quarta-feira, 17 de abril de 2019

FRÉDÉRIC MARTEL


Hoje na Sábado escrevo sobre a obra mais recente do francês Frédéric Martel (n. 1967), No Armário do Vaticano. E começo por notar que certo tipo de publicidade pode induzir em erro. No original, o livro chama-se Sodoma. Enquête au cœur du Vatican. Não se trata, como alguma gente supõe, de um manifesto gay. É uma investigação exaustiva, conduzida durante quatro anos. Para escrever o livro, o autor contou com a colaboração de 80 investigadores espalhados por cerca de quarenta países, que entrevistaram mais de 1500 pessoas. Martel entrevistou ele próprio 41 cardeais, 52 bispos, 45 núncios apostólicos, mais de 200 padres e seminaristas, embaixadores, adidos de imprensa, funcionários do Vaticano e membros da Guarda Suíça. Dividido em quatro partes, o livro aborda o pontificado de vários Papas, as lutas pelo poder, as correntes ideológicas, o predomínio da extrema-direita no pontificado de João Paulo II, a guerra movida por Roma aos defensores da Teologia da Libertação, as idiossincrasias da Igreja em África e na América Latina, a ‘ditadura’ da Congregação para a Doutrina da Fé, a vida dupla de centenas de padres de todos os escalões hierárquicos, os excessos do cardeal guineense Robert Sarah, a biografia mirabolante do cardeal colombiano Alfonso López Trujillo, «essa diva do catolicismo moribundo» que durante dezoito anos presidiu ao Conselho Pontifício para a Família, corrupção e escândalos financeiros na Santa Sé, a reiterada indiferença de Bento XVI face aos relatórios sobre abuso de menores, a clínica Gemelli, onde altos dignitários da Igreja são discretamente tratados de sida e doenças correlatas, o assédio sexual aos membros da Guarda Suíça, o outing do teólogo Krzysztof Charamsa (expulso do Vaticano), a protecção de padres pedófilos, etc. O dia em que Bento XVI sagrou arcebispo o seu secretário particular, Georg Gänswein, último acto oficial antes da renúncia, está fixado em páginas magníficas. Martel explica com minúcia a esquizofrenia que sustenta parte significativa dos altos escalões do Vaticano. O agitprop contra a comunidade homossexual não impede cardeais influentes de organizarem orgias chemsex com prostitutos. O triplo homicídio que envolveu Cédric Tornay, membro da Guarda Suíça, ilustra a bipolaridade. Um documento para a História. Quatro estrelas. Publicou a Sextante.