sábado, 23 de novembro de 2019

CADÊ AS MULHERES?

Por 179 votos a favor, 26 brancos e 9 nulos, a Assembleia da República elegeu ontem os seus representantes no Conselho de Estado. Dezasseis deputados não compareceram à votação.

Foram eleitos Carlos César (PS), Francisco Louçã (BE), Domingos Abrantes (PCP), Rui Rio e Francisco Pinto Balsemão (ambos do PSD). Louçã e Abrantes foram indicados pelo PS.

Além dos membros por inerência — o Presidente da Assembleia da República, o primeiro-ministro, o presidente do Tribunal Constitucional, o Provedor de Justiça, os presidentes dos Governos Regionais dos Açores e da Madeira e os antigos Presidentes da República —, e dos representantes da AR eleitos ontem, o Conselho de Estado integra também as cinco personalidades designadas pelo Presidente da República em 2016, quando iniciou o mandato.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

SEIS LIVROS


Hoje na Sábado.

Com as livrarias entupidas, há muito por onde escolher em todos os géneros literários. Seleccionei seis títulos: a biografia ficcionada de Augusto, um thriller centrado no Vaticano, o primeiro volume de uma trilogia famosa, um clássico irlandês, uma viagem ao inferno das crianças adoptadas e um policial heterodoxo.

Começar por um clássico, Augustus, última obra do norte-americano John Williams (1922-1994). Até à tradução de Stoner, feita com 50 anos de atraso, Williams era praticamente desconhecido do público português. Depois, aqui como em toda a parte, tornou-se muito citado. Augustus, que em 1973 venceu o National Book Award de Ficção, justifica todas as expectativas. Trata-se da biografia do filho adoptivo de Júlio César, ou seja, do homem que se tornou o primeiro imperador romano. Utilizando a forma epistolar (Cícero é um dos correspondentes), Williams traça o quadro das relações de força do império, tendo Roma como epicentro. Uma narrativa viciante. Publicou a Dom Quixote.

Mantendo Roma como ponto de referência, mas noutro registo, David I. Kertzer (n. 1948) escreveu um romance sobre O Rapto de Edgardo Mortara. Ou seja, ficcionou a história do rapaz judeu raptado em Bolonha, em 1858, pelo Santo Ofício, tornando-se protégé do Papa Pio IX. Factos que abalaram a Europa da época — Napoleão III tomou parte na controvérsia — e ainda hoje suscitam querela. Encontra-se em fase de produção um filme de Spielberg sobre o caso. Kertzer, especialista em história vaticana, recebeu o Pulitzer de 2015 por The Pope and Mussolini: The Secret History of Pius XI and the Rise of Fascism in Europe. Porém, O Rapto de Edgardo Mortara não é um ensaio histórico, é um thriller inspirado em factos verídicos. Publicou a Presença.

Quem prefira ficção pura deve ler O Jornalista Desportivo, de Richard Ford (n. 1944), romance que volta às livrarias com nova tradução. É o primeiro volume da famosa Trilogia Bascombe, na realidade um quarteto, pois saiu um quarto volume. Tudo gira em torno de Frank Bascombe, escritor em crise: morte do filho Ralph, divórcio, relações equívocas. Embora se trate de uma ficção sombria (a instituição familiar não escapa à mordacidade), Ford, voz ímpar da literatura contemporânea, prende o leitor ao longo de quatrocentas páginas. Publicou a Porto Editora.

O triplo homicídio de uma mulher, do filho de três anos, e de um padre, crime que chocou a Irlanda em 1994, serviu de pretexto para Edna O’Brien (n. 1930) escrever o portentoso Na Floresta. Romancista, contista, dramaturga, poeta e ensaísta, O’Brien é considerada a mais importante escritora irlandesa viva, tão hábil a escrever sobre o IRA como sobre as idiossincrasias sexuais da sociedade irlandesa (a trilogia Country Girls é um clássico do feminismo avant la lettre). No romance, Mich O’Kane, o kinderschreck perturbado por sucessivos abusos, ocupa o lugar que na vida real foi o de Brendan O'Donnell. O mesmo sucede com outros personagens, mas o plot segue a par os acontecimentos. Quem melhor do que O’Brien para transformar o horror em literatura? Publicou a Cavalo de Ferro.

O que significa adoptar uma criança? As agressões físicas e psicológicas ocorrem exclusivamente nas famílias de integração? Serão as casas de acolhimento eufemismos de guetos? A lei como tábua de salvação? Foi para responder a estas e outras perguntas que Patrícia Reis (n. 1970) escreveu As Crianças Invisíveis. Não é uma narrativa amável. Tratado com seriedade, o tema isenta-se de pieguice. A vida como ela é, crua, desapiedada, sem as arestas boleadas. Conceição é o único interstício de afecto que o romance se permite. Acompanhamos o percurso de M. — para cada criança uma inicial —, igual ao de tantos institucionalizados. O adjectivo é uma agressão. A invisibilidade é de regra. Chutado de casa para casa como criatura descartável, bola de pingue-pongue humana, M. terá de crescer sozinho. Ou sozinha? A escrita clara da autora domina com precisão o melindre do inominável. Publicou a Dom Quixote.

Com novo título — está nas salas o filme realizado por Edward Norton —, mas mantendo a tradução original, foi reeditado o livro mais conhecido de Jonathan Lethem (n. 1964), Os Órfãos de Brooklyn, thriller policial que celebrizou o detective Lionel Essrog. Laureado com o prestigiado National Book Critics Circle Award, o livro tem tudo para agradar a quem gostou de O Que Diz Molero, de Dinis Machado (a escala é outra, mas, à boleia da síndrome de Tourette, o delírio semântico tem semelhanças). Lethem já provou ser capaz de fazer melhor. Publicou a Lua de Papel.

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quarta-feira, 20 de novembro de 2019

A LENDA


Contrariamente ao que alguns supõem, o manager dos estábulos reais e amigo íntimo de Isabel II, designado por Porchie, existiu mesmo, não é uma invenção da série de Peter Morgan.

Porchie é o diminutivo de Henry George Reginald Molyneux Herbert, ou seja, Lord Porchester, 7.º Conde de Carnarvon. Foi membro dos Royal Horse Guards e tornou-se responsável pelas corridas de cavalos reais em 1969. Tinha então 45 anos.

Em Maio desse ano, Porchie acompanhou a rainha numa viagem privada a França e aos Estados Unidos, países onde visitaram os melhores criadores de cavalos. A prolongada ausência da monarca coincidiu com reuniões preparatórias de um golpe de Estado contra o primeiro-ministro Harold Wilson, arquitectado por Cecil King (magnata da imprensa), a pretexto do caos económico e consequente desvalorização da libra esterlina.

Mas as pretensões do patrão do Daily Mirror esbarraram com a recusa final de Lord Mountbatten, primo da rainha, último vice-rei da Índia, envolvido na conspiração desde 1968. Assim que foi informada da tentativa de golpe, Isabel II interrompeu a viagem e regressou a Londres, metendo o primo na ordem. (Em 1974 haveria uma segunda tentativa para depor Wilson à força.)

A forma como a série ilustra a relação de Porchie com Isabel corrobora a lenda de um romance entre ambos. Porém, Dickie Arbiter, antigo secretário pessoal da rainha, foi peremptório: trata-se de um boato «very distasteful and totally unfounded.» Então ficamos assim.

Nas duas primeiras temporadas, Porchie é interpretado pelo actor Joseph Kloska. Na terceira, por John Hollingworth.

Na imagem, da esquerda para a direita, o príncipe Filipe, Porchie e a rainha. Clique.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

JOSÉ MÁRIO BRANCO 1942-2019


Sem que nada o fizesse prever, morreu esta madrugada o músico José Mário Branco, autor do mítico Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (1971), álbum que junta letras suas com poemas de Camões, Natália, O’Neill e Sérgio Godinho.

Compositor, letrista e cantor, mas também produtor de vários artistas, entre eles Camané, José Mário Branco nasceu no Porto, foi dirigente da Acção Católica até 1958, militou no PCP [«saltei de uma igreja para a outra»], foi perseguido pela PIDE, exilou-se em Paris em 1963 e regressou a Portugal depois do 25 de Abril.

Em Maio de 1974 fundou o GAC — Grupo de Acção Cultural Vozes na Luta. Colaborou activamente com grupos de teatro, em especial A Comuna, e compôs música para duas dezenas de filmes de, entre outros, Luís Galvão Teles, Solveig Nordlund, Jorge Silva Melo, Paulo Rocha, Noémia Delgado e João Canijo.

Em 2018 foi editado Inéditos, juntando canções do período de 1967 a 1999.

Numa das últimas entrevistas que deu, afirmou: «O mundo está mesmo muito diferente. Deixámos de ter um projecto, aquela coisa ideológica do futuro

Tinha 77 anos.

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segunda-feira, 18 de novembro de 2019

THE CROWN, AGAIN


Vi os dois primeiros episódios da série de Peter Morgan. Magníficos.

Isabel II está com 38 anos e Olivia Colman é perfeita no papel. Não diria o mesmo de Helena Bonham Carter, que faz um retrato histriónico de Margarida (a personalidade da actriz acentua o lado antipático). Tobias Menzies devolve-nos um Filipe mais sarcástico. Etc.

O mais interessante, porém, são os temas abordados. Por exemplo:

No Outono de 1964, sem dinheiro para honrar os compromissos com o FMI, e portanto à beira da bancarrota, o Reino Unido vê-se obrigado a pedir mil milhões de libras aos Estados Unidos. O trabalhista Harold Wilson, primeiro-ministro desde Outubro, não consegue que Lyndon B. Johnson autorize o empréstimo. Quem desfaz o nó? Margarida, a irmã da rainha, durante uma visita (1965) aos Estados Unidos na companhia do marido, Antony Armstrong-Jones. Tudo se resolve num jantar na Casa Branca, no meio de anedotas porcas e muito álcool. As peripécias que conduzem ao jantar são deveras interessantes, mas não vou contar tudo.

O caso Blunt não é ignorado. Isabel II fica atónita ao descobrir que Sir Anthony Blunt, historiador de arte e Surveyor of the King and Queen’s Picture, era o 4.º homem do anel de cinco espiões de Cambridge. Ela desconfiava de Wilson, saiu-lhe Blunt. Sobre Blunt, além da extensa bibliografia histórica, existe um romance notável de John Banville, O Intocável. Foi também ele quem deu origem ao personagem Maurice, no romance The Climate of Treason de Andrew Boyle.

Voltando à série. A rainha fica indignada mas, em nome dos interesses do Reino, prefere fingir que nada aconteceu.

Blunt, que ocupava o cargo desde 1945, a convite de George VI, permanecerá no lugar até 1972. Só será publicamente exposto em Novembro de 1979, na Câmara dos Comuns, por Margaret Thatcher. Perdeu os títulos mas nada lhe aconteceu até morrer, pois tinha imunidade. O actor Samuel West é o Blunt da série.

E um dos momentos altos é a conversa que mantém com Filipe, o príncipe consorte, durante um vernissage. Filipe diz-lhe que devia ser denunciado, mas Blunt recorda-lhe a existência de fotografias comprometedoras do Caso Profumo (as fotos desapareceram de casa de Stephen Ward, o osteopata da alta sociedade responsável pela rede de prostituição de luxo que serviu de pano de fundo ao escândalo), fotos que estariam em mãos seguras, embora pudessem surgir a qualquer momento.

Sempre se suspeitou que Filipe fosse o membro sénior da família real... envolvido no caso, mas creio que é a primeira vez que isso é dito com todas as letras.

De resto, fotografia, diálogos, recriação de ambientes, guarda-roupa, reconstituições (como o interior dos Vickers VC 10 da BOAC), etc., tudo superlativo.

Clique na imagem: o casal real na série e na realidade.

domingo, 17 de novembro de 2019

THE CROWN, TRÊS


O dia está impossível, mas temos uma consolação de peso: a Netflix estreia hoje a 3.ª temporada da série de Peter Morgan que descreve e analisa o reinado de Isabel II. Em boa verdade, The Crown é um documento para a História. O projecto prevê seis temporadas.

A primeira temporada abrange o período que vai do casamento de Isabel e Filipe (1947) ao fim da ligação “inconveniente” de Margarida com o capitão Peter Townsend, por imposição de Churchill (1955). A segunda vai da Crise do Suez e consequente demissão de Anthony Eden (1956) ao nascimento de Edward (1964).

A terceira, novamente em 10 episódios, está disponível a partir de hoje e cobre os dois mandatos de Harold Wilson como primeiro-ministro, indo de 1964 a 1977.

Foi preciso mudar o elenco porque 20 anos é muito tempo na vida de qualquer pessoa. Assim, Claire Foy, que foi Isabel II nas temporadas anteriores, vê-se substituída por Olivia Colman; Matt Smith, que foi Filipe, dá o lugar a Tobias Menzies; e Vanessa Kirby, a irreverente Margarida, passa a bola a Helena Bonham Carter. E assim sucessivamente.

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