domingo, 21 de fevereiro de 2021

NATÁLIA CORREIA



UM POEMA POR SEMANA — Para hoje escolhi A Defesa do Poeta, de Natália Correia (1923-1993), poema com que a autora respondeu aos juízes do Tribunal Plenário durante o processo que lhe foi movido por ter organizado a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica (1966). Natália foi condenada a três anos de prisão, com pena suspensa. Quando se encontraram em 1968 num acto oficial, Marcello Caetano recusou apertar-lhe a mão. 

Natural da ilha de São Miguel, Natália deixou os Açores aos 11 anos, vindo para Lisboa com a mãe e a irmã. Começou a publicar em 1947 e, como Jorge de Sena fixou numa síntese lapidar, impôs-se na vida literária «pela forma como soube transformar o escândalo numa espécie de terror sagrado do provincianismo embevecido

Além de poesia, publicou cinco romances, uma colectânea de contos, sete peças de teatro, cinco volumes de ensaio, um corrosivo diário dos anos da revolução (1974-75) e um livro de viagens. Organizou uma dezena de antologias: poesia galaico-portuguesa, barroco, surrealismo, erotismo, etc. Foi também editora, tradutora, conferencista, cronista, directora do Século e da revista Vida Mundial, dirigente na Secretaria de Estado da Cultura (1976-78) e, a partir de 1979, deputada independente, primeiro nas listas do PPD/PSD, depois nas do PRD.

Casou quatro vezes, mas o grande amor da sua vida foi um primo, José António Correia. A correspondência amorosa de ambos, por enquanto inédita, é do melhor que existe em língua portuguesa, garante quem leu.

Como editora da Arcádia, deslocou-se a Bissau para receber de Spínola o manuscrito de «Portugal e o Futuro». Natália telefonou ao general directamente do Botequim, o bar do Largo da Graça que abrira em 1971 com Isabel Meyrelles.

A sua casa da Rua Rodrigues Sampaio, onde sofreu o ataque cardíaco que a vitimou, acolheu o mais famoso salão literário de Lisboa. Por ali passou quase toda a gente que conta na vida cultural portuguesa. Entre estrangeiros, destaco Ionesco, Sartre, Michaux, Ievtuchenko, Graham Greene, Claude Roi e Henry Miller, mas foram mais. Sophia de Mello Breyner Andresen também por lá andou, e terá começado ali o atrito entre ambas.

Em 1969, a convite de Mário Soares, fez parte do núcleo fundador da CEUD. Opositora do Estado Novo, inimiga jurada de Salazar, opôs-se violentamente ao PREC. Embora as reuniões decisivas se realizassem noutro local, era no Botequim que os estrategas (como Melo Antunes e Vítor Alves) do 25 de Novembro se encontravam. Ao piano, Maria Paula levava a sala ao rubro com canções anti-gonçalvistas. Francisco Sá Carneiro, Snu Abecassis e Helena Roseta eram habitués.

O poema desta semana pertence ao livro A Mosca Iluminada (1972). A imagem foi obtida a partir do 1.º volume de O Sol nas Noites e o Luar nos Dias, obra poética completa publicada em 1993 pelo Círculo de Leitores no mês em que a autora faleceu. Tinha 69 anos e deixou viúvo Dórdio Guimarães.

[Antes deste, foram publicados poemas de Rui Knopfli, Luiza Neto Jorge e Mário Cesariny.]