terça-feira, 28 de novembro de 2017

HARRY


Soube-se ontem que o príncipe Harry vai casar na próxima Primavera com a actriz americana Meghan Markle. Os tablóides não têm poupado a futura duquesa de Sussex: além de estrangeira, é actriz, divorciada, mais velha que o príncipe, mestiça (a mãe é afro-americana), bisneta de um escravo, etc. Do outro lado da barricada, estudiosos de heráldica descobriram que a bisavó paterna de Ms Markle era descendente de John Hussey, 1.º Barão Hussey de Sleaford, mandado decapitar por Henrique VIII, e grande proprietária de terras. Isto é como as bichas do Bric: eram todas descendentes de Luís XIV. Algumas andam por aqui.

Clique na imagem do Guardian.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

TAMBÉM TU, URKULLU?

O Euzkadi Buru Batzar, órgão máximo do Partido Nacionalista Basco, tornou público o memorando da mediação conduzida por Iñigo Urkullu, presidente do Governo Basco, entre a Generalitat e Rajoy. Puigdemont não sai bem no retrato. Tudo começou a 19 de Julho, quando Rajoy recebeu Urkullu na Moncloa. Detalhes esquizofrénicos sobre a abortada convocatória de eleições: num espaço de poucas horas (em 26 de Outubro), Puigdemont disse e desdisse. Cartas para Juncker e Tusk que ficaram sem resposta. Um contacto com Matteo Zuppi, arcebispo de Bolonha, homem forte do Vaticano, para eventual mediação papal: a Santa Sé recusa categoricamente. O silêncio de Junqueras em todo o processo. A importância do discurso do rei. A percepção, face à opinião pública catalã, de que Puigdemont cometeu traição. A frase fatal antes da fuga: «Tengo una rebelión. No puedo aguantar

Entretanto, ontem, entrevistado por Henrique Cymerman para o programa Zman Emet, da estação israelita Canal 1 Kan, Puigdemont disse que tenciona propor aos catalães a saída da União Europeia se ela continuar a ser... «Um conjunto de países decadentes e obsolescentes, onde só alguns contam, uma confederação de interesses económicos cada vez mais discutíveis, com vários pesos e medidas para situações iguais. A Catalunha devia votar se aceita isto.» O homem ainda se julga o dono do pedaço.

sábado, 25 de novembro de 2017

25 DE NOVEMBRO


Como eu vivi o 25 de Novembro de 1975. Deixo aqui o excerto de uma passagem mais longa das minhas memórias:

[...] Passei o dia no Estoril, a tal ponto alheado dos acontecimentos que fui com o Jorge jantar a Lisboa e a seguir ao cinema. O Galeto teria talvez uma dúzia de clientes, mas no primeiro balcão do Império éramos os únicos espectadores. Só no comboio de regresso a casa soubemos do recolher obrigatório. O passeio impediu que tivéssemos visto Duran Clemente a ser substituído por Danny Kaye — The Man from the Diner’s Club foi o sinal inequívoco de que o PREC tinha acabado.

Com a imprensa nacionalizada desde a intentona de 11 de Março de 1975, o Governo impôs um período de nojo. Não se publicaram jornais durante mais de quinze dias. Quem quisesse saber o que se passava em Portugal, ouvia a BBC ou comprava o Monde.

A excepção era o Expresso, que durante dois meses (entre 5 de Novembro de 1975 e 7 de Janeiro de 1976) foi bissemanário, saindo às quartas e sábados. A edição extra era feita por Vicente Jorge Silva e Helena Vaz da Silva. Dos restantes, o primeiro a reaparecer foi o Diário Popular, que voltou à rua a 11 de Dezembro, mantendo Jacinto Baptista na direcção. Nesse mesmo dia começou a publicar-se um jornal ultra-conservador, O Dia, dirigido por Vitorino Nemésio. O Diário de Notícias esteve fechado praticamente um mês, voltando às bancas a 22 de Dezembro. Victor Cunha Rego era o director, e Mário Mesquita o adjunto. Vasco Pulido Valente entrou como colunista. O essencial do que lá escreveu está coligido num volume que «não [lhe] trouxe senão amargura».

Entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975, o Diário de Notícias fora porta-voz do Partido Comunista. Depois do saneamento dos 24, a direita lançou um slogan tonitruante: «O diário é do povo, não é de Moscovo!» Luís de Barros, marido de Maria Teresa Horta, era o director, mas quem de facto mandava era Saramago.

A contra-revolução não surpreendeu ninguém. O detonador foi a demissão de Otelo Saraiva de Carvalho do comando da Região Militar de Lisboa. Vasco Lourenço, que o substituiu, pôs um travão nas veleidades da extrema-esquerda militar e civil. Ao mesmo tempo, Soares induziu Pinheiro de Azevedo a cessar funções, dando origem à greve do Governo, com início a 19 de Novembro. Ministros e deputados trocaram Lisboa pelo Porto. Francisco Sá-Carneiro estava na RFA. A Constituinte suspendeu os trabalhos por oito dias.

Para quem estava de fora, a história conta-se numa frase: Soares e os militares moderados fizeram abortar a Comuna de Lisboa, pondo fim a dezanove meses de excessos. Se quisermos ver as coisas com distanciação histórica, diremos, com Jorge Silva Melo — «ao deixar Soares ser apoiado pela direita a partir da Alameda, é o 25 de Novembro que nasce». Vale a pena meditar. [...]

Eduardo Pitta, Um Rapaz a Arder, Lisboa: Quetzal, 2013.

BALANÇO


Nestes dois anos que leva de primeiro-ministro, António Costa conseguiu tudo o que em Novembro de 2015 parecia impossível.

A saber: a sociedade, crispada até ao paroxismo, distendeu; a paz social tem sido uma constante; o respeito internacional impôs-se (sirva de exemplo a eventual candidatura de Centeno à presidência do Eurogrupo); o sistema financeiro interrompeu a marcha para o abismo; a economia deu o maior salto dos últimos 50 anos; atingiu-se o défice mais baixo desde 1973; o PIB aumentou; o desemprego regressou ao nível de 2008; as obrigações do resgate têm sido aliviadas com pagamentos adiantados ao FMI; o país saiu do procedimento por défice excessivo; a Standard & Poor’s retirou Portugal do patamar de notação mais baixo; funcionários públicos e pensionistas libertaram-se do garrote do Governo PSD/CDS; foram revogadas leis ominosas do período 2011-15; as eleições autárquicas foram um barómetro eloquente; o apoio parlamentar do BE, do PCP e do PEV tem sido irrepreensível. Assim por alto é do que me lembro.

Mas não convém deitar foguetes. Uma trapalhada como a da putativa transferência do Infarmed pode deitar tudo a perder.

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

PEDRO ROLO DUARTE 1964-2017


Vítima de cancro no estômago, morreu hoje o jornalista e editor Pedro Rolo Duarte. Tinha 53 anos. Conheci-o nos tempos do DNA, onde colaborei, e guardo dele uma grata recordação. À família, os meus sentimentos.

INFARMED, AGAIN

Cada cavadela sua minhoca. Entrevistado esta manhã pela Antena 1, o primeiro-ministro revelou que a transferência do Infarmed para o Porto fazia parte da candidatura da cidade para receber a Agência Europeia do Medicamento. Ora aí está uma informação desconhecida, até hoje, pelos trabalhadores do Infarmed e pela opinião pública. Porquê o secretismo?

Já agora: como a EMA vai para Amesterdão, o Pacote Invicta mantém-se?

António Costa reconheceu o gap comunicacional, e disse ainda:

«Pondo-me na posição de um funcionário do Infarmed, encararia a mudança com tranquilidade, quer porque a Lei me protege relativamente aos meus direitos quanto à mobilidade, quer porque sei que tenho seguramente uma administração e um Governo que saberá dialogar para encontrar as melhores soluções, para que o Porto possa ter o Infarmed e eu possa ter boas condições para, no Infarmed ou noutro serviço, poder continuar a desempenhar a minha actividade

Alguém anda a tramar o PM.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

LEWIS & ALMADA


Hoje na Sábado escrevo sobre Isso Não Pode Acontecer Aqui, de Sinclair Lewis (1885-1951). A inesperada eleição de Trump desenterrou este livro esquecido do autor. Como os factos provaram, pôde. Publicado em 1935, o romance antecipa o folclórico modus operandi da actual administração americana. Berzelius Windrip, personagem inspirada na figura de Huey Long, governador da Louisiana, é uma antevisão de Donald Trump, «o homem certo para fazer retroceder os espiões judeus, sujos e ladrões que se fazem passar por liberais americanos!» É só trocar ‘espiões judeus’ por ‘membros do Daesh’ para aceder à realidade. Roosevelt, derrotado pela oratória de Berzelius Windrip em prol dos valores tradicionais e dos anseios dos trabalhadores ignorados pelas elites, faz as vezes de Hillary Clinton. Também há jornalistas liberais que não largam as canelas do novo presidente: Doremus Jessup é um deles. (Quando o livro saiu, toda a gente viu no personagem o retrato de um influente repórter.) Berzelius Windrip acusa a imprensa de inventar mentiras a reboque da retórica dos intelectuais liberais, o jogo sujo da democracia parlamentar e os políticos ‘profissionais’. Um livro profético? Tudo indica que sim. A escrita elegante e irónica de Sinclair Lewis faz uma grande angular sobre a América do pós-New Deal, que o mesmo é dizer uma crítica mordaz das sequelas do capitalismo selvagem, das corporações dominantes (indústria militar incluída) e dos interesses de casta. O busílis não se resume à política interna. Em 1935, o nazismo estava no auge e a possibilidade de atravessar o Atlântico preocupava os democratas: «Tal como sucedera anteriormente com Hitler e Mussolini, Windrip & C.ª tinham descoberto [a forma de] controlar cada artigo de imprensa.» Sinclair Lewis sabia do que falava. A mulher tinha entrevistado Hitler durante uma viagem à Alemanha, bem como Huey Long (enquanto candidato às Primárias), e as idiossincrasias de ambos foram o detonador do plot. O que impressiona é a nitidez do decalque com 80 anos de intervalo. O lado paródico tem páginas deveras bem conseguidas, graças sobretudo aos militares e aos serviços secretos. Este romance distópico foi adaptado ao teatro, ao cinema e à televisão. Quatro estrelas. Publicou a Dom Quixote.

Escrevo ainda sobre Raparigas Mortas, de Selva Almada (n. 1973), livro que tem o femicídio como tema central. A escritora argentina usou três casos verídicos para ilustrar o crime de género que tem por objecto o assassinato de mulheres. O livro é narrado na primeira pessoa. Estamos no domínio da não-ficção em formato romance, método que tem o seu epítome em Truman Capote. A escrita é lapidar: «uma única punhalada no coração quando ela estava a dormir. Como se a própria cama fosse a pedra dos sacrifícios.» Foi assim que Andrea Danne morreu. Tinha 19 anos. Maria Luísa Quevedo foi violada, estrangulada e abandonada num baldio. Tinha 15 anos. Sarita Mundín esteve desaparecida nove meses até que o seu esqueleto apareceu nas margens de um rio. Tinha 20 anos. Selva Almada intercala no relato parte da sua biografia, bem como episódios de bestialidade masculina: «penetraram-na os dois, cada um por sua vez, várias vezes. E quando as vergas se fartaram, continuaram a violá-la com uma garrafa.» Afinal, ela não passava de uma «aquece-braguilhas». Aconteceu na Argentina, nos anos 1980. Continua a acontecer. Cinco estrelas. Publicou a Dom Quixote.

A VIDA COMO ELA É


Reunidos ontem em plenário, 97% dos funcionários do Infarmed manifestaram-se indisponíveis para ir para o Porto, mesmo com incentivos Os questionários individuais já estão nas mãos do ministro da Saúde.

A imagem é do Expresso. Clique nela.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

PRISÃO PERPÉTUA


Acusado de genocídio, extermínio, assassinato e perseguição de populações civis, Ratko Mladić foi hoje condenado a prisão perpétua pelo ICTY — International Criminal Tribunal for the former Yugoslavia. Mladić, hoje com 74 anos, ficou conhecido como o açougueiro da Bósnia depois do massacre de Srebrenica, ocorrido em Julho de 1995, no qual morreram mais de oito mil bósnios. Estava preso na Holanda desde Maio de 2011.

Por decisão das Nações Unidas, votada em 2015, esse assassinato em massa ordenado por Mladić é considerado genocídio.

INFARMED


Disclaimer: é-me indiferente que a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde esteja sedeada em Lisboa ou na Alpendurada. Isto dito, vamos ao que interessa. Quando ontem, alegadamente às 08:35 da manhã, o ministro da Saúde telefonou ao Presidente da Câmara do Porto para lhe dizer que, a partir de Janeiro de 2019, o Infarmed seria transferido para o Porto, apanhou toda a gente de surpresa (até o primeiro-ministro, segundo consta). A presidenta do Infarmed, Maria do Céu Machado, terá sabido minutos antes. Os funcionários da casa souberam pela imprensa. A indústria farmacêutica, idem. Os outros ministros, idem.

A ideia de Adalberto Campos Fernandes será a de criar dois pólos: a sede no Porto, e uma delegação em Lisboa que asseguraria 30% das actuais competências do Infarmed. Para o Porto seriam transferidos 350 funcionários, ficando em Lisboa cerca de 50. Tudo isto é muito bonito, e pôs Rui Moreira em ponto de rebuçado, mas como os funcionários públicos não podem, contra sua vontade, ser transferidos para mais de 50 quilómetros da sua residência, é preciso cortar o nó górdio.

A Federação de Sindicatos da Administração Pública foi clara: «É uma situação caricata. Não é possível obrigar os trabalhadores a mudar para 300 quilómetros de distância da residência.» Acresce que Maria do Céu Machado não vê como possa ser feita a escolha de uns e de outros, «porque as pessoas trabalham em conjunto

Recrutar funcionários no Porto parece-me a solução mais prática, embora um concurso público dessa natureza leve, no mínimo, 18 meses (sem recursos). Transferir um serviço público não é o mesmo que transferir uma galeria de arte. Passando por cima disto tudo, sobra o detalhe da habitação (decisivo na escolha da EMA), porque a maioria dos portugueses estão amarrados a hipotecas de casas, factor que muito prejudica a mobilidade de profissionais de todas as áreas. Mais: os maridos e as mulheres dos funcionários do Infarmed demitem-se dos respectivos empregos para acompanharem os cônjuges?

Hoje há plenário de trabalhadores indignados com o voluntarismo do ministro da Saúde. Aguardar os próximos capítulos.

terça-feira, 21 de novembro de 2017

JOGO DE SOMBRAS


Era neste edifício de Jean Nouvel, a Torre Agbar, que a edilidade de Barcelona tencionava instalar a Agência Europeia do Medicamento. O facto de lá estar a funcionar a Companhia das Águas da cidade é um pormenor descartável. Ada Colau, a alcaldesa da capital catalã, no melhor espírito aqui quem manda sou eu, ofereceu a torre icónica na convicção de deslumbrar este mundo e o outro. Agora, face à escolha de Amesterdão, andam todos (em Barcelona) a arrancar os cabelos uns aos outros, com acusações mútuas de boicote.

A DUI é o pretexto mais enfático, mas, com DUI ou sem DUI, nenhuma cidade situada fora do eixo Bruxelas/Berlim teria condições de ser escolhida. Barcelona gastou milhões numa candidatura tão mirífica como a do Porto, que não sei quanto gastou, mas terão sido centenas de milhares de euros, que faziam mais falta para requalificar toda a área da Campanhã, entre outros exemplos possíveis.

Se Rui Moreira, o presidente da Câmara do Porto, fosse inteligente, teria percebido, no dia em que Lisboa desistiu, que tudo não passava de um jogo de sombras.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

EMA

Quem vai acolher a sede da EMA — Agência Europeia do Medicamento — é Amesterdão.

Depois da primeira volta em que Milão venceu com 25 votos, ficando Amesterdão e Copenhaga empatadas com 20 votos cada, a segunda volta manteve o empate nas capitais da Holanda e da Dinamarca, com 13 votos cada, descendo Milão para 12. Em vez de terceira volta, houve sorteio, ganhando Amesterdão.

Números da 1.ª volta: Milão, 25 votos / Amesterdão, 20 / Copenhaga, 20 / Bratislava, 15 / Barcelona, 13 / Estocolmo, 12 / Porto, 10 / Bucareste, 7 / Varsóvia, 7 / Bruxelas, 5 / Helsínquia, 5 / Viena, 4 / Bona, 3 / Lille, 3 / Sófia, 3. Atenas, Dublin, Malta e Zagreb desistiram de concorrer.

Se tinha de ganhar uma cidade do eixo Bruxelas/Berlim, para quê a encenação das candidaturas?

PESADELO


E se, nas próximas presidenciais, o Brasil cair no colo de Jair Bolsonaro? Há um ano, isto era ficção científica. Hoje é uma probabilidade consistente. Ao pé de Bolsonaro, Trump é um estadista social-democrata. Membro da Câmara dos Deputados, Bolsonaro, 62 anos, católico, militar na reserva, defensor declarado da ditadura militar (1964-85) e da tortura, homofóbico, anti-feminista, anti-aborto, xenófobo, sucessivamente multado pelo teor das suas declarações incendiárias. Numa sessão do Congresso, em 2014, declarou não estuprar uma deputada porque ela nem para isso servia.

Este homem sinistro tem 20% nas intenções de voto. Nos seus discursos, Bolsonaro repete que os artistas, os gays e as feministas promovem a pedofilia e a zoofilia; que as universidades são dominadas por patrulhas marxistas; e que obras imorais devem ser retiradas dos museus.

Uma exposição queer, realizada em Porto Alegre, foi fechada por pressão sua, exercida sobre Gaudêncio Fidelis (o organizador) e o Banco Santander (mecenas). Gaudêncio Fidelis está a ser investigado pela polícia, tal como o director do Museu de Arte Moderna de São Paulo, a pretexto da imoralidade de obras expostas. Caetano Veloso é outro alvo.

Bolsonaro está por trás do Movimento Brasil Livre, formado por jovens que defendem o liberalismo económico, a prisão de Lula e Dilma, e uma catarse moral. Usam as redes sociais para difundir campanhas contra artistas, intelectuais, professores e jornalistas. Referindo-se a gays e feministas, uma das frases preferidas de Bolsonaro é: «Eles merecem ser baleados».

Na imagem, uma manif de repúdio pela presença de Judith Butler no Brasil.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

EUROSONDAGEM


Maioria de Esquerda = 55,6%. Sozinho, o PS ultrapassa a PAF em 5%. Clique na imagem do Expresso para ler melhor.

ARY

Brevíssima Antologia da Poesia Com Certeza
J.C. ARY DOS SANTOS / 1973

Morramos todos por isso
Mais por isto e por aquilo:
no açougue do toutiço
a poesia morre ao quilo.
/
Carne gorda carne magra
raramente entremeada
com açorda com vinagre
poucas vezes com mostarda
cheira mal diz a comadre
cheira bem fareja o frade
e logo responde o padre
em tom de falso derriço:
Morramos todos por isso
atados como o chouriço!
/
Só a textilopoesia
nesta meada das letras
muitas vezes desenfia
um colar de contas pretas:
Dona Ernesta vai à missa
toda bordada a missanga;
faz poemas com alpista
tira fonemas da manga
e devotada e artista
diz em tom de lenga-lenga
a oração concretista
da melhor raça podenga:
Deuspeus paipai é quepe
estes poemas fezpez:
— Melo e Caspa faz poemas
como quem tem dores nos pés.
/
Diz o Alexandre O'Neill
que às vezes lhe falta um til.
Ora ponha-o na cabeça
para ver como se acaba
o que depressa começa
quando a chegada desaba!
Mas se não fosse o O'Neill
Portugal não tinha Abril.
— Ai meu adeus pequenez
o que será deste mês
se nos não chove de vez?
Bem choveu. Ele que fez?
Tropeçou-nos de ternura
a todos como bem quis.
Em Lisboa amor procura
Alexandre Português
que é gaivota e não o diz.
/
Já o mesmo não direi
— que me desculpe o Pacheco —
de dona-fiama-irei-
-ao-fundo-do-mar-a-seco.
/
Descobriu monstros marinhos.
É certo. Mas foi por eles
que errando pelos caminhos
ficou cecília mais reles.
/
Vila do Conde é maior
que todo o fundo do mar
e o Zé Régio é o melhor
descobridor a cantar.
Se a poesia é uma ostra
em Portalegre cidade
acha a pérola quem mostra
a invenção da verdade.
Na varanda do suor
em tristalegre saudade
José Régio fez um filho
que lhe nasceu por amor
e já de maior idade.
/
Também Natália é parida
do parto de suas dores
e faz poemas que dançam
toucados de mosto e flores.
/
Natália ninfa nascida
na ilha de seus amores
quando Camões lhe deu vida
por outros descobridores.
/
Sei bem que tal não agrada
a Dom Frei Gastão da Cruz
que só não é agostinho
por falta de água e luz.
/
Mas um poeta mesquinho
a própria água reduz
quando mija em vez de vinho
desperdícios de alcatruz.
— Pois que mije a toda a hora
e que vá puxando à nora...
/
Mas há coisas que se puxam
que não podemos saber
coisas que nascem estrebucham
antes de alguém as dizer:
Viva o Zé Gomes Ferreira
quando inventa uma roseira.
Viva o Manuel da Fonseca
quando nos fala da seca
e viva Miguel que outorga
as livre mesmo que morda.
/
E tu e tu que me pões
um mago dentro da cama
filho do pai de Camões
Mário de rosas e lama
Cesariny Vasconcelos
nomes que a choldra não grama
porque tu não vais com eles
e ficas em verde rama
tocando no bolso esquerdo
os nomes de quem te chama.
/
Só é poeta quem perde
o corpo de quem mais ama
— Isto o dirá em verdade
o grande Eugénio de Andrade.

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

JAVIER CERCAS


Hoje na Sábado escrevo sobre O Monarca das Sombras, de Javier Cercas (n. 1962), um dos nomes centrais da literatura espanhola contemporânea. Com meia-dúzia de livros publicados no nosso país, os leitores sabem que O Monarca das Sombras, agora traduzido, retoma o tema nunca esgotado da Guerra Civil de Espanha, iniciado com Soldados de Salamina. Desta feita, a abordagem faz-se a partir da figura de Manuel Mena, o tio-avô que integrou as forças falangistas e, em 1938, com apenas dezanove anos, foi abatido durante a batalha do Ebro. Como sempre, o autor documenta o texto com grande minúcia. Ilustrado com fotografias de Manuel Mena e fac-símiles, o livro é um compósito de memórias e narrativa histórica, embora o autor o considere um romance. O primeiro parágrafo tem a secura e a precisão de um verbete de dicionário: nome, idade, função… Foi a forma encontrada para reconciliar-se com o passado. Não se trata de julgar, mas de tentar perceber o que levou um adolescente a escolher o lado errado da História, comprometendo e atormentando os vindouros com a vexata quaestio. Autor e primeiro narrador são a mesma pessoa: «Era tio paterno da minha mãe […] antes de ser escritor já pensava que um dia teria de escrever um livro acerca dele.» Mas há um segundo narrador que cita o autor pelo nome («A verdade é que Paco Cercas, avô de Javier Cercas…») e até faz hermenêutica com a obra respectiva. É esse narrador, doublé de historiador, que investiga e faz luz sobre os factos: «O resultado só pode descrever-se como uma carnificina indescritível.» Segue-se o sombrio inventário de baixas, locais de combate, identidade dos principais intervenientes, circunstâncias exactas da morte de Manuel Mena, etc. Como alguém disse, com propriedade, trata-se de um romance sem ficção. Porém, num detalhe fútil, o autor “derrapa”: nos anos 1950, a peseta tinha uma cotação residual, sendo fantasioso afirmar que «trezentas e quinze pesetas e noventa e seis cêntimos» correspondem ao equivalente «aproximado a trezentos e cinquenta euros actuais» Mas não será um deslize que afectará O Monarca das Sombras. Publicou a Assírio & Alvim. Quatro estrelas.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

AUSTRÁLIA


Ontem, dias depois da Nova Zelândia, uma maioria de 62% de australianos disse sim ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em Sydney e Melbourne a média foi de 84%. Num país onde a comunidade LGBT tem tanta força, é extraordinário que só agora o Governo e o Parlamento tenham mostrado vontade de legislar nesse sentido. O diploma final será publicado «antes do Natal», garantiu o primeiro-ministro Malcolm Turnbull. O líder da Oposição, Bill Shorten, afirmou: «Hoje celebramos, amanhã legislamos.» Sir Peter John Cosgrove, governador-geral de Sua Majestade, também se congratulou com o resultado. Várias personalidades já demonstraram o seu entusiasmo, entre elas Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, Tim Cook, o patrão da Apple, e David Cameron, ex-PM britânico. Gays australianos assumidos, como Ian Thorpe, o campeão olímpico de natação, Penny Wong, a líder dos trabalhistas, e Alan Joyce, CEO da companhia de aviação Qantas, foram alguns dos que se juntaram às manifestações de júbilo nas ruas de Sydney, Melbourne, Camberra e Perth. A Austrália torna-se assim o 26.º país a reconhecer, em todo o seu território, o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Imagem: celebração em Melbourne. Clique.

terça-feira, 14 de novembro de 2017

OITENTA ANOS


Faz agora 80 anos foi publicado Indícios de Oiro, de Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), poeta maior da língua portuguesa em qualquer época. Foi portanto em 1937 que estes poemas pela primeira vez se publicaram em livro. Nos anos 1970, 80 e 90 seriam publicados, em livro, outros inéditos do poeta. Convém lembrar a efeméride: oitenta anos.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

ANCRAGE?


Entrevistado hoje pelo jornal belga Le Soir, Puigdemont afirmou:

«Une autre solution que l’indépendance est possible. C’est toujours possible! J’ai travaillé pendant trente ans à obtenir un autre ancrage de la Catalogne dans l’Espagne!» Vero?

Lembrar que o ex-president fugiu para Bruxelas há dezassete dias, convencido que punha a Catalunha na agenda internacional. Já verificou que estar na capital da Europa, ou em Adelaide, na Austrália, é a mesma coisa. O flop diplomático é total. Não obteve, como pretendia, estatuto de exilado político, situação que evitaria os empecilhos judiciais em que está metido. Não conseguiu ser recebido por Juncker, nem por Tusk, nem sequer pela senhora Mogherini. Que se saiba, não conseguiu ser recebido na sede da Nieuw-Vlaamse Alliantie, o partido independentista flamengo que tem ministros no Governo e grande representação parlamentar. Admitindo que tenha havido um encontro privado com algum dirigente do N-VA, é pior a emenda que o soneto. Nenhum canal de televisão o convidou para uma entrevista em directo. Cereja em cima do bolo, não conseguiu ser convidado por nenhum grupo de eurodeputados para ir ao Parlamento Europeu.

E agora ainda tem Ada Colau à perna. A alcaldesa de Barcelona exige explicações sobre a fuga e as implicações económicas da DUI.

Clique na imagem do Soir.

domingo, 12 de novembro de 2017

WEB SUMMIT, PANTEÃO & FRIOLEIRAS


Paddy Cosgrave, o patrão da Web Summit, publicou no Twitter um comunicado explicando a escolha do Panteão para o jantar: os irlandeses celebram a morte e, nessa medida, queria que os seus convidados (um grupo restrito de investidores de topo) estivessem perto dos heróis de Portugal. Em Dublin, por exemplo, o mais importante jantar dos fundadores da Web Summit teve lugar na Christ Church Cathedral, ou seja, «in the largest crypt in the UK and Ireland.» Está explicado.

O aluguer de monumentos nacionais para a realização de eventos mundanos é possível porque o subsecretário de Estado da Cultura do Governo PSD/CDS, Jorge Barreto Xavier, impôs o Despacho n.º 8356/2014, de 24 de Junho, à Direcção Geral do Património Cultural. Um pro forma, pois já desde 2013 se faziam jantares no Panteão.

O cúmulo do ridículo é ver o PSD e o CDS a arrancarem os cabelos.

Clique nas imagens do Twitter e do jantar da Web Summit.