Azeredo Lopes demitiu-se esta tarde. Então e as chefias militares? O caso fica resolvido com a demissão do ministro da Defesa? O Presidente da República, que é também comandante supremo das Forças Armadas, considera-se esclarecido?
sexta-feira, 12 de outubro de 2018
O 22 DE JULHO DE 2011
Se tem Netflix, veja o filme 22 de Julho, de Paul Greengrass, disponível desde anteontem. Convém não esquecer.
Lembra-se de Anders Behring Breivik? O partido a que pertence, o FrP, ou Fremskrittspartiet e Framstegspartiet, vulgo Partido do Progresso, faz parte do Governo norueguês desde 2013 e tem actualmente 27 deputados no Parlamento de Oslo.
A 22 de Julho de 2011, Anders Behring Breivik fez explodir um carro-bomba junto ao edifício onde funciona o Governo norueguês e, hora e meia mais tarde, abateu a tiro 69 adolescentes reunidos na ilha de Utoya num acampamento da juventude trabalhista. Por junto, Breivik provocou a morte de 77 pessoas e ferimentos graves em 209. No julgamento foi claro: A Europa e a Noruega têm de ser devolvidas aos europeus e aos noruegueses. Somos muitos. Um ano depois, o FrP estava no poder.
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11:30
O OVO DA SERPENTE
Consoante o grau de proximidade, as afinidades electivas, o conhecimento da História e a noção de inscrição política (não confundir com inscrição partidária), o que se passa actualmente no Brasil provoca angústia, tristeza, pessimismo e indignação. O problema é que a tranquibérnia brasileira nos faz esquecer a realidade à nossa volta.
Sucede que a realidade europeia não é bonita de ver. Neste momento, partidos de extrema-direita têm assento nos parlamentos da Alemanha, Áustria, Hungria, Polónia, Itália, Suíça, França, Holanda, Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia, Grécia, Eslovénia e Reino Unido. E fazem parte dos governos da Áustria, da Noruega, da Hungria e da Itália. Na Turquia, país membro da NATO, vive-se hoje como se viveu em Portugal durante o Estado Novo. Portanto, não custa nada perceber o que está em jogo.
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11:00
quinta-feira, 11 de outubro de 2018
JEAN-PAUL DUBOIS
Hoje na Sábado escrevo sobre A Sucessão, do francês Jean-Paul Dubois (n. 1950). Seguindo à risca o padrão da ficção francesa contemporânea, o autor mete este mundo e o outro no mais recente dos seus romances. Paul Katrakilis, o narrador, é médico, filho e neto de médicos. Nunca exerceu. Em vez disso, tornou-se jogador profissional de pelota basca. Vem de uma família complicada: o avô Spyridon, antigo médico de Estaline, e o tio Jules, relojoeiro, suicidaram-se; a relação da mãe com o irmão roçava o incesto; o pai andava de bata e cuecas pelas alas psiquiátricas do hospital. Foi neste universo que Paul cresceu. Não admira que Miami tenha sido um intervalo de fuga para as suas obsessões. Mas Dubois não consegue alhear-se da Wikipédia. Sirva de exemplo o penúltimo parágrafo da página 144: «Borlin venceu a maratona…» / «Gorbatchev foi recebido…» / «a França de Mitterrand votava a lei…» Oito linhas estranhas ao plot. Há mais. A passagem do avô pela URSS tem momentos deveras surreais. A ideia seria falar de perda, mas o excesso de informação dinamita o propósito. Três estrelas. Publicou a Sextante.
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09:00
quarta-feira, 10 de outubro de 2018
DRAWING ROOM LISBOA
É hoje inaugurado na Sociedade Nacional de Belas Artes o salão de desenho de Lisboa, uma feira de arte internacional onde estão representadas galerias de Portugal, Espanha, França, Alemanha, Grécia, Colômbia e Brasil. As portuguesas são a 111, a mais antiga do país, a Módulo, a Miguel Nabinho, a Monumental, a Presença (Porto), a Graça Brandão, a Fonseca Macedo (Açores), a Arte Periférica, a Pedro Oliveira (Porto) e a Carlos Carvalho. Oportunidade para ver, a partir das 17:00, dezenas de obras de artistas contemporâneos. À margem da Feira vão realizar-se conferências.
Hoje é para convidados, de amanhã a domingo para o público.
Portugueses representados, alguns por galerias estrangeiras:
Adriana Molder (1975), Ana Jotta (1946), Cecilia Costa (1971), Fernando Marques de Oliveira (1947), Joana Fervença (1988), Joana Pimentel (1971), João Felino (1962), João Gomes Gago (1991), Jorge Martins (1940), José Loureiro (1961), Luisa Cunha (1949), Luís Nobre (1971), Manuel San-Payo (1958), Marco Pires (1977), Margarida Lagarto (1954), Maria José Cavaco (1967), Martinho Costa (1977), Miguel Palma (1964), Nuno Gil (1983), Nuno Henrique (1982), Paulo Lisboa (1977), Pedro A.H. Paixão (1971), Pedro Cabrita Reis (1956), Pedro Calhau (1983), Pedro Gomes (1972), Pedro Vaz (1977), Rui Moreira (1971), Susana Gaudêncio (1977), Tiny Domingos (1968) e Vera Mota (1982). Mas também há Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992).
Mónica Álvarez Careaga, Maria do Mar Fazenda, Adelaide Ginga (curadora) e Ivania Gallo são quatro das nove mulheres que fizeram o Drawing Room.
A imagem do convite é de Pedro A.H. Paixão, da 111. Clique.
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11:00
terça-feira, 9 de outubro de 2018
NONSENSE
Já ouvi mais de uma vez: Isto é campanha, quando chegar a Presidente não faz nada daquilo. Penso exactamente o contrário. Quando chegar ao Planalto vai ser muito pior.
Em vez de mobilizar o país, Haddad foi a Curitiba falar com Lula. Ainda não percebeu que, de cada vez que o fizer, perde votos.
Dilma não está presa, pôde concorrer ao Senado, mas não conseguiu ser eleita. E ainda há quem precise de um desenho para perceber o colapso do PT.
No Estado do Rio de Janeiro, Bolsonaro teve uma média de 60%. No Rio propriamente dito (cidade) teve 58,2%. Quando é que Haddad lá vai? No Estado de São Paulo, Bolsonaro venceu em 629 das 645 cidades.
O que está a acontecer no Brasil é muito grave. Quase tão grave como imaginar que Haddad possa ser a solução. Agora é tarde. A Esquerda brasileira teve seis meses (Lula foi preso a 7 de Abril) para tentar fazer uma frente alargada de democratas. Em vez disso, fez pirotecnia. O resultado está à vista.
Clique no gráfico do jornal brasileiro Globo.
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11:00
DE 1 PARA 52
Nas eleições de 2014, o PSL, ou seja, o Partido Social Liberal (Bolsonaro), elegeu um deputado. Um. Anteontem elegeu 52 e tornou-se o segundo maior partido com representação parlamentar do Brasil.
Clique no gráfico do jornal brasileiro Globo.
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09:00
segunda-feira, 8 de outubro de 2018
REFERENDO NULO
Fazendo o trabalho sujo do Governo, que tem de manter as aparências em Bruxelas, a igreja ortodoxa romena mobilizou parte da opinião pública numa tentativa de mudar o artigo da constituição que define o casamento: em vez de «o casamento é a união entre duas pessoas», como consta na Lei, queriam «o casamento é a união entre um homem e uma mulher».
Embora o casamento entre pessoas do mesmo sexo não seja permitido na Roménia, os tribunais têm actuado na defesa dos direitos da comunidade homossexual, fazendo frente aos sectores mais retrógrados da sociedade.
Surgiu assim uma petição, assinada por 3 milhões de pessoas (o país tem 21 milhões de habitantes), que levou o Governo e o Parlamento a organizar o referendo, que se realizou sábado e domingo.
Mas os votantes foram apenas 20%, tornando o referendo nulo. As autoridades não revelaram as percentagens dos que votaram a favor ou contra a mudança.
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10:00
SEGUNDA VOLTA NA CALHA
Com 48,6 milhões de votos (46,5%), Bolsonaro ficou em primeiro lugar. Disputará a segunda volta com Haddad, que obteve 29,9 milhões de votos (28,7%). No próximo 28 de Outubro saberemos o resultado.
Clique na imagem do jornal Estado de São Paulo.
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01:10
domingo, 7 de outubro de 2018
BRASIL EM TRANSE
Mais de 147 milhões de eleitores recenseados vão hoje escolher o novo Presidente, 27 governadores, 54 senadores e centenas de deputados federais e estaduais. O voto é obrigatório no Brasil. O último Ibope, ontem divulgado, dava 41% a Bolsonaro e 25% a Haddad.
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11:00
A SEGUNDA DERROTA DE ANITA HILL
Sob um coro de protestos das galerias do Senado, Brett Kavanaugh foi ontem confirmado juiz do Supremo Tribunal, por 50 votos contra 48. O democrata Joe Manchin votou a favor da nomeação. Dois senadores faltaram à votação. Entretanto, foram presas dezenas de activistas do MeToo. Depois da votação, Kavanaugh tomou posse. O Supremo Tribunal dos Estados Unidos fica agora com cinco juízes conservadores e quatro liberais.
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02:00
sexta-feira, 5 de outubro de 2018
FOOTBALL LEAKS
Pode ser que me engane, mas é provável que Kathryn Mayorga tenha antecipado o fim da carreira de Ronaldo. Se, como tudo indica, o caso vier a arrastar-se (a professora acusa o jogador de a ter sodomizado em 2009 contra sua vontade), o estendal de revelações obscenas porá fim a uma série de contratos milionários de publicidade. A Nike já está a franzir o sobrolho. É tarde para deter a bola de neve.
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10:30
quinta-feira, 4 de outubro de 2018
BRASIL PRESIDENCIAL
No próximo domingo, dia 7, o Brasil elege o seu novo Presidente. Comparado com Bolsonaro, Trump é quase um estadista. E, claro, os Estados Unidos têm um sistema (e uma tradição) de checks & balances eficiente. O Brasil vive noutro planeta. Há um ano, imaginar Bolsonaro como candidato era uma anedota brega. Hoje é o que sabemos.
Clique na imagem do jornal Globo, com a mais recente sondagem do Ibop.
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11:55
DEPUTADOS EM SERRALVES
Se não tiver havido mudança de agulha, os deputados da comissão parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto vão hoje a Serralves ver a exposição de Mapplethorpe, falar com a administração da Fundação e tentar perceber o que se passou para as obras expostas terem sido reduzidas de 179 para 159.
O BE propôs a audição de João Ribas no Parlamento, o requerimento foi aprovado por unanimidade, mas, passados mais de dez dias, nada aconteceu.
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10:00
quarta-feira, 3 de outubro de 2018
WOOLF & PADGETT
Hoje na Sábado escrevo sobre Viagens, de Virginia Woolf (1882-1941), um livro que a autora nunca escreveu. A partir de excertos do diário, cartas avulsas, artigos e ensaios, Jorge Vaz de Carvalho organizou um volume com este título. Com efeito, a autora de Mrs. Dalloway nunca escreveu um livro de viagens, mas a solução encontrada preenche a lacuna. Ao longo da vida, Virginia fez viagens a Itália, Portugal, Espanha, Grécia, Turquia, Alemanha, França, Irlanda e Holanda, repetindo algumas em anos diferentes. A França, por exemplo, foi dezasseis vezes. Escreveu sobre essas experiências a partir de Novembro de 1904, tinha então 22 anos. Várias delas foram mais tarde transpostas para obras de ficção. As observações sobre Portugal são parcimoniosas. Virginia e o irmão Adrian desembarcam em Leixões, apanhando no Porto o comboio para Lisboa porque uma avaria no navio alterou os planos iniciais. Acerca de Lisboa, diz que é uma cidade «ampla, brilhantemente branca e limpa...». Refere o Hotel Borges, onde ficaram instalados, os eléctricos velozes, o Cais do Sodré, a Praça do Cavalo Preto (o Terreiro do Paço) e uma visita ao cemitério inglês para ver a campa de Henry Fielding, o autor de Tom Jones (1749). A partida para Sevilha deu-se nessa mesma noite. Portugal foi um brevíssimo entreacto. Mas, por comparação com a capital portuguesa, considera Sevilha cheia de defeitos: «É uma cidade a que acho difícil acostumar-me.» Numa carta a Violet Dickinson datada de Abril de 1905, matiza o juízo, mas volta a sublinhar que «Lisboa é uma cidade esplêndida, com pelo menos um belo edifício, a grande igreja em Belém.» Na Primavera de 1925, no extremo Sul da França, acompanhada de Leonard, algures entre Cassis e La Ciotat, sente-se feliz: «Ninguém dirá de mim que não conheci a felicidade perfeita.» O turismo não era o que é hoje, mas Virginia não deixa de reflectir sobre relações entre «pessoas que não se conhecem». Em Maio de 1937, com a guerra no horizonte, Virginia volta a França: «No domingo foi a fête. Pessoas com roupas vivas. Aldeias cheias de homens negros, ali parados.» Um belo patchwork de textos de natureza diferente. Quatro estrelas. Publicou a Relógio d'Água.
Escrevo ainda sobre Poemas Escolhidos, do americano Ron Padgett (n. 1942). Uma selecção feita por Rosalina Marshall a partir de quatro livros do autor. O primeiro, Big Cabin, será inédito: não se encontram quaisquer referências a seu respeito, e Rosalina Marshall também o omite da bibliografia e da lista de títulos publicados. Padgett faz parte da segunda geração da denominada Escola de Nova Iorque, que tem Frank O’Hara e John Ashbery entre os seus notáveis. Além de sentido de humor, os poemas de Padgett têm ritmo jazzístico. É assim desde os primeiros livros, mas nota-se de forma clara no mais recente, Sozinho Mas Não Só (2015). Tradutor de Apollinaire e outros poetas franceses, amante de banda desenhada, doseia bem o nonsense e os envios culturais: «Passei toda a vida / a pensar que era um rapaz, / depois um homem […] e talvez um bocadinho borboleta.» A retórica belisca alguns poemas em prosa, e o mesmo sucede com os versos de Tudo Depende. Três estrelas. Publicou a Assírio & Alvim.
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20:00
sábado, 29 de setembro de 2018
FLOP
Vi esta tarde a exposição de Mapplethorpe no Museu de Serralves. A primeira, desde que me conheço, em Portugal e no estrangeiro, sem legendas. Um panfleto impresso em nano-lettering é tudo o que há. Não substitui as legendas, como implica saber ler mapas.
As exposições não são feitas para intelectuais, nem as pessoas são obrigadas a saber que o autor fez muitos auto-retratos. Entre os fotografados há artistas célebres, galeristas, poetas, actores, modelos, gente que a minha geração conhece, mas os mais novos ignoram. Não se trata, portanto, de haver só 159 retratos (em vez de 179). A exposição está mal montada. Também não há catálogo. Lamentável.
A ver se a gente se entende. Eu gostava de dizer bem da exposição de Mapplethorpe, um artista da minha geração, que frequento desde 1983, dos dois lados do Atlântico. Infelizmente, a exposição, tal como está, é um desastre. A ausência de legendas não é um detalhe menor.
Um exemplo. Um casal jovem comentava a foto de William S. Burroughs com a espingarda, uma foto de 1981, tinha o escritor 67 anos: Esta do velho é porreira. Nenhum deles sabe quem é William S. Burroughs. Ignoram portanto que, em 1951, numa festa onde as lendas de Guilherme Tell eram macaqueadas, Burroughs matou Joan Vollmer (mãe do seu filho) com um tiro na cabeça. Se soubessem, a foto ganhava outro sentido.
Quando pessoas identificam, no acervo exposto, a recriação de A Morte de Marat (1793), de Jacques-Louis David? E assim sucessivamente.
Exemplos como estes multiplicam-se. Portanto, pendurar 159 fotografias sem contexto, não serve para nada.
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19:00
CORPO, IDENTIDADES
No decurso de Carmina 3 foi lançada uma antologia de poesia sobre o corpo na poesia portuguesa, organizada por Ana Luísa Amaral e Marinela Freitas. Faço parte dos 40 antologiados. Comigo estão, entre outros, Adília Lopes, Al Berto, Alberto Pimenta, Alexandre O’Neill, Ana Hatherly, Ana Marques Gastão, António Botto, Armando Silva Carvalho, David Mourão-Ferreira, Eugénio de Andrade, Florbela Espanca, Gastão Cruz, Helga Moreira, Irene Lisboa, Isabel de Sá, Jorge Sousa Braga, José Carlos Ary dos Santos, Luís Miguel Nava, Luiza Neto Jorge, Maria do Rosário Pedreira, Maria Teresa Horta, Mário Cesariny, Mário de Sá-Carneiro, Natália Correia, Nuno Júdice, Pedro Homem de Mello, Rosa Maria Martelo, Sophia de Mello Breyner Andresen. 344 páginas sem interditos. Ontem, Ana Luísa Amaral, João Rios, Rui Spranger e Isaque Ferreira, leram alguns dos poemas seleccionados. Foi desse modo vibrante que a festa acabou. A Fundação Cupertino de Miranda está de parabéns.
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14:00
sexta-feira, 28 de setembro de 2018
quinta-feira, 27 de setembro de 2018
CARMINA 3
A partir de hoje vou estar em Vila Nova de Famalicão, a convite da Fundação Cupertino de Miranda, para discutir poesia e identidades. Comigo vão estar Ana Luísa Amaral, Maria Teresa Horta, Rosa Maria Martelo, Livia Apa, Marinela Freitas, Catherine Dumas, Graça Capinha, Anabela Mota Ribeiro, Jorge Sousa Braga, Fernando Aguiar, Helga Moreira e Isabel Pires de Lima.
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10:00
BALDWIN & OZ
Hoje na Sábado escrevo sobre Se Esta Rua Falasse, do americano James Baldwin (1924-1987). Vá-se lá saber porquê, o autor só agora teve uma obra sua traduzida em Portugal. Não estou a contar com o ensaio sobre a revolta dos negros americanos inserido em volume colectivo. Romancista, dramaturgo, poeta e ensaísta, Baldwin foi também um empenhado activista dos direitos civis, dentro e fora dos Estados Unidos (viveu dez anos em Paris e, a partir de 1970, em Saint-Paul-de-Vence). Negro e homossexual pobre do Harlem, tudo o afastava do meio literário. Contudo, o carácter autobiográfico do primeiro romance, Go Tell It on the Mountain (1953), colocou-o no radar da crítica americana, inglesa e francesa. Se Esta Rua Falasse, publicado em 1974, chegou agora pela mão de José Mário Silva. «Alonzo, vamos ter um bebé.» Feita por auscultador, a revelação dá o tiro de partida à primeira parte do romance. Clementine e Alonzo, 19 e 22 anos respectivamente, o par de namorados da rua Beale, estão separados por um vidro como de regra nos palratórios das prisões. Alonzo está preso por um estupro que não cometeu. O facto de ser um adolescente com excesso de hormonas não fazia dele o violador de Victoria Rogers, a porto-riquenha que o apontou na line-up da esquadra depois de haver sido «forçada a praticar as mais inimagináveis perversões sexuais.» Alonzo teve o azar de ficar na mira de um polícia racista. Narrada por Clementine, a história segue passo a passo a saga de duas famílias sem recursos, apostadas em provar a inocência de Alonzo. Em síntese, pode-se dizer que Baldwin faz o retrato da comunidade negra na América dos seventies, os anos do racismo puro e duro. Por fim, Alonzo sai em liberdade sob fiança (no dia em que o pai comete suicídio) e a criança nasce. A origem do dinheiro é obscura. O julgamento não cabe no plot. O título é uma parábola da desigualdade social: Se a rua Beale pudesse falar… É isso que Baldwin (antigo membro dos Panteras Negras) quis vincar. Os avanços e recuos cronológicos ajudam a contextualizar o ar do tempo. Cinco estrelas. Publicou a Alfaguara.
Escrevo ainda sobre Caros Fanáticos, do israelita Amos Oz (n. 1939), autor que dispensa apresentações. Defensor do direito dos palestinianos a um Estado independente, voz incómoda para Tel Aviv, juntou em três ensaios sobre questões controversas de Israel. Questões de vida ou de morte, diz ele, ao caracterizar as reflexões. O livro abre com o ensaio que dá o título ao conjunto, adaptação alargada de conferências feitas na Alemanha. Centra-se no fanatismo islâmico, da Al-Qaeda ao Daesh, passando pelo Hezbollah e outros grupos radicais. O ódio identitário deu azo a uma «vaga de rejeição do outro», instalando o fanatismo universal. É interessante a forma como introduz comentários a obras suas de ficção, sinalizando temas concretos. O segundo, Luzes e não uma única luz, baseia-se num livro da filha. Judaísmo enquanto cultura «e não apenas como religião, e nação.» É porventura o mais erudito dos três. O terceiro, Sonhos de que Israel se deve libertar rapidamente, estatui de modo peremptório: «Se não houver aqui dois estados, e rapidamente, haverá apenas um.» (E será árabe.) Perturbador? Decerto. Amos Oz sabe do que fala. Cinco estrelas. Publicou a Dom Quixote.
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09:00
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