisa as relações no seio da família, a vergonha social, a construção de identidades e, tema central, a traição de classe. Mas também algumas das razões que levaram os operários franceses a trocar o Partido Comunista por Le Pen. A morte do pai serve de pretexto à catarse. Homossexual assumido, teórico da cultura gay, o autor regressa aos lugares da infância e adolescência para desatar o nó górdio dos equívocos. Não é amável. Publicou a Dom Quixote.

As Três Irmãs Soong — Depois de ter escrito as biografias de Tzu Hsi, a imperatriz viúva conhecida por Cixi, e a de Mao Tse-tung, a chinesa (naturalizada britânica) Jung Chang escreveu agora sobre a vida das três irmãs Soong: a mais velha, a mais nova e a vermelha. Educadas nos Estados Unidos, as três foram muito influentes em campos políticos opostos. A mais velha tornou-se uma das mulheres mais ricas da China e fez do marido primeiro-ministro. A mais nova casou com Chiang Kai-shek. E a vermelha foi vice-presidente de Mao. Jung Chang, que tem uma escrita aliciante, consegue fazer-nos mergulhar no universo da política chinesa. Muito bem documentado, o livro é um tour d’horizon pelo século XX, incluindo notas, portfolio fotográfico e, naturalmente, índice remissivo. Publicou a Quetzal.

Dunbar e As Suas Filhas — A mais negra tragédia familiar de Shakespeare, O Rei Lear, chega às nossas mãos em versão contemporânea. Quem o fez foi Edward St Aubyn, o romancista de língua inglesa mais fulgurante da sua geração (nasceu em 1960). Quem leu essa obra-prima absoluta que é o quinteto Melrose, sabe do que falo. Nascido e educado no seio das classes altas inglesas, St Aubyn conhece por dentro o âmago das relações de poder, dentro e fora da família. Transformar Lear em Henry Dunbar, 80 anos, CEO absoluto de uma multinacional de comunicação, assemelha-se muito ao retrato de Rupert Murdoch. Pode ser que seja. Admirável. Publicou a Bertrand.

Entre Silêncios. Poesia 1961-2018 — Poeta, ensaísta, ficcionista, dramaturga e tradutora, reconhecida como a nossa maior especialista em simbologia, Yvette K. Centeno reuniu a sua obra poética publicada entre 1961 e 2015, à qual acrescentou inéditos escritos até 2018. O registo próximo da sottovoce não isenta esta poesia de algum humor corrosivo. Preciosa edição, que nos devolve uma poeta que andava esquecida. Se não conhece, devia. Publicou a Glaciar.

Herman Melville. Ficção Curta Completa — Prosseguindo a sua criteriosa edição de clássicos, a E-Primatur deu este ano à estampa os contos e outros dispersos da ficção do autor de Moby Dick. Quem não conhece, pode ler aqui os seis Contos da Piazza, que ocupam 245 das 591 páginas do volume. Uma dúzia de textos agora publicados conhece a sua primeira versão em português.

O Triângulo Mágico — Cesariny teve mais sorte que alguns dos seus pares já biografados. António Cândido Franco, professor de linguistica e literatura na Universidade de Évora, biógrafo de Agostinho da Silva, fez a tão esperada biografia do poeta e pintor. Numa narrativa de cunho próprio, isenta de hagiografia, Franco não deixa de fora aspectos melindrosos da vida privada, bem como nenhum dado importante da vida pública de Cesariny. A história do Grupo Surrealista de Lisboa encontra-se muito bem documentada. O volume inclui quadro genealógico, Portaló, doze capítulos, um epílogo, vários anexos, portfolio fotográfico, índice de abreviaturas e uma extensa tábua bibliográfica activa e passiva. O autor conheceu pessoalmente o seu biografado e teve acesso a importantes acervos de correspondência, tendo conversado com testemunhas idóneas. Leitura obrigatória por parte de quem se interessa pelo biografado. Publicou a Quetzal.

Obra Reunida de Manuel de Lima — Quase ninguém se lembra hoje de Manuel de Lima (1915-1976), escritor, musicólogo, crítico e artista plástico. Devemos a Vladimiro Nunes o volume em que sua obra completa foi reunida. A vida errática afastou-o dos círculos dominantes, e o exílio na Venezuela “apagou-o” da vida literária portuguesa. Cumulativamente, João Gaspar Simões e Óscar Lopes, gurus da crítica, não gostavam dos seus livros. Absurdizante, diziam. Era demasiado humor negro e nonsense para os hábitos indígenas. Além dos quatro livros, o volume inclui uma extensa e muito esclarecedora introdução de Vladimiro Nunes, retratos, desenhos, correspondência, fac-símiles de manuscritos, da certidão de nascimento e do assento de óbito, bem como reproduções de pinturas suas que fazem parte do espólio do Museu Carlos Machado, de Ponta Delgada. O careca evidente decerto gostaria deste resgate. Publicou a Ponto de Fuga

Leonardo da Vinci — Coube ao americano Walter Isaacson, professor de História, fazer a biografia de Leonardo. Trabalho ambicioso, respeitador do protocolo académico, porém escrito de forma a interessar o leitor comum. Além das ilustrações a cores (mais de uma centena), o volume inclui explicação sobre um pormenor do retrato escolhido para a capa, relação biográfica dos principais personagens, cronologia do biografado, sessenta páginas de notas, bibliografia e índice remissivo. Ao longo de trinta e três capítulos, a vida de Leonardo flui com naturalidade, desde o seu nascimento em 1452, até à sua morte em 1519. Isaacson não omite nada: nem a condição homossexual, assumida sem complexos, nem os crónicos problemas de dinheiro do homem que fez A Última Ceia, a pintura mais reproduzida de todos os tempos. Notável. Publicou a Porto Editora.

sábado, 21 de dezembro de 2019

ELSA & MAAT


Inaugurado há três anos, o MAAT — Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia, da EDP — não resistiu à depressão Elsa. Não se compreende. As cheias do Douro podem ter sido as maiores desde 2006, mas em Lisboa foi uma tarde e uma noite de Inverno igual a tantas. Complicada pelos estorvos da mobilidade, sem dúvida, mas já vi muito pior.

As medidas de precaução tomadas pelas autoridades (como a supressão das carreiras fluviais entre Lisboa e a margem Sul entre as 16:00 de quinta-feira e as 08:00 de sexta, restrições nas duas pontes, etc.) só se compreendem à luz da síndrome Pedrógão. Admitamos que mais vale prevenir que remediar.

O que se passou no MAAT é bizarro. O viaduto de 124 metros que passa por cima da Avenida da Índia, ligando o museu ao Largo Marquês de Angeja, ficou intacto. Mas a pala da entrada principal ruiu. Estamos a falar de um edifício alegadamente construído com a crème de la crème da tecnologia, por dezassete milhões de euros. Espero que a sinóloga italiana Beatrice Leanza (a directora do museu que sucedeu a Pedro Gadanho) peça responsabilidades à arquitecta britânica Amanda Levete.

Para já, sabe-se que o museu só reabre a 27 de Março, embora a Central Tejo, que faz parte do núcleo do MAAT, continue aberto. Curiosamente, na Central Tejo, que tem mais de cem anos, nem uma chaminé abanou.

Clique nas imagens.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

DONE


Por 358 votos a favor e 234 contra, o Parlamento britânico aprovou ao princípio da tarde a Lei que permite o Brexit.

Seis deputados do Labour votaram ao lado do Governo e 32 abstiveram-se.

O documento aprovado inclui mudanças significativas relativamente aos projectos sucessivamente chumbados de Theresa May, mas também relativamente aos diplomas que Boris Johnson apresentou em Setembro e Outubro.

Antes das eleições, visando conseguir o apoio da Oposição, o primeiro-ministro fez concessões que foram retiradas do diploma hoje aprovado. Entre outras:

— Os deputados perderam o direito de aprovar uma extensão do período de transição, possibilidade (a extensão) que fica agora proibida.
— Desapareceram as cláusulas que, em matéria laboral e de direitos dos trabalhadores, garantiam alinhamento do Reino Unido com a UE.
— O Governo fica com novos poderes para legislar sobre a Irlanda do Norte.

Foi no que deu a esquizofrenia da legislatura anterior.

Clique na imagem do Guardian.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

PIOR DO QUE CÁ


Foi divulgado um estudo do Governo espanhol sobre a prontidão dos serviços sociais aos pedidos de apoio a dependentes.

O prazo de espera varia de comunidade autónoma para comunidade autónoma. A média das comunidades corresponde um mínimo de 70 dias de espera em Ceuta, e a um máximo de 785 dias (mais de dois anos) nas Canárias.

Na fila de espera, neste momento, estão 423 mil pessoas, sobretudo idosas. Quatrocentas e vinte e três mil.

As desgraças dos outros não nos servem de consolação, mas, neste como noutros domínios, não vale a pena argumentar com o tradicional... só aqui.

Clique no gráfico de El País.

WESTMINSTER, AGAIN


Eram 11:30 quando Isabel II abriu a nova legislatura, desta vez sem coroa.

Prioridades: Brexit e NHS (o Serviço Nacional de Saúde), que terá um reforço de 33,9 mil milhões de libras. O sistema judicial será profundamente revisto, tal como a Defesa, o intelligence e os serviços de segurança tout court. As alterações constitucionais previstas vão alterar a face do Reino Unido tal como o conhecemos.

Na imagem do Independent, Carlos, príncipe de Gales, conduz a rainha. Clique.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

E NINGUÉM FAZ NADA?

Portugal é o país membro da OCDE com mais casas por cada mil habitantes (o Reino Unido tem metade).

Mas 735 mil estão vazias. As casas vazias representam 12,5% do parque habitacional português. Estes dados constam de um estudo agora divulgado.

O que espera o Estado para expropriar as casas vazias? A medida não tem nada de extravagante. E até constava da 1.ª versão da Lei da Habitação, vulgo Lei Roseta, que o PS propôs e depois emendou.

FERNANDO LEMOS 1926-2019


Fernando Lemos morreu ontem em São Paulo. Tinha 93 anos. Fotógrafo, poeta, desenhador, artista gráfico, pintor e designer, Lemos foi ainda docente na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

O álbum Eu Sou Fotografia, editado pelo Centro de Estudos do Surrealismo da Fundação Cupertino de Miranda, colige os melhores retratos, feitos entre 1949 e 1952, de Jorge de Sena, Alexandre O’Neill, Mário Cesariny, Alberto de Lacerda, Glicínia Quartin, José Cardoso Pires, Sophia de Mello Breyner Andresen, Arpad Szenes, Maria Helena Vieira da Silva, José-Augusto França e outros.

É autor de cinco livros de poesia: Teclado Universal (1952), Teclado Universal e Outros Poemas (1963), Cá & Lá (1985), O Silêncio é dos Pássaros (2001) e Pegadas na Paisagem (2013). Estes livros foram reunidos em volume único, Poesia, publicado em Junho de 2019.

Por razões políticas, expatriou-se no Brasil em 1953, país onde permaneceu até ao fim da vida, adquirindo dupla nacionalidade. Entre 1956 e 75 colaborou com o jornal Portugal Democrático, órgão da imigração anti-fascista, no qual também colaboravam Sena e Adolfo Casais Monteiro.

O documentário Fernando Lemos. Como, não é retrato? (2017), de Jorge Silva Melo, é porventura a mais tocante abordagem que conheço da obra e do homem.

Clique na imagem.

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

LÁ COMO CÁ


Giuseppe Conte, primeiro-ministro de Itália, tinha sempre na ponta da língua a estabilidade, a boa saúde, como ele diz, do sistema bancário italiano. Ainda há três dias o apregoava.

Nós por cá sabemos como foi: Cavaco e Passos disseram o mesmo a semanas da implosão do BES.

Agora, Conte está por um fio. A falência do Popolare di Bari levou o Governo, contra a opinião dos três parceiros de coligação, a injectar cerca de mil milhões de euros no banco. Nada que se compare com os cinco mil milhões de euros injectados em 2016 no Monte dei Paschi di Siena (era Gentiloni primeiro-ministro), mas, em todo o caso, um ónus para os contribuintes.

Infelizmente, não é caso isolado. Nos últimos sete anos, será o 4.º ou o 5.º banco italiano alvo de resgate por parte dos sucessivos governos.

Clique na imagem do La Repubblica.

NONSENSE

Desde sempre, e de forma violenta entre 2008 e 2016, a Direita não se cansou de bramar contra o alegado despesismo dos executivos PS. A “bancarrota“ de 2011 deveio mantra da esquizofrenia índigena.

Convém não esquecer que sem o chumbo do PEC IV não teria havido necessidade de intervenção externa. E que esse chumbo resultou da coligação BE-PCP-PEV-PSD-CDS. Até Merkel, que apoiava o documento, achou deplorável.

E agora que o OE 2020 está na calha, todos invectivam as “cautelas” de Centeno. O mais extraordinário é que o excedente orçamental, o primeiro em muitas décadas, tenha virado crime de lesa Pátria.

Há pouco, em conferência de imprensa, o ministro foi peremptório — «As escolhas são muito claras: SNS, redução da pobreza, jovens, desafio demográfico e investimento. Se quisermos alterar estas prioridades, temos de apresentar alternativas

Significa isto que estou satisfeito com aquilo que se conhece do OE 2020? Na parte que me toca mais directamente (a pensão e os impostos), não, não estou satisfeito. Mas os herdeiros de Medina Carreira deviam estar. Não era isto que eles queriam?

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

MONSIEUR RETRAITES


Jean-Paul Delevoye, o alto-comissário que desenhou a unificação do sistema de pensões francês, visando acabar com os 42 subsistemas existentes, abandonou hoje o cargo.

Não o fez por causa da tranquibérnia geral, mas por não ter declarado à Alta Autoridade para a Transparência da Vida Pública que exercia outros cargos remunerados.

Delevoye, que não faz parte do Governo, foi escolhido por Macron para virar do avesso a Segurança Social francesa: aumentar a idade da reforma para 64 anos, alterar o cálculo das pensões dos funcionários públicos, acabar com os privilégios dos trabalhadores do sector estatal dos transportes, etc.

Quando é que os europeus adoptam o sistema norte-americano de verificar previamente tudo (mas mesmo tudo) o que se relaciona com a vida dos candidatos a cargos públicos? Evitavam-se estas trapalhadas.

Clique na imagem.

POPULISMO VENCE

Maria Flor Pedroso, directora de informação da RTP, demitiu-se esta manhã, por não ter condições para a prossecução de um trabalho sério, respeitado e construtivo.

O Conselho de Administração aceitou a decisão e, em comunicado, sublinhou a qualidade do trabalho desenvolvido de forma dedicada, competente e séria de Maria Flor Pedroso, jornalista de idoneidade e currículo irrepreensível.

Lamentável.

domingo, 15 de dezembro de 2019

MARIA FLOR PEDROSO


A violenta campanha orquestrada pela Direita contra Maria Flor Pedroso, directora de informação da RTP, encontrou resposta por parte da classe a que pertence.

Até ao momento, cerca de 120 profissionais assinaram um documento de apoio à jornalista:

«Confrontados com o grave ataque público à integridade profissional da jornalista Maria Flor Pedroso, os jornalistas abaixo-assinados não podem deixar de tomar posição em sua defesa, independentemente das questões internas da empresa onde é diretora de informação, que manifestamente nos ultrapassam. Maria Flor Pedroso é jornalista há mais de 30 anos, sem mácula [...] uma jornalista exemplar reconhecida e respeitada pelos pares, defensora irredutível do jornalismo livre, rigoroso, sem cedências ao mediatismo, a investigações incompletas ou à pressão de poderes de qualquer natureza...»

Entre os signatários encontram-se Adelino Gomes, Ana Sousa Dias, Anselmo Crespo, António Borga, Carlos Andrade, Cesário Borga, Cristina Ferreira, Fernando Alves, Francisco Sena Santos, Goulart Machado, Henrique Monteiro, João Garcia, João Paulo Guerra, José Carlos Vasconcelos, José Mário Costa, José Pedro Castanheira, José Silva Pinto, Luísa Meireles, Nicolau Santos, Ricardo Costa, Rui Pêgo, São José Almeida e Sérgio Figueiredo.

Clique na imagem.

ANNA KARINA 1940-2019


Vítima de cancro, morreu a noite passada a actriz e cantora Anna Karina, musa de Godard, símbolo da nouvelle vague e referência do cinema francês dos anos 1960 e 70.

Além de Godard, com quem fez oito filmes, entre eles Une femme est une femme (1961), Vivre sa vie (1962) e Pierrot le Fou (1965), Anna Karina trabalhou com Rivette, Varda, Fassbinder, Vadim, Zurlini, Visconti, Cukor, Richardson, Delvaux, Ruiz e outros.

Nascida Hanne Karin Bayer, na Dinamarca, país onde teve vários empregos antes de ser modelo e cantora de cabaret, mudou o nome de nascença quando chegou a Paris. A sugestão partiu de Coco Chanel, com quem trabalhou. Ainda na Dinamarca, foi (aos 17 anos) o rosto da publicidade aos sabonetes Palmolive. Quem a descobriu para o cinema foi Godard, um dos seus quatro maridos. Assim que se conheceram convidou-a para À bout de souffle (1960), mas ela recusou.

Como cantora, ficaram famosas as canções que gravou com Serge Gainsbourg.

Tendo trabalhado como actriz em cinema, teatro e televisão, ainda arranjou tempo para escrever e publicar, entre 1973 e 1998, quatro romances.

Tinha 79 anos.

Clique na imagem da Cinemateca Francesa.