quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

OPOSIÇÃO & DEMOCRATAS

Manuel Carvalho assina hoje no Público um excelente obituário de Almeida Santos. Porém, como quase toda a gente que não viveu em Moçambique, cai no erro de incluir Almeida Santos nos denominados Democratas de Moçambique, uma espécie de MDP/CDE da FRELIMO. Sucede que Almeida Santos, tendo sido, de facto, adversário do Estado Novo e figura destacada da então denominada Oposição Democrática de Moçambique, a oposição tradicional à ditadura, nada tinha a ver com os Democratas de Moçambique. Isso é outra história. Sobre o tema, escrevi no meu livro de memórias:

Enquanto grupo de pressão, os Democratas de Moçambique constituíram-se à pressa em Maio de 1974, durante um plenário realizado na Associação dos Naturais de Moçambique. Tinha como prioridade servir de contrapeso e ultrapassar pela esquerda a oposição tradicional. Foram seus fundadores o enfermeiro Abner Sansão Mutemba, o engenheiro Álvaro Carmo Vaz, o economista Mário da Graça Machungo e o advogado Ruy Baltazar. A oposição tradicional era constituída por gente de diversa filiação, desde marxistas ortodoxos a sociais-democratas. Denominador comum, o ódio a Salazar e um fundo desprezo pelo Estado Novo e a tibieza de Marcello Caetano. O núcleo duro da oposição tradicional era formado por seis advogados: Almeida Santos, Antero Sobral, Carlos Adrião Rodrigues, Filipe Ferreira, José Santa-Rita e Vasco Soares de Melo. Um dream team com grande visibilidade na opinião pública, sobretudo a partir de 1962, ano em que o julgamento colectivo de vários nacionalistas ampliou a questão independentista. [...] Foi contra a influência dessa oposição que os Democratas de Moçambique se constituíram. A passagem do tempo e a simplificação da história meteram tudo no mesmo saco: oposição tradicional e Democratas. A manobra serve aos dois lados. A direita pode chamar traidores a todos os críticos do colonialismo e os Democratas viram nobilitada a sua matriz fundadora. — Um Rapaz a Arder, Quetzal, 2013.

Verdade que houve gente da oposição tradicional que, tendo ficado em Moçambique depois da independência do país, aderiu aos “Democratas”. Almeida Santos, que até estava em Lisboa no dia 25 de Abril de 1974, voltou várias vezes a Moçambique, mas já como governante.

A posteridade registou a designação Democratas de Moçambique como uma realidade pré-1974. Sei que a nuance é difusa, mas a realidade é outra.