sábado, 23 de janeiro de 2016

LEMBRAR 1986

A propósito de fracturas na Esquerda e voto útil, nada como lembrar as presidenciais de 1986. Em Maio de 1985, Soares deixou o país atónito ao anunciar a sua candidatura a PR. O partido não teve outro remédio senão apoiar o secretário-geral. A 18 de Julho, setecentos independentes (artistas, gestores, académicos, desportistas, gente da alta finança) tornam público um documento de apoio. Na Convenção Nacional que o partido realiza no dia 27, a candidatura é aprovada por unanimidade. No mesmo dia, Maria de Lourdes Pintasilgo convocou a imprensa para um hotel de Lisboa e anunciou que seria candidata. Tem a seu lado os católicos progressistas, a Esquerda blasé e, sobretudo, os anti-soaristas de todos os matizes. A 15 de Novembro, é a vez de Salgado Zenha — que no Verão tinha abandonado o PS — anunciar a sua entrada na corrida. Ao lado de Zenha estão Ramalho Eanes, então Presidente da República, António Arnaut, o PRD e a mulher de Guterres. Soares e Zenha eram amigos há mais de 40 anos. Num livro publicado em 2011, Um Político Assume-se, Soares dirá: «Nunca pensei que Zenha me pudesse fazer tal coisa...» O PCP candidatou Ângelo Veloso, que desistiu a favor de Zenha antes da 1.ª volta. A Direita tinha um único candidato, Freitas do Amaral, apoiado pelo PDS, CDS e PPM.

Os dados estavam lançados. Soares partiu para as eleições com 8% de intenções de voto, número que pouco oscilou até ao dia do escrutínio. Para os círculos bem-pensantes (ainda não havia redes sociais), Pintasilgo seria a vencedora da 1.ª volta: as sondagens atribuíam-lhe 27%. Eanes pediu-lhe para desistir. Cunhal deixou de falar com ela em Agosto de 1985.

Freitas do Amaral ganhou a 1.ª volta com 46,3% e 2,6 milhões de votantes. Soares ficou em segundo lugar, com 25,4% e 1,4 milhões de votantes. Zenha, mesmo com o apoio de Eanes e de Cunhal, ficou em terceiro: 20,8%. Pintasilgo não passou de 7,3%. Proença de Carvalho, mandatário nacional de Freitas, foi à televisão aconselhar Soares a desistir.

O resto é história. O PCP convocou um congresso extraordinário para apoiar Soares na 2.ª volta. O secretário-geral do PS ganhou as eleições com 51,1% e 3 milhões de votantes. Em 1991, quando se recandidatou, Soares venceu por 70,3% e 3,4 milhões de votantes.

Serve isto para lembrar que na 1.ª volta das presidenciais de 1986 ninguém argumentou com a bondade do voto útil. Voto útil é coisa de 2.ª volta.