sábado, 27 de julho de 2019

À FARTAZANA

As conclusões da sindicância feita pelo Ministério da Saúde à Ordem dos Enfermeiros é um susto, parecendo haver razões para dissolver a sua direcção. O ministério entregou um relatório à Polícia Judiciária, estando a ultimar o documento final que será entregue ao Ministério Público.

A bastonária, Ana Rita Cavaco, terá tido parte activa nas greves — a Lei não permite — que paralisaram os blocos operatórios em todo o país, mas isso são amendoins.

Segundo o Observador, a sindicância da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde terá encontrado «os documentos que provam a apropriação ilegal de quantias durante a investigação sobre a participação da bastonária Ana Rita Cavaco na greve dos enfermeiros e configuram os gastos como violação de normas e regras inerentes à realização da despesa

As despesas sem justificação ultrapassam a imaginação mais delirante. Entre outros dados, o relatório da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, ontem divulgado pela SIC no Jornal da Noite, refere «seis mil euros em restaurantes, mais de três mil euros em levantamentos, cerca de cinco mil em compras no estrangeiro, cerca de oito mil em Via Verde, setenta mil euros em cartão de crédito, deslocações em viatura própria com despesa média de 2.600 euros mensais... [...]» Mas também gastos exorbitantes com vestuário e cabeleireiros.

A classe dos enfermeiros revê-se nisto?

quinta-feira, 25 de julho de 2019

NOVAS ELEIÇÕES?


Pedro Sánchez voltou a falhar a investidura como Presidente do Governo de Espanha. Esgotadas as duas votações (a do passado dia 22 e a de hoje), começa a contar o prazo de sessenta dias para a terceira e última votação. Se voltar a falhar a 23 de Setembro, o rei dissolve as Cortes e marca novas eleições para 10 de Novembro.

A teimosia do PODEMOS em querer entrar no Governo tem ditado o seu comportamento. Mas Sánchez não cede e já toda a gente percebeu que o PSOE prefere novas eleições.

A partir daqui tudo é possível. O senhor Iglesias tem que ter a noção das proporções.

Clique na imagem de Sánchez.

POLLOCK & ANA CRISTINA SILVA


Hoje na Sábado escrevo sobre Banquete no Paraíso, do americano Donald Ray Pollock (n. 1954), um autor que não tem pressa. Publicou o primeiro livro, uma colectânea de contos, aos 54 anos, e o mais recente, este Banquete..., em 2016. Antes de voltar a estudar e dedicar-se à escrita foi camionista. Para já, a bibliografia reduz-se a três títulos, mas a recepção crítica tem sido boa e revistas de prestígio pedem-lhe textos. Também foi traduzido e premiado em França. O carácter sombrio dos três livros que escreveu não constitui óbice. Antes pelo contrário. Sem surpresa, os círculos literários mais sofisticados continuam a olhar para ele como um intruso. Ele paga-lhes na mesma moeda, causticando os árbitros do gosto e caricaturando o establishment. O livro é um western. Isso vale para o imaginário, personagens, violência, lixo, sordidez, truques, vício, amoralidade, prostitutas, jogadores, banditismo e outros lugares-comuns. Estamos em 1917, algures na «fronteira que separa a Geórgia do Alabama», mas os cem anos de intervalo nada significariam se tudo decorresse na actualidade. Afinal, a história dos três irmãos Jewett podia ser hoje. O título, Banquete no Paraíso, remete para o estado de espírito dos irmãos após a morte do pai durante um acesso de diarreia. Para Cane, Cob e Chaminé, o equivalente de ‘agora tudo é possível’. Doravante seriam um bando implacável, uma lenda viva. A Primeira Guerra Mundial e, em concreto, a luta contra os alemães, funciona como metáfora da natureza humana. As actividades ilegais do Bando Jewett servem de fio condutor do plot e de pretexto para Donald Ray Pollock inserir estórias laterais (e muitas referências literárias, Shakespeare incluído) na narrativa central. Sirva de exemplo a personagem do tenente Vincent Bovard, um homossexual recalcado cuja presença parece corresponder à necessidade de introduzir um tema fracturante: «A Europa destroçada pela guerra, com os seus governantes consaguíneos e preconceitos vetustos, ia dar-lhe […] uma morte pela qual valia a pena lutar.» O autor tem uma mente fértil, mas a quota de transgressão não corresponde ao que foi escrito sobre o romance anterior, The Devil All the Time, publicado em 2011. Três estrelas. Publicou a Sextante.

Escrevo ainda sobre As Longas Noites de Caxias, o romance mais recente de Ana Cristina Silva (n. 1964). Decorridos quase 50 anos da queda da ditadura, começa a fazer-se a história da polícia política. Sirva de exemplo este livro. Se outro mérito não tivesse, faz luz sobre uma realidade pouco conhecida: o das mulheres torturadoras. O quotidiano de Caxias confronta Laura com Maria Helena, uma agente da PIDE que chegou a chefe de brigada. O mais interessante não radica no sadismo, traço de carácter sem género. O que dá singularidade à narrativa é o modo como Maria Helena “sobrevive” ao 25 de Abril: prisão, fuga para Madrid (onde Barbieri Cardoso lhe arranja emprego), regresso a Portugal, nova prisão, julgamento, pena simbólica — a democracia nunca julgou os seus verdugos — e, por fim, um cancro que não a impede de dizer: «Não, nunca me arrependi de nada. Os tempos da PIDE foram os mais felizes da minha vida.» A radiografia de Ana Cristina Silva tem a nitidez das evidências. Quatro estrelas. Publicou a Planeta.

CARNIFICINA


Uma vez empossado primeiro-ministro e primeiro lorde do Tesouro, Boris Johnson não perdeu tempo. Fez a maior remodelação ministerial de que há memória no Reino Unido, garantindo que a 31 de Outubro haverá Brexit sem ses e sem mas. Está tudo preparado: sistema bancário, serviço de saúde e stocks farmacêuticos, portos e aeroportos, distribuição alimentar, indústria, agricultura, etc. Quanto ao famigerado backstop na Irlanda do Norte, foi claro: «Esqueçam. A atribuição de culpas acaba aqui.» Temos homem!

Michael Gove é o novo vice PM. Para ministro dos Negócios Estrangeiros foi Dominic Raab. As Finanças ficam com Sajid Javid. Nos assuntos do Brexit continua Stephen Barclay. O novo chief whip (o todo poderoso líder parlamentar que tem assento no conselho de ministros) é Mark Spencer. E assim sucessivamente. São dezassete brexiteers da linha dura. A cereja em cima do bolo foi a nomeação de Dominic Cummings para primeiro-conselheiro.

Aguardar para ver. Clique na imagem.

terça-feira, 23 de julho de 2019

BORIS CHEGOU A PM


Com 92.153 votos, nada menos que 66,4% dos votantes, Boris Johnson foi eleito líder do Partido Conservador. Isso faz dele, a partir de hoje, o primeiro-ministro designado do Reino Unido.

Jeremy Hunt, o seu rival, obteve 46.656 votos. Votaram 87,5% dos 159 mil tories que podiam votar.

Boris fala esta tarde em Westminster. Amanhã, Theresa May apresenta à rainha a sua renúncia e o nome do novo PM. De seguida, Boris desloca-se a Buckingham para ser formalmente empossado.

Boris Johnson, 55 anos, natural de Nova Iorque, historiador, deputado desde 2001, formou-se na Escola Europeia de Bruxelas, em Eton e no Balliol College, de Oxford. Entre 1999 e 2005 foi editor da Spectator, a mais influente revista política inglesa. Foi Mayor de Londres durante nove anos: de 2007 a 2016. Foi ministro dos Negócios Estrangeiros entre 2016 e 2018. Publicou uma dúzia de livros — de História e ensaio político —, sendo The Dream of Rome (2006) um dos mais aclamados. É pai de seis filhos e está separado da segunda mulher.

Por muito que isto custe a aceitar aos seus detractores, Boris é hoje o único intelectual à frente de um Governo.

Clique na imagem do Telegraph.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

DONE


A Pátria pode dormir descansada.

A Procuradoria de Clark County rejeitou a acusação de violação apresentada por Kathryn Mayorga contra Cristiano Ronaldo:

«Tendo em conta a informação disponível, as alegações de violação contra Cristiano Ronaldo não podem ser provadas, por não serem inequívocas. Não serão feitas mais acusações.»

Clique na imagem.

EVOLUÇÃO


A ver vamos até Outubro.
Clique no gráfico da TSF.

PITAGÓRICA


Começar bem a semana. Sondagem da PITAGÓRICA divulgada hoje pela TSF e o Jornal de Notícias.

Obtendo 43,2% o PS fica à beira da maioria absoluta. O score corresponde ao dobro do PSD, que fica em 21,6%.

PS = 43,2% / PSD = 21,6% / BE = 9,2% / CDU = 6,8% / CDS = 6% / PAN = 3,6% 

Sozinho, o PS obtém mais 15,6% que a PAF [PSD+CDS].

Maioria de Esquerda = 59,2%. Em deputados seriam mais de dois terços.

Santana Lopes não consegue ser eleito.

Clique no gráfico da TSF.

sexta-feira, 19 de julho de 2019

AXIMAGE


Sondagem Aximage divulgada hoje no Correio da Manhã e no Negócios. A continuar assim, está tudo dito.

Clique no gráfico do Negócios.

quinta-feira, 18 de julho de 2019

VIENA


Impressões minhas de Viena, hoje na Sábado.

A literatura e o cinema ajudam-nos a conhecer as cidades muito antes de as visitarmos. Nova Iorque, Paris e Londres são exemplos extremos, onde nos orientamos com facilidade. Não se pode dizer o mesmo de Viena. Sucede com a capital austríaca o que acontece com certos livros: toda a gente cita sem os ter lido.

Resisti o mais que pude. A minha geração não esqueceu o Anschluss (a conexão nazi), nem, mais tarde, o estatuto de satélite adormecido de Moscovo. Verdade que o Círculo de Viena faz parte do nosso imaginário, não tanto por causa dos fundadores, mas pela irradiação internacional deste grupo de filósofos, cientistas, artistas plásticos e escritores que durante grande parte da primeira metade do século XX fizeram de Viena um dos epicentros da política e da cultura europeia. O domínio do Terceiro Reich alemão e a ideologia nacional-socialista levaram à diáspora os seus membros mais ilustres, mas o mundo académico anglo-americano, que os acolheu, preserva o legado.

Viena, portanto. Ficamos em Hofburg, o anel central da cidade, a dois passos de tudo o que interessa: museus e galerias de arte, grandes hotéis, livrarias sofisticadas, lojas de luxo, três cafés históricos — Mozart, Central e Sacher —, o Loos American Bar, vários dos melhores restaurantes, mercearias gourmet, chocolatarias para todos os gostos, o Palácio Palfy, sala de concertos low cost, a famosa Graben, artéria pedonal com casino e comércio de todo o tipo, a Spanische Hofreitschule (escola de arte equestre), o parque Burggarten e a elegante Kohlmarkt, que desemboca em Michaelerplatz, entrada principal do Palácio Imperial de Hofburg para onde convergem todos os nostálgicos de Sissi, a imperatriz imortalizada por Romy Schneider. Dito de outro modo: explorar Hofburg é conhecer o essencial de Viena.

Por exemplo, é no vasto complexo do Palácio Imperial que estão instalados os museus canónicos: o Kunsthistorisches, ou Museu de História da Arte, e o Museu de História Natural. Situados defronte um do outro, são obra da mesma dupla de arquitectos, Karl von Hasenauer e Gottfried Semper. Em Viena, tudo o que é relevante saiu das mãos deles.

No Kunsthistorisches há sempre grandes exposições temporárias, de Bruegel (embora A Torre de Babel faça parte das colecções permanentes), Rothko, Caravaggio e outros que tais. O acervo é riquíssimo. Há de tudo, do antigo Egipto à pintura flamenga, sem esquecer o mundo grego e romano, os renascentistas italianos, pintura inglesa, joalheria e até o extravagante Arcimboldo. A escadaria central é dominada por Teseu e o Centauro, a monumental escultura de Canova. Os magníficos painéis do tecto são de Klimt, também presente com o célebre Nuda Veritas. Os despojos escultóricos de Éfeso estão depositados no Castelo Novo, denominado Ephesos Museum, uma extensão do Kunsthistorisches, onde funciona a Biblioteca Nacional Austríaca.

Mas há mais. Após uma caminhada de cinco minutos, ocupando o espaço outrora reservado aos estábulos imperiais, o Museum Quartier (com cinco entradas viradas à Museumplatz) alberga mais de meia centena de instituições, de que fazem parte quatro museus importantes: o Leopold, incontornável para quem gosta de Schiele, Klimt e restante arte austríaca; o Mumok, de arte moderna e contemporânea; o Kunsthalle, feudo dos performativos abstractos; e o Architekturzentrum, ideal para perceber a evolução da arquitectura. Separados por talvez cem metros, o Leopold e o Mumok são edifícios modernos, muito diferentes entre si, construídos de raiz no vasto pátio central, coberto de neve no Inverno e de esplanadas no Verão.

No Leopold tive a grata surpresa de descobrir a obra de Richard Gerstl, o primeiro modernista da Áustria, suicidado aos 25 anos quando Schönberg rompeu a ligação amorosa de ambos e o expulsou do Círculo de Viena. Quem prefere Schiele a Klimt, como acontece comigo, encontra no Leopold a razão dessa preferência. Ainda no Leopold, Ferdinand Georg Waldmüller foi outra descoberta auspiciosa. Como notou um amigo atento, Waldmüller é uma espécie de Henrique Pousão ‘mais luminoso’. O Mumok acolhe parte da obra de Ernst Caramelle. No Kunsthalle há muita fotografia e vídeos: Andrzej Steinbach, Ingel Vaikla, Joanna Piotrowska (que tem uma galeria em Lisboa), Peter Wächtler, Tobias Zielony, Ian Wallace e outros. À chegada ou partida do Museum Quartier deve visitar-se o MQ Point, que tem uma das melhores livrarias de arte que me lembro de ter visto dos dois lados do Atlântico. Infelizmente não é para todas as bolsas. Saí de mãos vazias e a ranger os dentes: o álbum de Lucian Freud custa 750 euros.

Mais afastado, mas ainda em Hofburg, instalado no Palais Erzherzog Albrecht, o Museu Albertina é do melhor que há na Europa: Dürer, Chagall, Lichtenstein, Magritte, Kandinsky, Degas, Kirchner, Rubens, Bosch, Monet, Picasso, Warhol (o retrato Mao), Brassaï, Rafael e Leonardo são alguns dos artistas melhor representados. Estes e a nata da arte austríaca, que inclui o pouco citado mas insigne Kokoschka. O museu fica em Albertinaplatz — morada do Café Mozart, onde Graham Greene, nos seus tempos de espião, marcava encontros com outros agentes do MI6 —, e é porventura o melhor museu ‘moderno’ de Viena.

Na fronteira de Hofburg temos Stephansdom, a imponente catedral medieval de Santo Estevão. Assombrosa, com uma nave espectacular, fica ‘entalada’ entre edifícios vulgares. Portanto, a melhor forma de apreciar a torre gótica e as telhas de vidro colorido que forram o telhado é ir tomar um copo ao bar do 6.º andar do DO&CO, mesmo em frente.

Pelo contrário, a Karlskirche, igreja barroca dedicada a Carlos Borromeu, mandada construir por Carlos VI, imperador do Sacro Império Romano, está enquadrada pelo cenário desafogado de Karlsplatz. Lá dentro, os frescos de 1726 que Johann Michael Rottmayr pintou na cúpula são impressionantes. Uma estrutura metálica, com elevador, leva-nos a uma plataforma elevada a mais de trinta metros que permite apreciar os detalhes. Quem não queira subir, vê os frescos reflectidos em dois globos transparentes de grande diâmetro. Na Karlskirche também se realizam concertos de música clássica: no dia em que fomos era Ave Maria, de Schubert.

Karlsplatz é um parque de grandes proporções que tem na sua moldura a fabulosa Karlskirche, a Universidade Técnica de Viena, o Wien Museum, o cubo de vidro que serve de extensão ao Kunsthalle e, do lado oposto, já em Innere Stadt, a Musikverein, sede da Filarmónica de Viena, conhecida sala de concertos que toda a gente identifica por causa da gala de Ano Novo. Não confundir com a Staatsoper (imagem ao alto), a mítica ópera de Viena, que domina Ringstrasse e fica ali perto. A enorme mais-valia de Viena é essa: podermos ir a quase todo o lado a pé, sem necessidade de táxis ou metro. Por falar em ópera: não é um espectáculo barato em lado nenhum, a Staatsoper tem uma programação invejável, mas pratica preços de extorsão, superiores aos de Nova Iorque e Londres.

Voltando a Karlsplatz, o discreto Wien Museum é muitíssimo recomendável. Vimos uma notável exposição documental e fotográfica sobre a implosão do Império Austro-Húngaro (1918) e subsequente proclamação da República (1919), organizada por Anton Holzer: Die erkämpfte Republik. As maquetas da cidade, desde 1400, são outro atractivo. A sala dedicada aos indígenas ilustres dá a medida daquilo que Viena representou até 1940.

No outro extremo de Karlsplatz, já em Friedrichstrasse, fica a Wiener Secession, fundada em 1897 por Klimt, Moser e outros adversários da arte conservadora que então dominava. Conhecido simplesmente como ‘a Secessão’, trata-se de um dos edifícios mais pequenos e belos de Viena, rapidamente identificado pela cúpula dourada de Olbrich (a sua efígie está cunhada nas moedas austríacas de 50 cêntimos). Serviu de escola de arte e ofícios de artistas novos. É lá que podemos ver os famosos murais de Klimt, bem como exposições temporárias vanguardistas, como são as de Kris Lemsalu, Ed Ruscha e Philipp Timischl. Pelo tipo de visitantes percebe-se que estamos num museu muito exclusivo. Se atravessar a rua encontra o confortável Café Museum, poiso de Musil e outros intelectuais da cidade.

Não é despiciendo falar de cafés, traço distintivo da cultura vienense. A UNESCO classificou-os como património imaterial da humanidade. Já referi o Mozart, o Central e o Sacher, que têm filas homéricas à porta (assunto que se resolve fazendo reserva online), mas o Sperl, o Frauenhuber e o Landtmann são igualmente de visita “obrigatória”. Acoplado ao hotel homónimo, o Sacher serve a famosa tarte e, dizem os entendidos, a melhor melange da cidade. Além de bolos, o Mozart serve pratos da cozinha local, como Wiener Schnitzel com salada de batata e compota de framboesas, ou Tafelspitz, o prato preferido do imperador Francisco José, com puré de maçã. No Central come-se um Goulash decente e Apfelstrudel aquecido a nadar em creme de baunilha. A cozinha mais elaborada é a do Landtmann. Habitué, Freud tinha a mesma opinião. Paul McCartney e Hillary Clinton corroboram. Se quer ver rapaziada jovem e descontraída tem de ir ao Sperl, fora do anel central.

Os restaurantes propriamente ditos são outra coisa. Mesmo ao lado do Landtmann fica o Burgtheater, o esplêndido teatro ‘alemão’ desenhado por Hasenauer e Semper. É no Burgtheater, virado à Universitätsring e ao Rathaus (a Câmara Municipal de Viena), que fica o Vestibül, um dos melhores restaurantes da cidade, elegante, formal, absolutamente Habsburgo, porém acessível a bolsas portuguesas — tal como o Dstrikt, o DO&CO, o Eight e o feérico Palmenhaus, que fica na antiga estufa imperial, mesmo atrás do Museu Albertina. Noutro patamar, com preços proibitivos, o Steirerek, do chef Heinz Reitbauer, divide com o Opus, de Stefan Speiser, o pódio dos eleitos. Mas Le Ciel, de Toni Mörwald, e Konstantin Filippou, do próprio, também estão em alta. Conseguem todos a proeza de serem mais caros que os equivalentes de Londres.

A visita não ficaria completa sem conhecer o Palácio de Schönbrunn, residência de Verão dos Habsburgos, situado em Hietzing, a cerca de oito quilómetros do centro de Viena. A comparação com Versailles torna-se inevitável, mas, apesar das suas mil e quinhentas divisões, a casa de Maria Tereza ganha em escala humana. No topo dos jardins, a Gloriette, epifania absoluta. Quem não queira ir tão longe tem muito para ver no Belvedere, em especial no Belvedere Superior, que acolhe arte moderna (Klimt, Gerstl, Kokoschka) em alas de estatuária barroca. Os jardins do Belvedere estão no centro da cidade, e são, juntamente com o Prater — o parque de diversões onde se realizou a Exposição Mundial de 1873 —, dois hot spots durante a Primavera e o Verão. Em 1949, Orson Welles filmou ali, na roda gigante do Prater, O Terceiro Homem

Não vi centros comerciais, mas decerto haverá. O mais parecido foram as arcadas Freyung e Ferstel, com lojas de gama alta e pequenos cafés, ambas em Herrengasse. Também não vi sinais da comunidade LGBTI ou fumadores.

Aquela que foi a última fronteira entre o Ocidente e a Cortina de Ferro mantém-se suspensa no tempo. Se lá voltasse, Graham Greene encontraria quase tudo na mesma. O século XXI ainda não chegou ali.

Clique na imagem da Staatsoper.

THEROUX & BARNES


Hoje na Sábado escrevo sobre a reedição de Viagem por África, de Paul Theroux (n. 1941), autor de uma obra muito extensa, conhecido sobretudo pelos livros de viagem. Vem muito a propósito, na medida em que entre 2002 e a actualidade nada mudou no quotidiano dos povos que vivem de Norte a Sul do continente. Utilizando o comboio, camionetas e carros de toda a espécie, a viagem começa no Cairo e acaba na Cidade do Cabo. Durante o percurso — ele chama-lhe safari —, Theroux confirmou os perigos de visitar países como a Etiópia, o Quénia e a Zâmbia, a bipolaridade religiosa do Sudão, a falta de estradas no Congo e na Tanzânia, a ditadura dos «senhores da guerra» na Somália, as sequelas do Ruanda após o genocídio de 1994 (em três meses, membros da etnia hutu chacinaram um milhão de membros da etnia tutsi), as ocupações selvagens no Zimbabué, a relativa acalmia em Moçambique e a “prosperidade” da África do Sul, malgré a criminalidade urbana que afecta Joanesburgo. Teroux não é um colono saudosista, embora tenha vivido e trabalhado no Malawi e no Uganda. Conhece bem os países que descreve e, se não tem ilusões acerca da violência como modo de vida, da fome e das epidemias (em especial a Sida), também não as tem acerca do papel do voluntariado “humanitário” praticado pela maioria dos funcionários das poderosas ONG internacionais, toleradas, decerto não por acaso, pelas plutocracias nacionais. Por exemplo, sobre a devastação de Moçambique provocada pelos quinze anos de guerra civil (1977-1992) que sucederam à independência, diz que, ao arrepio da retórica mediática, as ONG nada fizeram: «Eu suspeitava de que tinham inventado este sucesso para justificar a sua própria existência.» Contudo, são muito interessantes as páginas dedicadas ao país. A estação ferroviária de Maputo, com a abóboda de bronze (e não de ferro) desenhada por Eiffel, é considerada «a mais bela de África». A narrativa inclui relatos de conversas com (e comentários sobre as respectivas obras) o egípcio Naguib Mahfouz e a sul-africana Nadine Gordimer, dois Prémios Nobel da Literatura que não abandonaram os países de origem. Quatro estrelas. Publicou a Quetzal.

Escrevo ainda sobre A Única História, o romance mais recente de Julian Barnes (n. 1946). Os incondicionais do autor, entre os quais me incluo, atribuem-lhe a responsabilidade de, em 2011, ter salvo a reputação do Man Booker Prize. Porquê? Porque um júri presidido por Stella Rimington fez dele o vencedor. Vai nisto alguma dose de ironia, mas o facto é que Barnes nunca decepciona. A intriga é velha como o mundo: rapaz de 19 anos torna-se amante de mulher casada, com mais do dobro da sua idade, e duas filhas mais velhas do que ele. A acção tem lugar no Sussex, região dilecta das classes altas inglesas ou com pretensões a sê-lo. Tudo se passa nos azougados anos 60 britânicos, pretexto para analisar o amor e o sexo à luz dos códigos e tiques dos súbditos de Sua Majestade. Para Susan Macleod, Paul é um brinquedo muito apetecido com prazo de validade curto (como descobrirá mais tarde). Não acaba bem, mas a mordacidade e o virtuosismo de Barnes valem a leitura. Cinco estrelas. Publicou a Quetzal.

quarta-feira, 17 de julho de 2019

GRANDES DEVEDORES

Sabemos hoje que entre 2010, no Governo Sócrates, e 2012, no Governo PAF, os grandes devedores passaram de seis para dezassete. Um deles, identificado com o número de código 088, é responsável por perdas efectivas de 542 milhões de euros, o correspondente a 40% do total de 1.334 milhões de euros perdidos em créditos pela CGD.

Que raio andaram as equipas da troika (constituída pelo FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu) a fazer em Portugal, entre 2011 e 2015? Para as contas dos Bancos não olharam. Nem sequer para as da Caixa Geral de Depósitos, que pertence ao Estado.

Serviram de bode expiatório para o guião PSD-CDS que aumentou os impostos de forma brutal, cortou subsídios, incluindo o de doença e o de reinserção social (sujeito a condição de recursos), taxou os reformados e os aposentados com a famigerada CES, fez disparar o desemprego para 15%, etc. Não nos esquecemos.

terça-feira, 16 de julho de 2019

QUEM RESPONDE POR ISTO?


E ninguém é responsável?

Clique na notícia e imagem do Expresso.

URSULA CONFIRMADA


Por 383 votos a favor, 327 contra, 22 abstenções e um nulo, o Parlamento Europeu confirmou Ursula von der Leyen, ministra alemã da Defesa, como Presidente da Comissão Europeia.

É a primeira vez que uma mulher ocupa o cargo.

Depois do discurso desta manhã, em que prometeu este mundo e o outro (neutralidade carbónica até 2050, salário mínimo europeu, taxar os gigantes tecnológicos a operar na União Europeia, flexibilização da política fiscal, respeito inalienável pelo Estado de Direito, apoio efectivo aos imigrantes, etc.), era difícil não obter a confirmação.

Ficou-me no ouvido a frase: «a economia existe para servir os cidadãos». Sobre um eventual salário mínimo europeu, aguardar para ver.

Clique na imagem do jornal belga Le Soir.

IMPASSE NA MONCLOA


Espanha está muito perto de novas eleições legislativas ainda neste Verão. Em Abril, o PSOE foi o partido mais votado. Mas 28,7% e 123 deputados são insuficientes para a maioria absoluta. Mesmo juntando os 42 deputados do PODEMOS, a Esquerda institucional fica aquém. Só juntando os votos dos pequenos partidos autonómicos isso se consegue.

Desde a primeira hora, Sánchez foi claro: o PSOE aceita o apoio parlamentar do PODEMOS, mas recusa um Governo de coligação. Faz muito bem. Isto anda a ser repetido há três meses. No limite, o PSOE aceita que o PODEMOS indique personalidades independentes, de reconhecido prestígio, para ocupar lugares na máquina do Estado, ao nível de director-geral.

Neste momento, com 123 deputados, o PSOE está empatado com a Direita: os 66 do PP mais os 57 de CIUDADANOS. Para já, PP e CS recusam aliar-se à extrema-direita do VOX, que tem 24 deputados. Também não servia para nada, neste momento, mas pode servir para investir Casado ou Rivera após novas eleições.

A votação da investidura de Sánchez está marcada para o próximo dia 22. Sem maioria, repete-se a 23. E numa terceira e última oportunidade, a 25. A abstenção de um grande grupo (o PP ou o CS) seria suficiente para trocar as voltas à teimosia de Pablo Iglésias. A ver vamos.

Havendo novas eleições em Setembro, receio que aconteça ao PODEMOS o mesmo que aconteceu ao SYRIZA grego. Os espanhóis estão fartos de tanta coreografia. O impasse vai sair caro à Esquerda.

Clique na imagem.

segunda-feira, 15 de julho de 2019

GORDIEVSKY POR MACINTYRE


A capa engana. Reproduz a edição original hardcover, mas nem por isso deixa de parecer um bestseller série B. Nada mais errado. The Spy and the Traitor: The Greatest Espionage Story of the Cold War (2018), do historiador britânico Ben Macintyre, é uma excelente biografia de Oleg Gordievsky, ex-coronel do KGB que trabalhou para o MI6 britânico entre 1974 e 1985. Com outra identidade, Gordievsky, actualmente com 80 anos, vive hoje algures na Inglaterra.

O livro é viciante. Macintyre não é Le Carré, mas anda lá perto. Condenado à morte após a deserção para Londres, Gordievsky sobreviveu em 2007 a uma tentativa de envenenamento quando vivia no Surrey. O volume inclui dezenas de fotografias e uma minúcia informativa pouco comum em obras do género. Da bibliografia de Macintyre constam livros sobre (entre outros) Eddie Chapman, o famoso agente Zigzag, e Kim Philby, o mítico espião britânico oriundo do grupo de Cambridge que desertou para Moscovo em 1963.

Se gosta de thrillers, este tem a vantagem de ser sobre factos verídicos.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

EUROSONDAGEM


PS sozinho obtém mais do que a PAF [PSD+CDS]. PSD fica 15 pontos abaixo do PS.

Maioria de Esquerda = 57% 

PAN igual ao CDS, que cai quase para metade.

Clique na imagem do Expresso.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

CESARINY BIOGRAFADO


Hoje na Sábado escrevo sobre O Triângulo Mágico, a biografia de Mário Cesariny escrita por António Cândido Franco, professor de linguistica e literatura na Universidade de Évora. Biógrafo de Agostinho da Silva, autor de romances histórico-biográficos, estudioso do surrealismo, especialista em Pascoaes e editor da revista libertária A Ideia, Franco encarregou-se de fazer a tão esperada biografia de Cesariny, poeta e pintor, nome maior do surrealismo português.

O volume inclui quadro genealógico, Portaló, doze capítulos, um epílogo, vários anexos, portfolio fotográfico, índice de abreviaturas e uma extensa tábua bibliográfica activa e passiva. Franco, que conheceu pessoalmente o seu biografado, teve acesso a importantes acervos de correspondência (sendo o mais importante o do artista plástico Cruzeiro Seixas), tendo conversado com testemunhas idóneas do percurso de Cesariny. Índice onomástico não há. O texto acompanha a cronologia, mas tem múltiplas derivas. Muito bem documentada toda a história do Grupo Surrealista de Lisboa.

Numa narrativa de cunho próprio, isenta de hagiografia, Franco não deixa de fora nenhum dado importante: nascimento (1923) na Rua da Palma, brevíssima passagem pelo liceu, início da amizade (1935) com Cruzeiro Seixas, passagem pela Escola António Arroio, estudos de música com Lopes Graça, primícias literárias (1944) à boleia do neo-realismo, amizade com Isabel Meyrelles, descoberta (1947) do surrealismo, o Café Gelo, primeiros quadros e colagens, ruptura (1948) com O’Neill e o Grupo Surrealista de Lisboa, estreia em livro — Corpo Visível, 1950 —, morte do amigo António Maria Lisboa, anos de liberdade vigiada (1953-58) pela polícia a pretexto da condição homossexual, primeira exposição individual em Lisboa (1958), cumplicidade electiva com Natália Correia, publicação de Nobilíssima Visão (escrito em 1945 mas só publicado em 1959), diatribes de e com Jorge de Sena e Gastão Cruz, elogios de Gaspar Simões, amizade com Maria Helena Vieira da Silva e Árpád Szenes, bolseiro da Gulbenkian, viagem a Paris (onde esteve preso) e largas estadias em Londres a partir de 1964, zanga com Luiz Pacheco, organização da representação nacional à Exposição Surrealista Mundial de Chicago (1976), visita à Pirâmide do Sol em Teotihuacan, tença por mérito cultural atribuída pelo Estado, publicação do volume antológico Textos de Afirmação e de Combate do Movimento Surrealista Mundial (1977), tentativa gorada de obter o lugar de adido cultural na embaixada de Portugal na Cidade do México por alegado veto do embaixador José Fernandes Fafe, suicídio de Ricarte-Dácio (1995), republicação sistemática da obra pela Assírio & Alvim, Grande Prémio de Arte da Fundação EDP (2005), Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, cancro, morte (2006) e a surpresa do testamento: espólio artístico para a Fundação Cupertino de Miranda, mais de um milhão de euros em dinheiro vivo para a Casa Pia de Lisboa.

Entre outros, O Triângulo Mágico tem o mérito de deixar claro o motivo pelo qual um poeta com obra de tal envergadura nunca recebeu um prémio literário. Verdade que, num gesto simbólico, a Associação Portuguesa de Escritores lhe atribuiu, praticamente no leito de morte, o Grande Prémio Vida Literária. Tudo o afastava do establishment literário: de origem proletária, refractário aos salões bem pensantes, viveu de costas voltadas para a Academia, fez apostasia com o neo-realismo, teve problemas com a polícia de costumes, escreveu em jornais de Direita (O Dia, Jornal Novo, O Diabo) contra os militares e a Esquerda marxista, insultou gente influente e, pecado maior, nunca escondeu a sua predilecção por marujos. Valeram-lhe os amigos, sobretudo Cruzeiro Seixas, mesmo durante a longa ausência deste em Angola; Ricarte-Dácio, generoso mecenas dos anos de Londres; Alberto de Lacerda, a quem ficou a dever o conhecimento da capital britânica e, por arresto, contactos preciosos; Helder Macedo e Luís Amorim de Sousa, anfitriões das escapadas inglesas — a sequência de Poemas de Londres contém alguns dos melhores poemas que escreveu —; e, já no fim da vida, Manuel Hermínio Monteiro e Manuel Rosa. Poderá não ser a biografia definitiva, mas não pode ser ignorada. Quatro estrelas. Publicou a Quetzal.

quarta-feira, 10 de julho de 2019

IRLANDA DO NORTE MAIS LIVRE

Por 383 votos a favor e 73 contra, o Parlamento britânico aprovou ontem o casamento entre pessoas do mesmo sexo na Irlanda do Norte.

E por 332 a favor e 99 contra, a interrupção voluntária da gravidez. Nada disto era possível na Irlanda do Norte. O aborto até podia ser punido com prisão perpétua.

As duas votações foram livres, isto é, autónomas da disciplina parlamentar.

Entretanto, Westminster estuda a possibilidade de alargar as civil partnerships (uniões de facto) aos casais heterossexuais.

RACISMO É CRIME

Nos termos do alínea b) do n.º 2 do artigo 240.º do Código Penal, a associação SOS Racismo vai apresentar hoje ao Ministério Público uma queixa-crime contra a historiadora Maria de Fátima Bonifácio.

«O racismo é crime, não é uma opinião. E o texto de Fátima Bonifácio é um manifesto racista!», sublinha o comunicado da SOS Racismo.

Afirmações de MFB que estão na origem da queixa-crime:

— os “ciganos” e os “africanos” não pertencem a uma “entidade civilizacional” que a autora denomina de “cristandade”

— os “ciganos” e os “africanos” não “descendem” da Declaração Universal do Direitos do Homem

— os ciganos são “inassimiláveis”

— os ciganos manifestam “comportamentos disfuncionais” incompatíveis com as “regras básicas de civismo”

— os ciganos forçam as suas adolescentes ao abandono escolar e ao casamento

— os “africanos e afrodescendentes” são “abertamente racistas” e “detestam-se” entre si e aos ciganos.