Hoje na Sábado escrevo sobre a reedição de Viagem por África, de Paul Theroux (n. 1941), autor de uma obra muito extensa, conhecido sobretudo pelos livros de viagem. Vem muito a propósito, na medida em que entre 2002 e a actualidade nada mudou no quotidiano dos povos que vivem de Norte a Sul do continente. Utilizando o comboio, camionetas e carros de toda a espécie, a viagem começa no Cairo e acaba na Cidade do Cabo. Durante o percurso — ele chama-lhe safari —, Theroux confirmou os perigos de visitar países como a Etiópia, o Quénia e a Zâmbia, a bipolaridade religiosa do Sudão, a falta de estradas no Congo e na Tanzânia, a ditadura dos «senhores da guerra» na Somália, as sequelas do Ruanda após o genocídio de 1994 (em três meses, membros da etnia hutu chacinaram um milhão de membros da etnia tutsi), as ocupações selvagens no Zimbabué, a relativa acalmia em Moçambique e a “prosperidade” da África do Sul, malgré a criminalidade urbana que afecta Joanesburgo. Teroux não é um colono saudosista, embora tenha vivido e trabalhado no Malawi e no Uganda. Conhece bem os países que descreve e, se não tem ilusões acerca da violência como modo de vida, da fome e das epidemias (em especial a Sida), também não as tem acerca do papel do voluntariado “humanitário” praticado pela maioria dos funcionários das poderosas ONG internacionais, toleradas, decerto não por acaso, pelas plutocracias nacionais. Por exemplo, sobre a devastação de Moçambique provocada pelos quinze anos de guerra civil (1977-1992) que sucederam à independência, diz que, ao arrepio da retórica mediática, as ONG nada fizeram: «Eu suspeitava de que tinham inventado este sucesso para justificar a sua própria existência.» Contudo, são muito interessantes as páginas dedicadas ao país. A estação ferroviária de Maputo, com a abóboda de bronze (e não de ferro) desenhada por Eiffel, é considerada «a mais bela de África». A narrativa inclui relatos de conversas com (e comentários sobre as respectivas obras) o egípcio Naguib Mahfouz e a sul-africana Nadine Gordimer, dois Prémios Nobel da Literatura que não abandonaram os países de origem. Quatro estrelas. Publicou a Quetzal.
Escrevo ainda sobre A Única História, o romance mais recente de Julian Barnes (n. 1946). Os incondicionais do autor, entre os quais me incluo, atribuem-lhe a responsabilidade de, em 2011, ter salvo a reputação do Man Booker Prize. Porquê? Porque um júri presidido por Stella Rimington fez dele o vencedor. Vai nisto alguma dose de ironia, mas o facto é que Barnes nunca decepciona. A intriga é velha como o mundo: rapaz de 19 anos torna-se amante de mulher casada, com mais do dobro da sua idade, e duas filhas mais velhas do que ele. A acção tem lugar no Sussex, região dilecta das classes altas inglesas ou com pretensões a sê-lo. Tudo se passa nos azougados anos 60 britânicos, pretexto para analisar o amor e o sexo à luz dos códigos e tiques dos súbditos de Sua Majestade. Para Susan Macleod, Paul é um brinquedo muito apetecido com prazo de validade curto (como descobrirá mais tarde). Não acaba bem, mas a mordacidade e o virtuosismo de Barnes valem a leitura. Cinco estrelas. Publicou a Quetzal.