Portugal colocou ontem no mercado bilhetes do Tesouro no valor de 1,8 mil milhões de euros, a juro negativo (-0,013%). A procura foi tanta que o IGCP vendeu 1,8 mil milhões em vez dos previstos 1,5 mil milhões. E como reagem os media ao sucesso da operação? À noite, a RTP conseguiu a proeza de dar a notícia de forma correcta mas, logo a seguir, deu tempo de antena a um broker que disse sem pestanejar que os investidores estão «profundamente» assustados com a política do Governo. O rapaz falou sem contraditório. Ninguém da RTP questionou o delírio. Hoje, o jornal i arroga-se o direito de mentir, afirmando que os juros estão ao nível da Grécia.
quinta-feira, 21 de janeiro de 2016
quarta-feira, 20 de janeiro de 2016
NUNO TEOTÓNIO PEREIRA 1922-2016
A poucos dias de completar 94 anos, morreu hoje o arquitecto Nuno Teotónio Pereira, figura incontornável da Cultura portuguesa, autor de obras icónicas de Lisboa, tais como, entre outras, o edifício da Rua Braamcamp conhecido por Franjinhas, Prémio Valmor 1971, ou a Igreja Sagrado Coração de Jesus, Prémio Valmor 1975. A imagem é do Público. Clique.
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14:00
OPOSIÇÃO & DEMOCRATAS
Manuel Carvalho assina hoje no Público um excelente obituário de Almeida Santos. Porém, como quase toda a gente que não viveu em Moçambique, cai no erro de incluir Almeida Santos nos denominados Democratas de Moçambique, uma espécie de MDP/CDE da FRELIMO. Sucede que Almeida Santos, tendo sido, de facto, adversário do Estado Novo e figura destacada da então denominada Oposição Democrática de Moçambique, a oposição tradicional à ditadura, nada tinha a ver com os Democratas de Moçambique. Isso é outra história. Sobre o tema, escrevi no meu livro de memórias:
Enquanto grupo de pressão, os Democratas de Moçambique constituíram-se à pressa em Maio de 1974, durante um plenário realizado na Associação dos Naturais de Moçambique. Tinha como prioridade servir de contrapeso e ultrapassar pela esquerda a oposição tradicional. Foram seus fundadores o enfermeiro Abner Sansão Mutemba, o engenheiro Álvaro Carmo Vaz, o economista Mário da Graça Machungo e o advogado Ruy Baltazar. A oposição tradicional era constituída por gente de diversa filiação, desde marxistas ortodoxos a sociais-democratas. Denominador comum, o ódio a Salazar e um fundo desprezo pelo Estado Novo e a tibieza de Marcello Caetano. O núcleo duro da oposição tradicional era formado por seis advogados: Almeida Santos, Antero Sobral, Carlos Adrião Rodrigues, Filipe Ferreira, José Santa-Rita e Vasco Soares de Melo. Um dream team com grande visibilidade na opinião pública, sobretudo a partir de 1962, ano em que o julgamento colectivo de vários nacionalistas ampliou a questão independentista. [...] Foi contra a influência dessa oposição que os Democratas de Moçambique se constituíram. A passagem do tempo e a simplificação da história meteram tudo no mesmo saco: oposição tradicional e Democratas. A manobra serve aos dois lados. A direita pode chamar traidores a todos os críticos do colonialismo e os Democratas viram nobilitada a sua matriz fundadora. — Um Rapaz a Arder, Quetzal, 2013.
Verdade que houve gente da oposição tradicional que, tendo ficado em Moçambique depois da independência do país, aderiu aos “Democratas”. Almeida Santos, que até estava em Lisboa no dia 25 de Abril de 1974, voltou várias vezes a Moçambique, mas já como governante.
A posteridade registou a designação Democratas de Moçambique como uma realidade pré-1974. Sei que a nuance é difusa, mas a realidade é outra.
A posteridade registou a designação Democratas de Moçambique como uma realidade pré-1974. Sei que a nuance é difusa, mas a realidade é outra.
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11:55
SUBVENÇÕES
A ver se a gente se entende. As subvenções vitalícias atribuídas aos titulares de cargos políticos foram extintas por Sócrates em 2005. Como não podia deixar de ser, a Lei salvaguardou os direitos adquiridos para a Legislatura 2005-09. Ou seja, para os eleitos antes da revogação. Podiam requerer a subvenção os deputados e outros titulares de cargos políticos que tivessem completado doze anos de actividade até 2009. Muitos nunca requereram. Sócrates foi um deles: não pediu, não recebe. Os eleitos a partir de 2009 estão excluídos desse direito.
Entretanto, no OE 2015, o Governo PSD-CDS inscreveu a exigência de «prova de condição de recursos» para manter o pagamento. (Quem tivesse um rendimento médio mensal de dois mil euros perdia a subvenção.) Como é natural, um grupo de 30 deputados do PS, PSD e CDS solicitou ao Tribunal Constitucional a apreciação da norma do OE 2015 que aplicava a «prova de condição de recursos» às subvenções. Anteontem, o TC declarou essa norma inconstitucional, «por violação do princípio da protecção da confiança». Num Estado de Direito é assim que deve ser. Foi por isso patético ouvir ontem, no debate presidencial da RTP, o coro dos indignados. Ouvindo-os, até parecia que nada mudou em 2005, por decisão do primeiro Governo Sócrates.
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10:00
terça-feira, 19 de janeiro de 2016
ALMEIDA SANTOS 1926-2016
A um mês de completar 90 anos, morreu António de Almeida Santos, um dos políticos mais influentes da democracia, presidente do Partido Socialista entre 1992 e 2011 (ano a partir do qual se tornou Presidente Honorário), sete vezes ministro, deputado em várias Legislaturas, conselheiro de Estado (1985-2002), presidente da Assembleia da República (1995-2002) e autor de duas dúzias de obras, incluindo ficção e memórias.
Natural da Guarda, estudante em Coimbra, radicou-se em Lourenço Marques em 1952, tornando-se um advogado célebre. Opositor declarado do Estado Novo, defendeu pro bono dezenas de presos políticos em Moçambique, país onde viveu até 1974 e onde viu nascer os filhos.
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09:36
segunda-feira, 18 de janeiro de 2016
ESCLARECIMENTO
Na página Arte e Cultura por Sampaio da Nóvoa, do Facebook, apareceu abusivamente citado o meu nome. Removi a identificação, mas tenho a imagem guardada. Nem a frase foi escrita por mim, nem em momento algum declarei apoio ao referido candidato, em quem não tenciono votar. O post tem data do passado dia 15, mas só há pouco fui alertado para o embuste.
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22:44
SEGUNDA CIRCULAR
Entre a Rotunda de Entrecampos e a Avenida Gago Coutinho, a Avenida dos Estados Unidos tornou-se uma via rápida. A partir dali é praticamente uma autoestrada, sem passeios ou bermas para peões. O separador central da Avenida da República, colocado entre a entrada-saída do túnel de Entrecampos e o viaduto ferroviário, é um erro grosseiro. Podia dar outros exemplos. Uma cidade não deve ser atravessada por vias rápidas. Isso é coisa de terceiro mundo. As pessoas que vivem em Telheiras, no Alto dos Moinhos, em Benfica, na Pontinha, em Carnide, nas Laranjeiras, etc., têm os mesmos direitos de quem vive na Lapa ou nas Avenidas Novas. A polémica suscitada pelas anunciadas obras de requalificação da Segunda Circular não tem defesa possível.
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16:30
domingo, 17 de janeiro de 2016
MARISA MATIAS
Vai ser assim. Não há razão para votar contrariado (ou, em alternativa, ficar em casa), podendo dar o voto a quem o merece.
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10:00
sábado, 16 de janeiro de 2016
CHIÇA!
A Direita começou a fazer com Tiago Brandão Rodrigues o mesmo que fez com Maria de Lurdes Rodrigues. Um articulista pateta conta pouco, mas vinte articulistas com o dente ferrado nas canelas do ministro fazem mossa. Enquanto a discussão for, ou fingir ser, sobre políticas de Educação, a coisa passa. Mas que Vasco Pulido Valente, colunista e historiador (não confundir com licenciado em História) respeitado, o faça em termos de pedigree — o actual ministro seria «um primitivo», apesar da relva de Cambridge —, à boleia de Bourdieu, raia o absurdo.
Quarenta anos de democracia não foram suficientes para acabar com o mandarinato.
Quarenta anos de democracia não foram suficientes para acabar com o mandarinato.
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11:00
quinta-feira, 14 de janeiro de 2016
MONTESQUIEU
Hoje na Sábado escrevo sobre Cartas Persas (1721), de Montesquieu, ou seja, Charles-Louis de Secondat (1689-1755), barão de La Brède e de Montesquieu, filósofo, fundador da sociologia moderna, o aristocrata defensor das liberdades e da tolerância que abalou as certezas do século XVIII ao publicar De l’Esprit des Lois (1748). A presente tradução segue a edição canónica de 1754, ocasião em que foram acrescentadas onze cartas ao corpus original. Cartas Persas é um romance epistolar, género que atingiria o cume com As Ligações Perigosas (1782), de Laclos. Montesquieu não vai tão longe como o futuro marechal, e faz todo o sentido que assim seja, porquanto o livre-pensador e o militar napoleónico são homens de índole diferente. Em todo o caso, Montesquieu faz um retrato cru, muitas vezes cínico, da época em que viveu, dando ênfase ao despotismo e ao carácter intrusivo da monarquia francesa, de par com a crítica ao dogmatismo da Igreja. Em suma, o autor usa o artifício da ficção (a correspondência de Usbek e Rica) para invectivar os fundamentos da sociedade. De certo modo, as “observações” dos dois persas antecipam o tratado sobre o espírito das leis. A controvérsia era inevitável: «A maior parte dos governos da Europa são monárquicos, ou assim chamados. Na verdade, ignoro se já houve alguns verdadeiramente assim; pelo menos, não subsistiram muito tempo na sua pureza. É um estado violento… etc.» A denúncia do abuso dos privilégios («a vantagem está habitualmente do lado do príncipe») fez a fama do autor que pôs na boca de um estrangeiro a frase assassina («o poder dos reis da Europa é muito grande»), pretexto para teorizar sobre crimes de lesa-majestade e o arbítrio da pena de morte. Isto tudo com a heterodoxia adicional de o fazer por comparação com o modus operandi dos sultões persas. No prefácio, Nuno Júdice expõe com clareza as linhas de força do romance, em especial o «fundo libertino» associado às histórias do serralho de Solim. Cinco estrelas.
Escrevo ainda sobre Desmobilizados, a estreia de Phil Klay (n. 1983) que suscitou aplausos gerais. Os prémios vieram logo a seguir: o National Book na categoria de ficção, o John Leonard para a melhor primeira obra em qualquer género, etc. O coro laudatório tem razão de ser. O livro junta doze contos sobre a experiência do autor, veterano do Iraque. Klay não é um marine comum. Formou-se em Dartmouth (uma universidade da Ivy League) e, antes de publicar o livro, tinha escrito ensaios para o Wall Street Journal, o New York Times e outras publicações do mesmo calibre. O conto que abre o volume foi originalmente publicado na edição americana da revista Granta. Klay faz o retrato em grande angular da ocupação do Iraque. Direitos humanos? Códigos de conduta? Tretas. Depois de degolar um prisioneiro, um capitão diz: «Sabe bem matar um gajo com uma faca.» Narrados na primeira pessoa, os textos estão impregnados de sexo, violência e stress pós-traumático. Uma catarse sobre o sem sentido da guerra, num continuum narrativo admirável. Para um americano não deve ser fácil ler este livro. Creio que é o maior elogio que se lhe pode fazer. Quatro estrelas e meia. Publicou a Elsinore.
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10:00
RADICAL, DIZEM ELES
Por regra, um ministro oriundo de fora dos partidos não tem a desenvoltura tribunícia dos deputados mais experientes. Foi por isso uma agradável surpresa ouvir Tiago Brandão Rodrigues, o ministro da Educação, durante a audição a que ontem foi sujeito em sede de Comissão Parlamentar. Brandão Rodrigues deixou claro quem é que manda e, em resposta a um deputado da Oposição que lhe chamou radical por ter alterado de alto a baixo o modelo Crato, respondeu: É verdade. Sou radicalmente a favor da aprendizagem dos alunos. Os comentadores que tão apressadamente peroraram sobre a presuntiva falta de experiência política de um especialista em oncologia da Universidade de Cambridge, vão ter de rever a cábula das avenças.
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08:30
quarta-feira, 13 de janeiro de 2016
A IMPRENSA A QUE TEMOS DIREITO
Como é que um jornal com pergaminhos — estou a falar do Diário de Notícias —, um jornal centenário, se permite dizer, em reportagem assinada por Rui Pedro Antunes, que «as eleições já estão decididas»?
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08:30
terça-feira, 12 de janeiro de 2016
O QUE ELES GANHAM
Maria Lopes, do Público, foi ao Tribunal Constitucional verificar as declarações de rendimentos, património e cargos sociais dos dez candidatos a PR. A Lei impõe essa declaração. Há números curiosos.
Por exemplo, em matéria de rendimentos auferidos em 2014, ficamos a saber que Marcelo recebeu cerca de 385 mil euros brutos por trabalho dependente e independente; Sampaio da Nóvoa cerca de 130 mil; Marisa Matias cerca de 98 mil; Cândido Ferreira cerca de 95 mil; Maria de Belém cerca de 61 mil; Paulo Morais cerca de 58 mil; Edgar Silva 46 mil; Jorge Sequeira 36 mil; e Vitorino Silva, mais conhecido por Tino de Rans, cerca de 18 mil. Henrique Neto tem um património de 1,3 milhões de euros, mas a notícia é omissa quanto ao valor dos seus rendimentos de trabalho ou pensão. Sobre património, Cândido Ferreira tem o seu avaliado em 5,6 milhões de euros. Marcelo não tem casa nem carro, embora tenha poupanças no valor de 384 mil euros. A notícia indica outros itens.
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11:30
quarta-feira, 6 de janeiro de 2016
PIERRE BOULEZ 1925-2016
Morreu Pierre Boulez, maestro e compositor, figura maior da música contemporânea, director de orquestra em Baden-Baden, Berlim, Viena, Nova Iorque, Chicago, Cleveland, Londres (BBC), etc. A doença já não lhe permitiu dirigir a Filarmónica de Paris. O óbito ocorreu ontem à noite.
A imagem é do Libération. Clique.
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12:21
terça-feira, 5 de janeiro de 2016
EM QUE FICAMOS?
Pode ser que sim, pode ser que não. Rumores de sinal contrário dão conta de que Cavaco não promulgará a Lei que permite a adopção plena, o apadrinhamento civil e demais relações jurídicas familiares por casais do mesmo sexo, aprovada no Parlamento no passado 18 de Dezembro, com os votos do PS, BE, PCP, PEV, PAN e dezassete deputados do PSD. A ver vamos.
Para já, uma certeza. Dois candidatos presidenciais comprometeram-se ontem publicamente, na SICN, a promulgar a Lei. Marcelo Rebelo de Sousa e Marisa Matias foram claros. Marcelo disse: «O que interessa na adopção é a protecção da criança. Não interessa que seja um adoptante, dois adoptantes, um casal do mesmo sexo ou de sexo diferente, isso é irrelevante.» Marisa corroborou, afirmando: «Não há famílias de primeira, segunda ou terceira.» Convinha saber o que pensam os outros candidatos.
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09:30
domingo, 3 de janeiro de 2016
GROTESCO
Para não ir mais longe que os últimos dez anos. Em 2006, o Tribunal Constitucional rejeitou sete candidaturas presidenciais. Sete. Em 2011 rejeitou três. Este ano não rejeitou nenhuma. Ontem, no Público, Pacheco Pereira interroga-se sobre se «o Tribunal Constitucional verificou as assinaturas de todas as candidaturas que lhe foram apresentadas, algumas das quais parecem ter conseguido sem “aparelho” o milagre de obter 7500 assinaturas validadas...» É uma dúvida legítima. Não esquecer que três candidatos (sendo o senhor de Rans o mais notável dos três) apresentaram as assinaturas a poucas horas do fim do prazo.
As televisões, em nome do politicamente correcto, começaram anteontem a dar espaço às dez candidaturas. Um disparate que me dispenso de comentar. Não vi nem tenciono ver nenhum debate ou entrevista, mas ontem foi impossível escapar ao episódio... “Candidato abandona debate em directo”, porque todos os canais repetiram o sketch até à exaustão, com o propósito de enfatizar a magnanimidade de Marcelo, disponível para debater quando o outro quisesse.
Sobre o grau zero das prioridades informativas, estamos conversados. Sobre a criatura, ficámos esclarecidos: teve de ler um papel para dizer... “Não concordo com o modelo dos debates, vou-me embora” (as palavras são minhas). Tudo isto é deplorável.
Pelo andar da carruagem, não seria de admirar que a abstenção fosse superior a 60%.
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10:20
quinta-feira, 31 de dezembro de 2015
2015
Chega hoje ao fim um ano terrível. Lá fora é a guerra, formalmente iniciada com o 11 de Setembro, porque foi em Manhattan e em Washington, e a opinião pública ocidental que tinha olhado para o lado em Agosto de 1998, quando as embaixadas americanas em Dar es Salaam e Nairobi foram reduzidas a pó num ataque simultâneo da Al-Qaeda que fez mais de duzentos mortos, a opinião pública ocidental, dizia, viu-se obrigada a perceber que há um antes e um depois de 2001. O ano que hoje termina marca também o pesadelo das populações deslocadas pela maior vaga migratória dos últimos 70 anos.
Cá dentro percebemos finalmente que, com raras excepções, as nossas elites empresariais são associações de gangsters. O único sinal positivo chegou em Outubro, com o pacto das Esquerdas. António Costa foi o homem certo no lugar certo, mas, mais importante que o seu pragmatismo, foi a descoberta de que dois terços da população perdeu o medo. Se a perseverança de Costa fosse contrária ao sentir dos portugueses, o país tinha dito não à solução parlamentarista. Ao invés, tudo se passou como e quando ele quis sem que ninguém rasgasse as vestes. A Direita foi incapaz de organizar uma nova Alameda, porque afinal não há eleitores “enganados”. Esse sinal de maturidade permite ter esperança. A ver vamos.
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terça-feira, 29 de dezembro de 2015
ATTICUS LISH
Hoje na Sábado escrevo sobre Preparação Para a Próxima Vida, de Atticus Lish (n. 1972). Não é todos os dias que um estreante vence o prémio PEN/Faulkner de Ficção. Foi o que sucedeu com Atticus, filho de Gordon Lish, um dos editores mais influentes de Manhattan, e fazer parte do Meio literário ajuda. Atticus teve um percurso heterodoxo: entrou e saiu de Harvard, andou “fora dos eixos”, serviu na Marinha, trabalhou como operário, esteve de relações cortadas com o pai durante doze anos (após a morte da mãe), voltou à universidade, casou com uma coreana, viveu e leccionou inglês na China, etc. Por último mas não em último, levou cinco anos a escrever Preparação Para a Próxima Vida. Garante que o fez à mão. A prosa dá notícia de uma voz singular: «Então digam-me como se diz que o céu é alto», quer saber Zou Lei, a imigrante ilegal, co-protagonista do romance. Meia dúzia de páginas chegam para intuir que vamos mergulhar numa saga de gente desapossada à mercê de todo o tipo de abusos e arbitrariedade. Em suma, a história dos que vivem nas margens. É esse o material de Atticus. Se fosse nosso contemporâneo, Dickens disputaria o mesmo território. Nenhum glamour nimba a Nova Iorque de Atticus. Tudo se passa depois do 11 de Setembro, sob o signo da Lei Patriótica e das irregular renditions (acto de fazer circular “insurgentes” entre dois ou mais países, interrogando-os sob tortura) que permitem, por exemplo, a transferência de suspeitos de terrorismo de New Haven para o Egipto ou Israel, com o à-vontade de quem muda um prisioneiro de Brooklyn para Queens. É dessa América que perdeu a alma que o livro trata. Certo didactismo sobre a China («Dentro de trinta ou quarenta anos, vamos conseguir vencer a América ou a Rússia») não belisca o plot. Um dia, Zou encontra Skinner, antigo soldado no Iraque, lá onde nada fazia sentido, por ser «o país deles», e Skinner, não sendo um deles, depressa se deteriorou. Descrita em grande angular, a guerra prescinde de ênfase. Apenas factos: desespero, atrocidades, esquadrões da morte à revelia dos códigos de conduta. Skinner sobrevive (com stress pós-traumático) a três comissões. Zou apanha por tabela. Preparação Para a Próxima Vida é um retrato do lumpemproletariado de Nova Iorque, sendo Zou e Skinner guias desse submundo onde a violência policial dita as regras. Cerca de quinhentas páginas sobre o tema podiam dar azo, noutras mãos, a um exercício fútil de propaganda ou complacência. Não é o caso. Quatro estrelas e meia.
Escrevo ainda sobre a reedição, acrescentada de inéditos, de Não Percas a Rosa..., de Natália Correia (1923-1993). Não é segredo que a autora, tendo sido perseguida pelo Estado Novo, foi uma opositora declarada da deriva esquerdista em que o país mergulhou entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975. Muito poucos a acompanharam nessa luta. Cesariny e Vergílio Ferreira foram duas excepções. Como o essencial desse “combate” se fez na imprensa, importava coligir os textos dispersos. É essa lacuna que este livro vem preencher. Dividido em duas partes, junta Não Percas a Rosa, o Diário, agora reeditado, e Ó Liberdade, brancura do relâmpago, as crónicas do PREC. Nos dois casos, apêndices com manuscritos inéditos. Retratos e fac-símiles ilustram o volume, organizado e anotado com critério por Vladimiro Nunes. Se o Diário é eloquente no tocante ao desassombro da autora, as crónicas têm o alto teor de corrosão que se espera de textos de intervenção política imediata. Os inéditos dão notícia de factos desconhecidos: golpes combinados entre Spínola e Kaúlza, o rapto de um inspector da Pide, etc. Natália nunca pediu licença para dizer o que quis. Isso a distinguia da intelligentsia bem comportada. Quatro estrelas. Editou a Ponto de Fuga.
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segunda-feira, 28 de dezembro de 2015
ALEGADAMENTE, MORREU
Alegadamente, o Centro Hospitalar do Algarve terá cumprido as normas de transferência de doentes com AVC isquémico. Alegadamente, o Hospital de São José tem uma escala de serviço patusca. Alegadamente, não havia helicóptero para levar o doente para Coimbra. Alegadamente, vivemos num país da Europa.
A imagem é do Expresso. Clique.
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17:00
SNS
A propósito das mortes que têm ocorrido com doentes em trânsito pelo Hospital de São José, convém lembrar que o Serviço Nacional de Saúde assenta na Lei n.º 56/79, de 15 de Setembro, apresentada ao Parlamento pelos socialistas Mário Soares, António Arnaut (autor) e Salgado Zenha, tendo sido aprovada pelo PS, PCP, MDP-CDE, UDP e um deputado independente (ex-PS), e rejeitada pelo PSD, CDS e os 37 dissidentes do PSD que estiveram na origem da ASDI.
Não sei onde estava Marcelo Rebelo de Sousa em Junho de 1979, quando a Lei foi apresentada, discutida e aprovada. Sei apenas que o seu partido votou contra ela. A Direita, mesmo a civilizada, nunca gostou do SNS. E o Governo de Passos & Portas tudo fez para o destruir. Os episódios macabros que recentemente envolveram doentes transferidos de Santarém e de Faro para São José, são a ponta de um imenso iceberg.
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